
PROGNÓSTICO – Garantir qualidade de vida é caminho apontado por estudiosos. Na foto, alunos de dança do Sesc. Foto: Roberto Soares
Por Ivanna de Castro e Edson Alves Jr.
Em pouco mais de três décadas, período considerado curto sob uma perspectiva demográfica, um em cada três brasileiros terá mais de 60 anos de idade. A projeção é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e demonstra como os idosos – hoje 12,5% da população – vêm assumindo, de forma acelerada e irreversível, um papel de protagonismo no País.
De acordo com Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as mudanças na estrutura da pirâmide etária brasileira (ver gráfico) são resultado da combinação de explosão demográfica e melhoria das condições de vida. “A alta taxa de fecundidade dos anos 1950 e 1960 – a média era de 6,2 filhos por mulher –, aliada à redução da mortalidade infantil, deu origem a uma geração de crianças que se beneficiou, nas décadas subsequentes, de maior acesso a serviços de saúde, tecnologia médica avançada, água encanada, esgoto e saneamento. O resultado será um crescimento elevado da população idosa nos próximos 30 anos”, analisa.
Além do número cada vez mais representativo de indivíduos que chegam à terceira idade, a pesquisadora chama a atenção para a heterogeneidade do grupo, uma vez que a legislação brasileira considera idoso qualquer indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos. “São pessoas que experimentaram, ao longo da vida, trajetórias diferenciadas, fortemente marcadas pelas desigualdades sociais, regionais e raciais em curso no País, e que vão afetar sua velhice”, avalia Ana Amélia, alertando que “as políticas sociais podem, dessa forma, reforçar essas desigualdades ou atenuá-las, bem como mitos, estereótipos e preconceitos.”
Para a promotora de Justiça e coordenadora da Caravana da Pessoa Idosa do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Yélena Araújo, as omissões do Poder Público também devem ser observadas, uma vez que representam agressões aos direitos dessa parcela da população. “Quando o Estado deixa de oferecer os serviços essenciais garantidos por lei a esse público ou não regulamenta questões previstas no Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/2003), dificultando a aplicação da norma, o que observamos são atos de violência institucional”, interpreta.
Como exemplo, ela cita a determinação de que “o Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados”, contida no artigo 21 do Estatuto. Para Yélena, essa não é a prática. “A escola é vista, tradicionalmente, como espaço de crianças e jovens. Infelizmente, o País não investe na educação pública para os idosos, e esse é o principal instrumento de fortalecimento da consciência cidadã.”
Com relação às políticas públicas de saúde, outra área sensível para a população idosa, o médico e presidente da seção pernambucana da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Sérgio Fernandes, propõe que os governos pensem na temática de forma mais abrangente, não limitando as ações ao tratamento de enfermidades. “Saúde não é apenas a ausência de doenças, e sim o bem-estar do indivíduo. Há quatro pilares que sustentam a saúde do idoso: exercícios físicos regulares, atividade intelectual, alimentação saudável e convívio social”, enumera.
O especialista lembra que os tratamentos de saúde de pessoas idosas são mais caros e, portanto, investir em ações que garantam a qualidade de vida da terceira idade é a política pública mais acertada. “Os estudos médicos evidenciam que a atividade social ajuda na prevenção de transtornos de humor e nas ocorrências de quadros demenciais, como o Alzheimer”, aponta Fernandes. “Por isso, para um envelhecimento bem-sucedido, precisamos pensar em ações que facilitem a mobilidade das pessoas às áreas de convivência social.”
Planejamento Urbano – A aposentada Lourdes Pereira da Silva, de 70 anos, moradora do Recife, costuma ir três vezes por semana ao Parque 13 de Maio, no bairro da Boa Vista, para caminhar pela manhã. Solteira e sem filhos, ela mora com três primos, todos idosos, e tenta levar uma vida ativa. No entanto, Lourdes diz encontrar algumas dificuldades. “Venho ao parque a pé, porque moro próximo. Não vou a locais distantes da minha casa, pois tenho medo de andar sozinha e sofrer um acidente. Também não costumo andar de ônibus, porque posso me enganar e descer na parada errada”, conta.
Professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Terezinha da Silva explica que o temor de Lourdes se justifica, uma vez que há uma série de “armadilhas na área urbana” que dificultam o caminhar dos idosos. A especialista cita como exemplos calçadas com pavimentação irregular, árvores com raízes expostas, bocas de lobo sem grades, fiações elétricas e telefônicas baixas, rampas de garagem íngremes, ocupações das vias públicas pelo comércio informal e falta de sinalizações nas ruas e no transporte público.
“Observamos que há farta legislação garantindo acessibilidade, e que os projetos produzidos pelas prefeituras, especialmente as de municípios maiores, estão se tornando cada vez mais adequados urbanisticamente. No entanto, o que predomina nas cidades são as intervenções informais, que acabam não sendo fiscalizadas”, alerta Terezinha. “O ponto de partida, quando pensamos na mobilidade dos idosos, são as calçadas e hoje, no Recife, cada pessoa constrói a sua da maneira que melhor lhe convier, geralmente dando preferência ao carro.”
Para mudar essa realidade, a especialista defende o engajamento dos cidadãos de todas as gerações. “Pensar no bem-estar do idoso não deve ser uma política restrita aos especialistas das universidades ou aos técnicos do Poder Público. A sociedade como um todo precisa estar sensível ao tema para exigir a garantia dessa e de outras prerrogativas da terceira idade”, sugere.
A posição é compartilhada pelo presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa (Cedi), Amaro Bezerra. Ele recomenda o fim do silêncio e o trabalho integrado das instituições para efetivar as prerrogativas legais garantidas a essa parcela da população. “As ações estaduais estão mais voltadas a nós desde a aprovação da Política Estadual do Idoso, em 2001. No entanto, ainda é um desafio diário enfrentar as ruas e o transporte público”, conclui.
Lei reserva moradias a idosos
A Alepe aprovou, em junho deste ano, a Lei n° 15.830/2016, que reserva 10% das moradias construídas por programas habitacionais do Estado às pessoas acima de 60 anos. A norma também estabelece a implantação de equipamentos comunitários acessíveis, bem como a eliminação de barreiras arquitetônicas nesses empreendimentos. “O objetivo é assegurar a qualidade de vida e as condições de convívio social dessa população, conforme determina o Estatuto do Idoso”, explicou o autor da proposta, deputado Bispo Ossesio Silva (PRB).
Futuro da Previdência preocupa especialistas

RENDIMENTOS – Benefício do INSS é insuficiente para pagar as contas, diz Erinaldo. Foto: Roberto Soares
Além de melhorar políticas públicas voltadas para a terceira idade, outro desafio se apresenta de modo emergencial para o Brasil: tornar sustentável uma Previdência Social que atenda a pelo menos um terço da população nas próximas décadas. “O perfil demográfico atual é de dois contribuintes por beneficiário. Em 2060, poderemos ter mais aposentados do que pessoas em idade produtiva, o que levaria o gasto com previdência a 17% de toda a riqueza gerada no País”, calcula o coordenador de Previdência do Ipea, Rogério Nagamine. “Se juntarmos a previdência dos servidores públicos, o gasto com aposentados chegará a 20% do Produto Interno Bruto (PIB), daqui a 45 anos. É preciso reformar o sistema para evitar o crescimento explosivo”, argumenta.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2014, realizada pelo IBGE, indicam que, entre os 10% mais pobres da população, apenas 12% contribuem para a Previdência. O percentual chega a 83% entre os 10% mais ricos. “Os trabalhadores mais pobres, que, em geral, passam muito tempo no mercado informal, não conseguem chegar aos 35 anos de contribuição. Aposentam-se por idade aos 65 anos, enquanto os mais ricos o fazem aos 54 anos, ainda com plena capacidade de trabalhar”, aponta Nagamine.
Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Frederico Melo contesta o raciocínio. Ele aponta que continuar trabalhando após a aposentadoria é a realidade de muitos dos que adquirem o benefício por tempo de contribuição. “O valor da aposentadoria é baixo, de R$ 1,5 mil em média”.
É o caso do taxista Erinaldo Leite, aposentado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que segue em atividade aos 69 anos. “Só no táxi eu trabalhei durante 20 anos, mas não consegui fazer a contribuição como autônomo durante esse tempo. O resultado é que me aposentei há apenas dois anos”, relata. Ele diz que a renda da aposentadoria, em torno de R$ 1,4 mil, não é suficiente. “Pagar as contas é difícil, mesmo com o táxi. Só com o dinheiro do INSS, seria impossível.”
O sistema de previdência é um contrato social entre gerações: aqueles que trabalham hoje sustentam os que estão aposentados. Em 2010, havia cerca de seis pessoas entre 15 e 59 anos para cada cada idoso no Brasil. Em 2050, essa proporção cairá em um terço e as pessoas com mais de 60 anos constituirão um grupo de quase 70 milhões, segundo projeções do Ipea (ver gráfico).
A solução da Reforma Previdenciária, entretanto, não é ponto pacífico. Entidades sindicais, representadas pelo Dieese, questionam os pressupostos econômicos apresentados pelos defensores das mudanças na idade mínima da aposentadoria e no tempo de contribuição. “O envelhecimento da população não é um motivo inexorável para dificultar as aposentadorias. É preciso considerar as características e a dinâmica do mercado de trabalho”, defende Frederico Melo.
Para o especialista, formalizar relações de emprego, incluir mulheres e diminuir o desemprego são caminhos para aumentar o número de contribuintes. Melo também assegura que o tema deve ser pensado dentro das perspectivas da Seguridade Social, que inclui, ainda, saúde e assistência social. “A Constituição de 1988 estabeleceu outras fontes de recursos para a seguridade, a exemplo das contribuições sobre faturamento e lucros das empresas, importações e loterias”, pontua.
Na opinião de Nagamine, os efeitos de uma maior formalização são positivos, mas não resolvem o problema futuro. “Se incluirmos mais contribuintes, teremos também mais beneficiários”, pondera. Em defesa da reforma, o diretor de Previdência do Ipea argumenta que resolver o custo da previdência pela receita pode causar efeitos danosos para o crescimento econômico. “Usar recursos de toda a sociedade, que poderiam ir para saúde e assistência social, para pagar aposentadorias seria um retrocesso, já que faria os mais pobres pagarem mais”.
*Esta matéria faz parte do jornal Tribuna Parlamentar de outubro/2016. Confira a edição completa.