A pernambucana Isabella Puente tem 24 anos, é mestranda em História, poeta, dançarina e slammer. Vencedora do SLAM BR 2017 – campeonato brasileiro de poesia falada que aconteceu em São Paulo –, Bell Puã, como é conhecida, garantiu uma vaga na disputa na Copa do Mundo de Poesia Falada, que aconteceu em Paris em julho deste ano. A cultura dos slams começou em Chicago, nos Estados Unidos, por volta dos anos 1980, em ressonância à expansão da cultura hip-hop. Só chegou ao Brasil em 2000, via São Paulo. Atualmente, milhares de slams se espalham pelo País, como o Slam Resistência (SP) e o Slam das Minas PE – no qual Bell Puã se destacou. Confira trechos da entrevista, ou assista ao programa na íntegra neste link.
Em Discussão – Para começar, queria perguntar o que é que é slam? Como você definiria essa forma de poesia declamada?
Bell Puã – É uma competição de poesia falada que começou nos Estados Unidos e vem da cultura do hip-hop, a cultura de rua, marginal e negra. E a palavra slam é uma onomatopeia, em inglês, do som de um tapa. Assim slam seria uma forma de traduzir poesias como tapas, como uma forma de provocar uma reflexão em quem está escutando.
ED – E como foi o seu contato com o slam? Como você conheceu e resolveu participar?
BP – Vendo uns vídeos da página do Slam Resistência, de São Paulo, e também do Slam Grito Filmes, do Rio de Janeiro, comecei a me interessar. Eu fiquei impressionada ao saber que isso existia aqui no Brasil. Eu sabia que existia batalha de poesia, porque a gente tem aqui em Pernambuco, por exemplo, a Batalha da Escadaria, organizada por Adelaide, uma rapper daqui. Mas são batalhas de improviso, de rap essencialmente, não é necessariamente ritmada, como no slam.
ED – E o que é o Slam das Minas?
BP – O Slam das Minas é um formato de Slam em que só mulheres declamam, que também foi uma forma que as mulheres criaram de ter um espaço que não fosse predominantemente masculino. Ocupamos os espaços públicos da cidade com arte e cultura, sem pedir licença ou baixar a voz. Historicamente silenciadas e invisibilizadas, no slam, agora, temos assegurado o direito ao necessário grito.
ED – No torneio de slam, homens e mulheres participam juntos, é isso?
BP – No nacional, sim. Mas, a partir da necessidade de se ter um espaço onde as mulheres se sentissem mais à vontade e também não fossem silenciadas, foi criado em Brasília o primeiro Slam das Minas do Brasil. Essa modalidade já existe no Pará, em São Paulo, no Ceará, na Bahia, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e, em Pernambuco, foi criada ano passado.
ED – Você foi campeã do Slam BR 2017 e, a partir daí, foi para outros países para apresentar seu trabalho, e também participar de eventos como a Feira Literária internacional de Paraty (Flip) deste ano. Como foi para você cada um desses episódios?
BP – Ganhar o Slam BR 2017 foi uma surpresa para mim, porque foi a primeira vez que Pernambuco participou. A gente não tinha todos os contatos e experiência que o pessoal do Sudeste e do Sul tem, nem visibilidade. Foi incrível porque eu conheci muita gente lá, com muita força, com uma voz muito necessária de ser ouvida. E, apesar de ser uma batalha, no slam não tem essa coisa das competições de que um participante quer ser melhor que o outro, porque as pessoas estão falando de coisas que dizem respeito à vida delas, a preconceitos, injustiças, e a gente está ali para ouvir, principalmente. E assim, foi maravilhoso ter a oportunidade de trocar ideia com todos os outros e o fato de eu ser nordestina e ter ganho, porque nunca tinha ganho uma nordestina antes. Em Paris, também tive a oportunidade de conhecer pessoas. Fiz uma amizade muito forte com uma menina de Ruanda, que foi morar na Bélgica por conta da guerra civil. Ela tem uma história muito dolorida. É incrível ver como a gente sofria coisas tão parecidas mesmo sendo de países totalmente diferentes. Fiquei surpresa de ver que as poesias do slam, que são de amor, que são lúdicas, têm uma receptividade maior do que as poesias políticas lá em Paris. Sobre a Flip, foi maravilhoso também. Tive um carinho muito grande por parte da curadora, que é Josélia Aguiar. Conceição Evaristo a chamou de mulher-coragem, porque ela teve essa preocupação de trazer pessoas negras, mulheres, pelo menos metade dos convidados principais da Flip, e ainda mais sendo nordestina, sendo tão nova, como eu sou, ela teve a coragem de me convidar para participar.
ED – Bell, você também lançou um livro de poemas. Qual é a diferença do trabalho declamado para a poesia escrita?
BP – Quando a gente declama uma poesia a gente escreve de uma forma que fique interessante para quem está escutando. Mas, existem certos jogos de palavras que só fazem sentido quando são escritos. Eu tenho notado que escrever é outro processo, porque é outro contato que você tem com a palavra. No livro, a forma de escrita, às vezes, não é tão informal, e eu sinto que no slam é muito, e é necessário que seja porque deve ser entendido por todo mundo, até porque é uma cultura que vem do rap.
ED – Quais são as suas influências? O que lhe inspira e motiva a escrever e declamar?
BP – As influências que me fizeram acreditar mais em mim, que eu poderia escrever, foram as mulheres negras. Antes eu lia mais os clássicos, que também amo. Manoel de Barros foi bem especial para mim, Valter Hugo Mãe, Drummond e Machado de Assis também. Mas foram as escrituras negras que realmente me fizeram sentir que eu podia escrever. Também há as mulheres, como Clarice Lispector, Cecilia Meirelles e, principalmente, Conceição Evaristo, Carolina de Jesus e Toni Morrison.
ED – Fora da literatura, talvez no rap, no cinema e na pintura, quais as outras influências no seu trabalho?
BP – Tem a dança. Eu fiz parte de um coletivo de performance de dança que tem aqui no Recife. Lembro que tinha uma época em que eu “sacava” muito Marina Abramovic, Pina Bausch… Outras influências importantes são Marcelino Freire e Manuel Bandeira.