Concluído em 1875 para suprir carência estrutural da antiga sede, Palácio Joaquim Nabuco abraça viés museológico reconhecido desde 2010
Gabriela Bezerra
A Rua da Aurora era um endereço de palacetes, com solares como o do Conde da Boa Vista e o do Barão de Beberibe debruçando-se na margem do Rio Capibaribe. A energia elétrica ainda não havia substituído a iluminação a gás nas ruas do Recife, que eram percorridas por bondes da Ferro-Carril, maxambombas e veículos de tração animal. Assim era a capital pernambucana na década de 1870, quando foi sancionada a autorização para construir o Palácio Joaquim Nabuco, edifício que abrigaria a Assembleia, em substituição à Fortaleza da Madre de Deus e São Pedro, mais conhecida como Forte do Matos.
Na paisagem já havia, junto à Ponte Santa Isabel, o Ginásio Pernambucano. A nova sede do Parlamento estadual foi erguida, inclusive, em terreno ao lado do colégio, onde se previra, inicialmente, a construção de piscina e pomar para os estudantes. Concluída em 1875, a transferência do Forte do Matos – situado nas proximidades do Paço Alfândega, no Recife Antigo – para o endereço atual preservaria a vista do Poder Legislativo para o rio.
Ápice para transferência do Poder Legislativo do Forte do Matos para o endereço atual foi discurso do deputado Gaspar de Drumond, que requereu, em maio de 1870, “um lugar decente” para funcionamento da Assembleia.
A mudança de localização deveu-se às constantes queixas da falta de proporções e acomodações necessárias no Forte, que encontraram o ápice no discurso, em maio de 1870, do deputado Gaspar de Drumond, o qual requereu “um lugar decente” para o funcionamento da Assembleia. Os jornais noticiavam que a fortaleza, erguida na última década do século XVII, encontrava-se “em estado de ruínas, a despeito dos constantes reparos” – sem espaço, até mesmo, para espectadores. Diante da ameaça de perigo, o então presidente da província (cargo equivalente ao de governador, nos dias atuais) assinou a Lei Estadual nº 963/1870, abrindo crédito extraordinário para a construção do palácio na Rua da Aurora.
A obra foi iniciada no final daquele mesmo ano. Encerrada a Guerra do Paraguai, a popularidade de Dom Pedro II crescia, sendo a data do seu trigésimo aniversário – 2 de dezembro – escolhida para o lançamento da pedra fundamental da nova sede da Assembleia Provincial. A deferência era tanta que, composta em mármore, a placa datava da seguinte forma: “No feliz reinado do sr. D. Pedro II”.
Contratante da construção, José Inácio d’Ávila contou com projeto do engenheiro José Tibúrcio Pereira de Magalhães, diretor da Repartição de Obras Públicas da província. No currículo dele constam, no Recife, o Asilo de Mendicidade (atual Santa Casa de Misericórdia), na Avenida Cruz Cabugá; o Liceu de Artes e Ofícios, na Praça da República; e a reconstrução do Teatro Santa Isabel, destruído por incêndio em 1869. Ainda assinou o Teatro da Paz, em Belém do Pará, mas foi a edificação às margens do Capibaribe a grande obra do engenheiro.
“Encantador” – Considerado patrimônio museal desde 2010, o Palácio Joaquim Nabuco integra as ruas da Aurora e da União. Com planta em formato de cruz latina, o Estilo Neoclássico evidencia-se nos arcos, colunas e frontão. Voltada para o rio, a fachada principal traz, ainda, dois leões, que confundem o significado majestoso do animal, comumente utilizado na arquitetura mundial, com o simbolismo pernambucano do Leão do Norte.
“É um prédio que encanta desde o lado de fora”, avaliou a estudante do Ensino Médio Ângela Menezes durante visita guiada na Semana Mundial dos Museus, em maio deste ano. “Apesar de sempre passar em frente, não sabia nem o que funcionava aqui”, revelou ainda. Defensor do aprendizado para além das salas de aula, foi o professor de História Lenivaldo Cavalcanti quem organizou o passeio para a turma de Ângela, aluna da Escola de Referência em Ensino Médio Sizenando Silveira, a cerca de dez minutos de caminhada da Alepe. “Conhecer esse patrimônio, não apenas pela função que ele exerce hoje, mas pela historicidade aqui contida, é absolutamente ímpar. Trata-se de uma visita arquitetônica e historicamente muito interessante.”
No final do percurso pelo Palácio, a adolescente comentou que, na parte interna, está o que considerou mais fascinante: “É muito bonito o efeito da cúpula sobre o Plenário”, disse. “Ainda estou muito impressionada.” Autor de livros sobre construções arquitetônicas no Recife, o arquiteto e urbanista José Luiz da Mota Menezes reitera a percepção: “Quando você entra, é coroado pela abóbada celestial”. “O Plenário está sob o céu. Esse sistema circular da cúpula também dá a sensação de concentrar as ideias e direcioná-las para a mesa principal”, completou.
Qualquer pessoa pode apreciar a Casa de Todos os Pernambucanos. A finalização das atividades legislativas do prédio, no final de junho, e a sua destinação para educação patrimonial contribuirá ainda mais para isso. Museóloga da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Manuela Ribeiro avalia que “o diferencial do Museu Palácio Joaquim Nabuco é contribuir para a conscientização política, ao explicar para a sociedade a importância do trabalho que é realizado pelo Poder Legislativo”.
Restauração – Para a superintendente de Preservação do Patrimônio Histórico da Assembleia, Cynthia Barreto, o prédio ecoa os anseios do povo pernambucano: “Com todos os debates que ocorreram no Plenário em quase 150 anos de história, as paredes absorveram muitos dos valores da sociedade”, destacou. Uma obra de restauração já está prevista para recuperar os danos do uso diário, adaptar aos padrões de acessibilidade e resgatar os aspectos arquitetônicos originais. Apresentada pelo deputado Tony Gel (PMDB), a Lei Estadual nº 15.613/2015 deve auxiliar no processo, ao criar a comissão suprapartidária de levantamento autoral do acervo museal da instituição.
Uma foto produzida no mesmo ano da inauguração do prédio pode ser o ponto de partida. De autoria do principal fotógrafo brasileiro do século XIX, Marc Ferrez, a imagem traz um Palácio Joaquim Nabuco monocromático. O edifício, que também já teve fachada bordô, à semelhança do Ginásio Pernambucano atual, originalmente ostentava uma pintura clara. O colégio também, inclusive.
Autor do livro “O Classicismo Arquitetônico no Recife Imperial”, o arquiteto e urbanista Alberto Sousa acredita em uma tonalidade próxima à que já foi a Faculdade de Direito do Recife antes da última reforma, “levando em conta o gosto da época”. “A pintura procurava imitar a coloração das fachadas em pedra de lioz, como a da Igreja Matriz da Boa Vista, no Recife, e a da Catedral de Salvador”, explica. Atualmente, a Casa Joaquim Nabuco se apresenta em azul e branco.
Sousa também opina pelo resgate das tonalidades do passado. “Em caso de mudança da pintura, deve-se optar pela coloração monocromática original. Foi assim que o arquiteto concebeu e a escolha dele deve ser respeitada, não só em atenção a ele, mas porque é a melhor solução do ponto de vista arquitetônico”. Para o estudioso, “o uso de duas cores distorce a composição, porque realça excessivamente a estrutura linear formada pelas pilastras, prejudicando a bela volumetria que o edifício tem e que deveria ser a característica dominante do seu exterior, como desejava o criador do projeto”.