
Parecer 8237/2022
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 2799/2021
AUTORIA: DEPUTADO WILLIAM BRIGIDO
PROPOSIÇÃO QUE ALTERA A LEI Nº 11.751, DE 3 DE ABRIL DE 2000, QUE DISPÕE SOBRE A COMPOSIÇÃO ALIMENTAR DA MERENDA ESCOLAR DISTRIBUÍDA À REDE PÚBLICA DE ESCOLAS, NO ESTADO DE PERNAMBUCO, ORIGINADA DE PROJETO DE LEI DE AUTORIA DA DEPUTADA TERESA DUERE, A FIM DE PROIBIR A OFERTA DE “EMBUTIDOS, “ENLATADOS” E BEBIDAS ARTIFICIAIS, NA COMPOSIÇÃO DO CARDÁPIO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR, DA REDE PÚBLICA DE ENSINO, NO ÂMBITO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. MATÉRIA INSERTA NA ESFERA DE COMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA LEGISLAR SOBRE PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE; E PROTEÇÃO À INFÂNCIA E JUVENTUDE (ART. 24, INCISOS XII E XV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). COMPATIBILIDADE MATERIAL COM O TEXTO CONSTITUCIONAL (ART. 227). LEI FEDERAL Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ARTS. 4º E 7º). INGERÊNCIA SOBRE A LIBERDADE DE AÇÃO ADMINISTRATIVA DO PODER EXECUTIVO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO. PELA APROVAÇÃO NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO POR ESTE COLEGIADO.
1. RELATÓRIO
É submetido a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 2799/2021, de autoria do Deputado William Brigido, que visa proibir o uso de alimentos embutidos e enlatados, e de bebidas artificiais, na merenda escolar disponibilizada no âmbito do Estado de Pernambuco.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário, nos termos do art. 223, inciso III, do Regimento Interno.
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, conforme o art. 94, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas a sua apreciação.
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Sob o aspecto formal, o Projeto de Lei nº 2799/2021 insere-se na esfera de competência legislativa estadual para promover a saúde de crianças e adolescentes no âmbito das escolas públicas de Pernambuco, por meio da definição de critérios a serem observados na composição nutricional da merenda escolar. Com efeito, o art. 24, incisos XII e XV, da Constituição Federal preconiza que:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
[...]
XV - proteção à infância e à juventude;”
Consabidamente, estudos atuais sobre alimentação e saúde revelam os malefícios decorrentes da ingestão de alimentos embutidos, enlatados e de bebidas artificiais açucaradas, associando ao consumo destes o aumento do risco para o desenvolvimento de diversas patologias, tais quais diabetes, doenças coronarianas e obesidade.
Por certo, a alimentação exerce papel fundamental em todas as etapas da vida, no entanto, nos primeiros anos das crianças assume maior relevância, tornando-a fator decisivo para seu crescimento e desenvolvimento, em uma época em que são formados os hábitos alimentares.
No entanto, apesar de visar a saúde dos estudantes, nos moldes postos, a proposição revela-se inviável em razão do grau de ingerência sobre a liberdade de ação administrativa do Poder Executivo, restando caracterizada ofensa aos princípios da separação dos poderes e da reserva da administração (arts. 2º e 84, inciso II, da Constituição de 1988).
Ocorre que, no contexto apresentado, a proposta incorre em vício de inconstitucionalidade formal subjetiva por inobservância à competência do Chefe do Poder Executivo para deflagrar o respectivo processo legislativo (art. 19, § 1º, inciso VI, da Constituição Estadual). Nesse sentido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. LEI MUNICIPAL N. 10.729/2009. INICIATIVA a deflagração do processo legislativo por autoria parlamentar, uma vez que o objeto da proposição não se enquadra nas hipóteses de iniciativa privativa do Governador do Estado, constantes no art. 19, § 1º, da Constituição Estadual. PARLAMENTAR CRIA O PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DIFERENCIADA PARA CRIANÇAS DIABÉTICAS NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO. IMPOSIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PARA AGENTES E ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. ANÁLISE DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 280 DO STF.
1. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, lei municipal que, resultante de iniciativa parlamentar, imponha políticas de prestação de serviços públicos para órgãos da Administração Pública. (Precedentes: ADI n. 2.857, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Pleno, DJe de 30.11.07; ADI n. 2.730, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 28.5.10; ADI n. 2.329, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 25.6.10; ADI n. 2.417, Relator o Ministro Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 05.12.03; ADI n. 1.275, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Pleno, DJe de 08.06.10; RE n. 393.400, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 17.12.09; RE n. 573.526, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 07.12.11; RE n. 627.255, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 23.08.10, entre outros).
2. Ademais, para se chegar a conclusão contrária à adotada pelo Tribunal a quo, quando sub judice a controvérsia, seria necessária a análise da legislação infraconstitucional aplicável à espécie, o que encontra óbice na Súmula 280 desta Corte, verbis: por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário.
3. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da CF).
4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO QUE CRIA A OBRIGAÇÃO AO EXECUTIVO E A DESLOCAR PESSOAL PARA TANTO. INCONSTITUCIONALIDADE. Evidencia-se inconstitucionalidade, por vício formal de iniciativa, na Lei Municipal n. 10.729/2009, que criou o Programa de Alimentação Diferenciada para crianças diabéticas na rede municipal de ensino, inclusive em creches, com acompanhamento contínuo durante a vida escolar e, em casos excepcionais, fora da escola, através de um programa a ser elaborado e desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com equipe técnica composto por nutricionistas, pediatras, pedagogos e professores de educação física. A hipótese, configura indevida ingerência do Legislativo na competência exclusiva do Executivo Municipal com evidente impacto financeiro e na estrutura administrativa de pessoal do Poder Executivo, pelo que não há como mantê-la no mundo jurídico.”
5. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (RE 704.450/MG, Rel. Min. Luiz Fux, JULG-14/05/2014, DJe-094 DIVULG 16/05/2014 PUBLIC 19/05/2014)
Essa Comissão Técnica, inclusive, adotou intelecção semelhante por ocasião da análise do Projeto de Lei Ordinária nº 208/2019, em que se intentou impedir o uso de organismos geneticamente modificados (OGM) e de seus derivados na composição da merenda escolar. Naquela oportunidade, esta Comissão Técnica identificou igualmente vício de inconstitucionalidade decorrente de ofensa à reserva de iniciativa do Governador, inclusive pelo aumento de despesa que a medida ensejaria.
Com a finalidade de suprimir a inconstitucionalidade verificada e de atender, ao menos em parte, o intento legislativo contido na proposição em análise, é sugerido o seguinte Substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº /2022
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 2799/2021
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 2799/2021, de autoria do Deputado William Brigido.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 2799/2021 passa a ter a seguinte redação:
“Altera a Lei nº 11.751, de 3 de abril de 2000, que dispõe sobre a composição alimentar da merenda escolar distribuída à rede pública de escolas, no Estado de Pernambuco, originada de projeto de lei de autoria da Deputada Teresa Duere, a fim de estabelecer a previsão de inclusão na merenda escolar, preferencialmente, de alimentos in natura ou minimamente processados.
Art. 1º A Lei nº 11.751, de 3 de abril de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1º .........................................................................................................
......................................................................................................................
IX - a inclusão, preferencialmente, de alimentos que não contenham alto teor de açúcar em sua composição; (NR)
X - a inclusão, preferencialmente, de alimentos que não contenham alto teor de sódio em sua composição; e (NR)
XI - a inclusão, preferencialmente, de alimentos in natura ou minimamente processados.”(AC)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Ademais, sob o aspecto material, é relevante ressaltar que a Constituição Federal institui como dever da família, da sociedade e do Estado, em seu art. 227, assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação e à dignidade. Logo, o oferecimento de uma merenda equilibrada, com a composição adequada de nutrientes, é, indubitavelmente, uma forma de concretização dos direitos por ela enunciados.
O papel da oferta da merenda em âmbito escolar transcende o mero atendimento à uma necessidade fisiológica, configurando um elemento pedagógico. A alimentação saudável nas escolas caracteriza, sobretudo, uma importante ação de educação alimentar e nutricional, capaz de orientar a sociedade para um consumo mais consciente, responsável e comprometido com a saúde e o bem-estar, além de outras questões.
Em consonância com o Texto Constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990) impõe igualmente:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
[...]
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Diante do exposto, opino pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 2799/2021, de autoria do Deputado William Brigido, nos termos do Substitutivo acima apresentado.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo Relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 2799/2021, de autoria do Deputado William Brigido, na forma do Substitutivo apresentado por este Colegiado.
Histórico