Verônica Barros
“A comida vegana é a mais democrática que existe”. A opinião é da designer Cecília Barbosa, de 29 anos, criadora do canal Bora Veganizar no YouTube. Nele, a recifense, que aderiu ao hábito desde 2015, compartilha receitas, dicas e leva informações sobre como é viver com uma dieta à base de vegetais e sem consumir produtos derivados, como o couro, ou que tenha sido testado em animais.
O canal tem tido adesão crescente, contabilizando, até o mês de outubro, mais de 287 mil visualizações. Cecília também divulga o tema por meio do Facebook e do Instagram e, embora não se considere uma referência sobre o assunto, também foi organizadora e protagonista do primeiro casamento totalmente vegano da cidade, realizado em agosto do ano passado. Tudo que foi servido na cerimônia e utilizado na decoração e na roupa dos noivos foi de origem vegetal.
No dia 1º de novembro, foi comemorado o Dia Mundial do Veganismo, estabelecido em 1994 pela então presidente da Sociedade Vegana da Inglaterra, instituição que oficializou o termo em 1944. No Brasil, universo de pessoas que cortaram produtos de origem animal da vida – do qual Cecília faz parte – é cada vez maior. Em uma pesquisa encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), e realizada pelo Ibope Inteligência em abril deste ano, 14% da população do País se declarou vegetariana.
A estatística representa um crescimento em relação a 2012, quando estudo similar indicou que a proporção de vegetarianos era de 8%. O estudo mostra ainda o aumento no interesse por produtos veganos: 55% dos entrevistados afirmaram que comprariam mais itens desse tipo se estivessem melhor indicados na embalagem ou se tivessem o mesmo preço que os que costumavam consumir (60%).
Motivação
O veganismo é uma das vertentes do vegetarianismo, que compreende, ainda, os ovolactovegetarianos (que, além de vegetais, consomem ovo e leite), os vegetarianos estritos (que rejeitam qualquer item animal na alimentação, mas podem consumi-los no vestuário ou em outros produtos), os crudívoros (admitem apenas a ingestão de vegetais crus) e os frugívoros (consomem apenas frutos).

NO PRATO – Universo de pessoas veganas – ou seja, que cortaram produtos de origem animal da vida – é cada vez maior no País. Foto: Divulgação/Yuska Fotografia
Cecília conta que mudou a forma de se alimentar aos 25 anos, após um procedimento para retirar uma pedra da vesícula. “Antes da cirurgia, descobri que meu percentual de gordura estava muito alto, porque, segundo o médico, eu comia muita besteira. Depois da cirurgia, fiz uma dieta radical e cheguei a perder 12 quilos em dois meses. Foi quando comecei a investir numa alimentação mais saudável”, lembra.
“Já se sabe que não há necessidade alguma de se alimentar de animais, pois todos os nutrientes necessários ao ser humano são encontrados no reino vegetal.”
Cecília Barbosa, designer
De tanto pesquisar sobre o assunto – e após assistir ao documentário A carne é fraca, que visa provocar uma reflexão sobre as consequências do consumo de carne dos pontos de vista ambiental, social ou relativos à saúde e aos direitos animais – a designer, que sempre foi sensível à causa dos bichos, decidiu fazer a transição. “Para mim, foi uma imersão gradual. Quando você se informa sobre o assunto, abre-se um leque enorme de opções e tudo fica mais fácil. A gente também começa a sentir necessidade de preparar a própria comida e se torna mais independente”, destaca.
Cecília afirma que já foi constatado que a pecuária é hoje a atividade que mais destrói o meio ambiente, e sentencia: “Percebo uma tendência de crescimento no número de veganos, sim, porque as pessoas estão se conscientizando de que não temos um ‘planeta B’.“ Sobre o preconceito de algumas pessoas, a designer avisa que não se incomoda. “Os animais não estão na Terra para perder a vida para alimentar nosso ego. Já se sabe que não há necessidade alguma de se alimentar de animais, pois todos os nutrientes necessários ao ser humano são encontrados no reino vegetal”, ressalta.
Empreendedorismo
O mesmo pensamento é compartilhado por Nathalia Santos que, junto com o marido, Jarde Pirro, e a avó, Sílvia Abel, administra o Vegostices, comedoria e loja colaborativa localizada na rua da Aurora, no Centro do Recife, que serve apenas refeições veganas. “Hoje há muito mais informação sobre tudo e, quando as pessoas descobrem a agressão aos animais e ao ambiente envolvida no processo de abate e de condução da carne ao prato, elas passam a considerar o veganismo como melhor opção de vida”, diz.

EQUIPE – Junto com o marido, a avó e um grupo de funcionários, Nathalia Santos administra o Vegostices, comedoria e loja colaborativa vegana localizada no Centro do Recife. Foto: Divulgação/Yuska Fotografia
Segundo Nathalia, o empreendimento surgiu de uma dificuldade (ambos ficaram desempregados em 2016) e também de uma necessidade do casal vegetariano, que sentia falta de espaços para se alimentar fora de casa. “Começamos apenas com o serviço de delivery e, depois de um ano, passamos a servir também na comedoria. Todo dia observamos a presença de clientes novos no local. Também oferecemos oficinas para estimular os iniciantes a se aventurarem no mundo dos vegetais”, explica. Para a empresária, os poderes públicos deveriam ajudar na divulgação do veganismo, incluindo a temática no currículo escolar, por exemplo: “Com certeza, menos pessoas ficariam doentes”.
A nutricionista Ana Paula Magalhães, especialista em alimentação vegana e vegetariana, atesta essa informação. De acordo com ela, se forem bem equilibradas, essas dietas são muito saudáveis em todos os ciclos da vida, inclusive na prevenção e no tratamento de diversas doenças crônico-degenerativas. “Diversos estudos comprovam que pessoas que excluem animais e derivados do cardápio têm menores riscos de desenvolver problemas cardiovasculares, hipertensão arterial, câncer, diabetes, obesidade, e outros males. Muitas também melhoram sintomas digestivos, acne e alergias”, salienta.
A especialista afirma que a alimentação deve ser variada, com equilíbrio entre macro (proteínas, carboidratos e lipídios) e micronutrientes (vitaminas e minerais), considerando diferentes necessidades e possíveis intolerâncias de cada um. Ana Paula ressalta, entretanto, que a vitamina B12 é o único elemento necessário ao ser humano que só está presente em alimentos de origem animal, tendo que ser avaliada e suplementada no caso de adeptos de dietas à base de vegetais. “A deficiência desse composto, porém, não é exclusividade em vegetarianos. É muito comum onívoros também apresentarem B12 insuficiente, pela complexidade que envolve a absorção desse nutriente”, esclarece Ana Paula.
Formação
Com o objetivo de promover o vegetarianismo estrito em todos os seus aspectos (ético, ecológico e de saúde) e cooperar com outras organizações com objetivos semelhantes, em 2003 surgiu em São Paulo a Sociedade Vegetariana Brasileira. No Recife, a entidade existe desde 2010 e é responsável por organizar palestras, demonstrações culinárias, oficinas, festivais e também cursos de longa duração, como as pós-graduações. pioneiras no Brasil, em Nutrição Vegetariana, Alimentação Vegetariana e Gastronomia Vegana, em parceria com a Faculdade Metropolitana.

PIONEIRISMO – Em maio, o Recife passou a contar com as primeiras pós-graduações em nutrição e gastronomia vegana do Brasil. Foto: Divulgação/Yuska Fotografia
A professora universitária e coordenadora da SVB no Recife, Bárbara Bastos, é aluna da pós-graduação em Gastronomia Vegana. “Acreditamos que esse tipo de formação é importante para todos que trabalham com gastronomia, uma vez que os cursos de formação tradicional ainda não abordam, ou abordam muito pouco, sobre a culinária vegana, e a demanda dos consumidores já é bastante grande e crescente”, ressalta.
Ela conta que a primeira turma fechou completa, com 32 alunos – inclusive alguns vindos de outros Estados – e já existe um cadastro reserva para a próxima. “A ideia de criar as pós-graduações foi justamente para suprir essa carência na formação, mas esperamos que ao longo do tempo os cursos de graduação insiram esse conteúdo em suas grades”, observa.
“Meus dois filhos são veganos. Eu os educo para entenderem que os animais merecem nosso respeito.”
Bárbara Bastos, professora universitária e coordenadora da Sociedade Vegetariana Brasileira no Recife
Assim como Cecília, Bárbara também adotou o veganismo depois de assistir ao documentário A Carne é Fraca. “Meus dois filhos também são veganos, continuaram sendo quando deixaram de mamar. Eu os educo para entenderem que os animais merecem nosso respeito, o que implica várias questões, começando por não comê-los. Da mesma forma que eu quero que sejam boas pessoas, honestas, generosas, quero que estendam isso aos animais”, salienta. Em relação ao convívio com quem pensa diferente, ela acredita que isso também vem mudando. “Vejo que cada vez mais pessoas entendem aqueles que fazem parte desse movimento social e político.”
Segundo a coordenadora da SVB, no Recife já existem 15 estabelecimentos 100% veganos (8 restaurantes, um foodtruck, três deliveries e três empórios), mas há muitos restaurantes tradicionais que incluem preparações inteiramente à base de vegetais nos cardápios. Para prestar uma consultoria gratuita no desenvolvimento de pratos e no estreitamento do relacionamento com o público vegano nesses estabelecimentos, a entidade desenvolveu, em 2016, o programa Opção Vegana, adotado em todo o País.
“Em Pernambuco, a ação foi implantada há um ano e alguns restaurantes e lanchonetes já aderiram ao programa e outros estão em processo de filiação. Por outro lado, observamos muitos estabelecimentos que, por conta própria, têm passado a incluir opções veganas em seus cardápios”, explica Bárbara Bastos.
Desde 2014, a SVB também criou o Selo Vegano, uma certificação que visa garantir ao consumidor que determinado produto não contém qualquer ingrediente de origem animal ou ingrediente testado em animais. A maioria dos itens certificados pela entidade é do ramo da alimentação, mas cosméticos e artigos de higiene e de limpeza já começam a fazer parte da lista. Atualmente, são quatro mil filiados à SVB em todo o País.

AUTORIA – Duas normas sobre veganismo foram propostas na Alepe pelo deputado Edilson Silva, a partir de reivindicações de representantes da causa animal. Foto: Jarbas Araújo
Legislação
Recentemente, Pernambuco passou a contar com duas leis relacionadas ao tema. As duas normas foram originadas de projetos de lei de autoria do deputado Edilson Silva (PSOL), que foram desenvolvidos a partir de reivindicações de representantes da causa animal, entre eles a SVB Recife. A Lei Estadual nº 15.927/2016, que altera a Lei nº 11.751/2000, dispõe sobre a composição alimentar da merenda escolar da rede de ensino estadual. A nova redação prevê a inclusão de alimentos ricos em proteína não animal, além do estímulo à sustentabilidade ambiental, econômica e social, priorizando a produção de agricultura familiar, as opções agroecológicas e orgânicas, e promovendo o cardápio alternativo vegetariano.
Já a Lei Estadual nº 16.173/2017 determina que os fabricantes de produtos do gênero alimentício devem informar nos rótulos e nas embalagens sobre a presença de ingredientes de origem animal. A norma é válida tanto para alimentos embalados quanto para os vendidos a granel ou in natura, sendo necessário divulgar também a lista e a quantidade de ingredientes adicionados.
*Fotos em destaque (home e Notícias Especiais): Divulgação Vegostices/Yuska Fotografia