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PARECER
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 446/2015
AUTORIA: DEPUTADO JOEL DA HARPA
PROPOSIÇÃO QUE CONCEDE ANISTIA ÀS PENALIDADES ADMINISTRATIVAS IMPOSTAS AOS
POLICIAIS MILITARES E BOMBEIROS DO ESTADO DE PERNAMBUCO. MATÉRIA ABRANGIDA
PELO PRINCÍPIO DA RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO, CONSUBSTANCIADO NA ATRIBUIÇÃO
CONSTITUCIONAL CONFERIDA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO DE EXERCER A DIREÇÃO
SUPERIOR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 84, II, DA CF/88). MATÉRIA RESERVADA NO
ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL ESTADUAL À INICIATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO UMA
VEZ QUE TRATA DE REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES MILITARES (ART. 19, § 1º, IV,
DA CE/89). INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL PROPRIAMENTE DITA - VÍCIO DE
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL SUBJETIVO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO ÂMBITO DA
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, LEGISLAÇÃO E JUSTIÇA. PRECEDENTES DO STF. PARECER
PELA
REJEIÇÃO, POR VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e
emissão de parecer, Projeto de Lei Ordinária nº 446/2015, de autoria do
Deputado Joel da Harpa, que concede anistia às penalidades administrativas
impostas aos policiais militares e bombeiros militares do Estado de Pernambuco.
Em síntese, a proposição concede anistia a policiais militares e bombeiros em
face das punições disciplinares administrativas decorrentes da participação no
movimento reivindicatório ocorrido no período de 13 a 15 de maio de 2014. Além
disso, dispõe que o policial ou bombeiro excluído ou licenciado em razão
daquele fato deverá solicitar seu retorno à Corporação no prazo de 90 dias, sem
a percepção de remuneração retroativa. Por fim, determina o arquivamento dos
procedimentos de apuração instaurados, findos ou em andamento.
A proposição tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (Art.
223, III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art.
194, II, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
O projeto de lei em questão padece de vício de inconstitucionalidade na medida
em que viola o princípio constitucional da reserva de administração, segundo o
qual é vedada a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas
à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo, tendo em vista a
necessária separação dos poderes prevista no art. 2º da Constituição Federal e
a atribuição conferida ao Chefe do Poder Executivo para exercer a direção
superior da administração pública, nos termos do art. 84, II, da Carta Magna.
Em julgados recentes, tem se pronunciado o Supremo Tribunal Federal da seguinte
forma:
E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO
RECURSO DE AGRAVO - DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CONSEQÜENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA -
SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA - RECURSO DE
AGRAVO IMPROVIDO. - O princípio constitucional da reserva de administração
impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à
exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais
matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos
administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo,
ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação
de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham
sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas
atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada,
subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional
do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e
importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua
atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de
suas prerrogativas institucionais. (STF, 2ª T., RE nº 427574 ED/MG, rel. Min.
CELSO DE MELLO, pub. no DJe de 10/02/2012)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI Nº 2.645/98 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. "RUAS
DE VILA". RECONHECIMENTO COMO LOGRADOURO PÚBLICO. REPRESENTAÇÃO POR
INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES. ART. 7º DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO
RIO DE JANEIRO. ART. 2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Ao determinar drásticas
alterações na política urbanística do município, convertendo áreas particulares
em logradouros públicos e impondo ao Estado o dever de prestação de serviços
públicos nessas áreas, a incrementar a despesa sem indicar a contrapartida
orçamentária, usurpou o Legislativo municipal função administrativa atribuída
ao Poder Executivo local. 2. Recurso conhecido e improvido. (STF, 2ª T., RE nº
302803/RJ, rel. Min. ELLEN GRACIE, pub. no DJ de 25/02/2005)
Outrossim, a matéria versada no Projeto de Lei ora em análise encontra-se
reservada no ordenamento à iniciativa de lei privativa do Governador do Estado,
visto que relacionada ao regime jurídico dos militares estaduais (exercício do
poder disciplinar da Administração em face de suposto descumprimento de deveres
funcionais). Com efeito, dispõe o art. 19, § 1º, IV, da Constituição Estadual,
in verbis:
Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer
membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de
Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça e aos cidadãos,
nos casos e formas previstos nesta Constituição.
§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que
disponham sobre:
................................................................................
........
IV - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos
públicos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis, reforma e
transferência de integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar
para a inatividade;
Assim, por se tratar de inciativa privativa do Governador do Estado, a
proposição em questão incide em inconstitucionalidade formal subjetiva, por
afronta ao art. 19, § 1º, inciso IV, da Constituição Estadual.
Corroborando o entendimento exposto, o Supremo Tribunal Federal afirma a
iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo para extinguir punições
disciplinares aplicadas a servidores militares:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. LEI 10.076/96, DO ESTADO DE SANTA CATARINA.
ART. 1º. ABOLIÇÃO DOS EFEITOS DE SANÇÕES DISCIPLINARES APLICADAS A SERVIDORES
ESTADUAIS. REGIME JURÍDICO FUNCIONAL. MATÉRIA SUJEITA A RESERVA DE INICIATIVA
LEGISLATIVA. NORMAS DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA AOS ESTADOS-MEMBROS.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI DECORRENTE DE INICIATIVA PARLAMENTAR.
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA ADMINISTRATIVA. ART. 2º. DEFINIÇÃO DE CRIME DE
RESPONSABILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. SÚMULA 722/STF. 1. A ação
direta não comporta conhecimento quanto à alegada violação ao art. 169 da CF,
por ausência de dotação orçamentária e de compatibilidade com a lei de
diretrizes, porque a solução dessa questão exige o confronto com padrões
normativos estranhos ao texto constitucional, além da elucidação de fatos
controvertidos. Precedentes. 2. Segundo consistente jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, as Assembleias Legislativas Estaduais possuem competência
para deliberar sobre anistia administrativa de servidores estaduais. Contudo,
não cabe a essas Casas Legislativas iniciar a deliberação de processos
legislativos com esse objetivo, pois estão elas submetidas às normas
processuais de reserva de iniciativa inscritas na Constituição Federal, por
imposição do princípio da simetria. Precedentes. 3. Ao determinar a abolição
dos efeitos das sanções disciplinares aplicadas a servidores estaduais por
participação em movimentos reivindicatórios, o art. 1º da Lei 10.076/96 desfez
consequências jurídicas de atos administrativos praticados com base no regime
funcional dos servidores estaduais e, com isso, incursionou em domínio temático
cuja iniciativa de lei é reservada ao Chefe do Poder Executivo, nos termos do
art. 61, II, § 1º, c, da CF. 4. O sistema de repartição de poderes traçado na
Constituição Federal não admite que um ato de sancionamento disciplinar,
exercido dentro dos parâmetros de juridicidade contidos nos estatutos
funcionais civis e militares, venha a ser reformado por um juízo de mera
conveniência política emanado do Poder Legislativo. 5. É inconstitucional o
art. 2º da lei catarinense, porque estabeleceu conduta típica configuradora de
crime de responsabilidade, usurpando competência atribuída exclusivamente à
União pelos arts. 22, I, e 85, § único, da Constituição Federal, contrariando a
Súmula 722 do STF. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
(ADI 1440, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em
15/10/2014, DJe-218 DIVULG 05-11-2014 PUBLIC 06-11-2014 EMENT VOL-02756-01
PP-00001)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 9.293, DE 20 DE JUNHO DE
1.990, DO ESTADO DO PARANÁ. ANISTIA. INTEGRANTES DO MAGISTÉRIO E DEMAIS
SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DO PARANÁ. PUNIÇÃO DECORRENTE DE INTERRUPÇÃO DAS
ATIVIDADES PROFISSIONAIS. PARALISAÇÃO. PUNIÇÕES SEM EFEITOS DE 1º DE JANEIRO A
20 DE JUNHO DE 1.990. NÃO-CUMPRIMENTO DO PRECEITO. CRIME DE RESPONSABILIDADE.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 22,
INCISO I; 25, CAPUT; 61, § 1º, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AÇÃO
DIRETA JULGADA PROCEDENTE. 1. O ato normativo impugnado respeita a "anistia"
administrativa. A lei paranaense extingue punições administrativas às quais
foram submetidos servidores estaduais. 2. Lei estadual que concede "anistia"
administrativa a servidores públicos estaduais que interromperam suas
atividades --- paralisação da prestação de serviços públicos. 3. A
jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que cabe ao Chefe do Poder
Executivo deflagrar o processo legislativo referente a lei de criação de
cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou
aumento de sua remuneração, bem assim disponha sobre regime jurídico e
provimento de cargos dos servidores públicos. 4. Aplica-se aos Estados-membros
o disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil.
Precedentes. 5. Inviável o projeto de lei de iniciativa do Poder Legislativo
que disponha a propósito servidores públicos --- "anistia" administrativa,
nesta hipótese --- implicando aumento de despesas para o Poder Executivo. 6. Ao
Estado-membro não compete inovar na matéria de crimes de responsabilidade ---
artigo 22, inciso I, da Constituição do Brasil. Matéria de competência da
União. "São da competência legislativa da União a definição dos crimes de
responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e
julgamento" [Súmula 722]. 7. Ação direta julgada procedente, por maioria, para
declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 9.293/90 do Estado do Paraná.
(ADI 341, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2010,
DJe-105 DIVULG 10-06-2010 PUBLIC 11-06-2010 EMENT VOL-02405-01 PP-00001 RT v.
100, n. 904, 2011, p. 155-168)
Diante do exposto, opino pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, do
Projeto de Lei Ordinária nº 446/2015, de autoria do Deputado Joel da Harpa.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de
Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina
pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, do Projeto de Lei Ordinária
nº 446/2015, de autoria do Deputado Joel da Harpa.
Presidente: Raquel Lyra.
Relator: Aluísio Lessa.
Favoráveis os (5) deputados: Aluísio Lessa, Ângelo Ferreira, Antônio Moraes, Tony Gel, Zé Maurício.
Favoráveis com restrições os (0) deputados: .
Contrários os (0) deputados: .
Presidente | |
Raquel Lyra | |
Efetivos | Adalto Santos Ângelo Ferreira Ricardo Costa Rodrigo Novaes | Romário Dias Sílvio Costa Filho Teresa Leitão Tony Gel |
Suplentes | Antônio Moraes Aluísio Lessa Julio Cavalcanti Pastor Cleiton Collins Pedro Serafim Neto | Simone Santana Socorro Pimentel Waldemar Borges Zé Maurício |
Autor: Aluísio Lessa
Histórico
Sala da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, em 2 de fevereiro de 2016.
Aluísio Lessa
Deputado
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | Enviada p/Publicação |
Localização: | Publicação |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 03/02/2016 | D.P.L.: | 8 |
1ª Inserção na O.D.: |
Sessão Plenária | |||
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Result. 1ª Disc.: | Data: | ||
Result. 2ª Disc.: | Data: |
Resultado Final | |||
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Publicação Redação Final: | Página D.P.L.: | 0 | |
Inserção Redação Final na O.D.: | |||
Resultado Final: | Data: |
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