
Parecer 7464/2021
Texto Completo
Comissão de Administração Pública
Projeto de Lei Ordinária Nº 2307/2021
Autor: Deputado Clodoaldo Magalhães
EMENTA: PROPOSIÇÃO QUE ALTERA A LEI Nº 13.462, DE 9 DE JUNHO DE 2008, QUE DISPÕE SOBRE CRITÉRIOS PARA A CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PARA EXECUÇÃO DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO ESTADO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS, A FIM DE INCLUIR A VEDAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA EM QUE HAJA TRABALHADORES CONDENADOS PELA PRÁTICA DE HOMOFOBIA E TRANSFOBIA. NO MÉRITO, PELA APROVAÇÃO NOS TERMOS DO SUSBTITUTIVO PROPOSTO POR ESTA COMISSÃO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
1. Relatório
Vem a esta Comissão de Administração Pública, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária No 2307/2021, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães.
O Projeto de Lei tem por finalidade alterar a Lei nº 13.462, de 9 de junho de 2008, que dispõe sobre critérios para a contratação de empresas para execução de serviços terceirizados com a Administração Pública do Estado, e dá outras providências, a fim de incluir a vedação da utilização de mão de obra em que haja trabalhadores condenados pela prática de homofobia e transfobia.
A proposição foi apreciada e aprovada na Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, a quem compete analisar a constitucionalidade e a legalidade da matéria. Cabe agora a este colegiado discutir o mérito da demanda.
2. Parecer do Relator
2.1. Análise da Matéria
O presente projeto pretende proibir que, nos quadros de pessoal de pessoas jurídicas que prestem serviços à administração pública, haja pessoas criminalmente condenadas por condutas desrespeitosas para com homossexuais ou transexuais. Dessa forma, insere-se novo dispositivo no contexto da Lei nº 13.462/2008, que dispõe sobre critérios para a contratação de empresas para execução de serviços terceirizados com a Administração Pública do Estado.
Segundo a redação do artigo 4ª-A da referida lei, tais empresas (pessoas jurídicas que prestam serviços à administração pública) não devem contratar trabalhadores com condenação penal transitada em julgado relativa a crimes previstos na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.74/2003), de preconceito de raça ou de cor (Lei nº 7.716/1989), ou praticados contra pessoas com deficiência física ou mental.
Frise-se, contudo, que tal dispositivo é de constitucionalidade bastante duvidosa, restando-nos elencar as diversas razões pelas quais deveria ser extirpado do ordenamento jurídico estadual. A demonstração de sua ilegitimidade se faz necessária, uma vez que o projeto em análise pretende somar-lhe mais um caso de impedimento, qual seja, o relacionado aos condenados por condutas desrespeitosas para com homossexuais e transexuais. Em outras palavras, mostra-se incorreto alargar a abrangência de uma regra cuja redação atual já se mostra eivada de notória antijuridicidade.
Um dos princípios mais basilares do direito brasileiro é o do no bis in idem, também conhecido como vedação da dupla incriminação, segundo o qual uma pessoa não pode ser processada, julgada e condenada mais de uma vez pela mesma conduta. Sendo a regra tão importante, o Brasil é signatário de duas convenções internacionais que a estabelecem explicitamente: a Convenção Americana Sobre Direitos Humano de 1969 e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966.
O princípio do no bis in idem é uma autêntica forma de proteção ao cidadão contra perseguições políticas desarrazoadas. Embora seja verdade que o Estado detenha o jus puniendi, isto é, o poder de punir as condutas consideradas criminosas, não pode se valer dessa prerrogativa para assediar o mesmo cidadão sucessivas vezes pelo mesmo fato. A proibição da dupla incriminação serve então como uma genuína salvaguarda do indivíduo contra o poder estatal.
É evidente que o condenado criminalmente deve arcar com as consequências de seu ato delituoso, mas estas já estão previstas entre os artigos 91 e 92 do Código Penal. Enfatize-se que compete privativamente à União legislar sobre direito penal, sendo os efeitos da pena uma matéria a ser regulamentada na esfera nacional, sendo inconstitucionais normas estaduais que invadam esse tema.
Sendo assim, uma lei estadual que proíbe um ex presidiário de trabalhar dignamente não é outra coisa senão um grave atentado ao princípio do no bis in idem, uma vez que, além de suportar os naturais efeitos da condenação, o indivíduo será estigmatizado como um trabalhador de segunda linha, uma vez que não poderá ter acesso a determinados cargos.
Importante frisar que, como explica o Doutor em Direito Penal Fernando Neisser, há um único direito de punir do Estado, sendo que, embora possa ser utilizado sob vários rótulos na legislação, refere-se à mesma substância. Assim sendo, o princípio da proibição do múltiplo sancionamento inclui não apenas a dupla imputação penal, mas também sanções de outras áreas, tais como as administrativas.
Torna-se claro então que o artigo 4º-A da Lei nº 13.462/2008 padece de grave vício de inconstitucionalidade, pois tem o objetivo central de punir o cidadão com base em um fato que já foi juridicamente julgado e já produziu suas devidas consequências.
Além de manifestamente antijurídico, é preciso pontuar também que o dispositivo é uma fonte clara de produção de preconceito e intolerância. A possibilidade de vender sua força de trabalho a assim conseguir se sustentar é inerente à condição de ser humano. Restringir tal direito é o mesmo que afirmar que alguns indivíduos não são plenamente humanos e, por isso, não devem ter a chance de ocupar alguns cargos.
Ocorre que, no afã de proteger alguns segmentos sociais, não é raro que surjam notórios exageros, como o percebido no presente projeto. O ativismo de determinados grupos militantes não pode ser permitido a ponto de gerar um clima de intolerância e desrespeito na sociedade.
É preciso ter em mente que ex-presidiários costumam sofrer diversos tipos de preconceitos no seu processo de reinserção social. Na procura de empregos, seu histórico criminal repercute negativamente em suas possibilidades de sucesso. Restringir suas chances de contratação não terá outro efeito senão o de motivar sua desistência ou mesmo o retorno à vida criminosa.
A falta de senso de proporção existente no artigo 4º-A da Lei nº 13.462/2008 é notória quando se analisa os crimes que justificam a não contratação do condenado. Enquanto aquele que comete homicídio tem amplo acesso jurídico a todo tipo de emprego, aquele que furta um bem de um deficiente, ainda que não saiba de sua condição, não pode ser contratado por empresas que prestem serviços a instituições públicas.
Contudo, como foge ao escopo do presente parecer revogar o art. 4º-A da Lei nº 13.462/2008 em sua integralidade, julga-se apropriado apresentar Substitutivo ao Projeto de Lei Ordinária Nº 2307/2021 para minimizar os efeitos deletérios produzidos pelo dito dispositivo, nos seguintes termos:
SUBSTITUTIVO Nº __/2021 AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 2307/2021
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 2307/2021, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 2307/2021 passa a ter a seguinte redação:
“Altera a Lei nº 13.462, de 9 de junho de 2008, que dispõe sobre critérios para a contratação de empresas para execução de serviços terceirizados com a Administração Pública do Estado, e dá outras providências, a fim de incluir a vedação da utilização de mão de obra em que haja trabalhadores condenados pela prática de homofobia e transfobia.
Art. 1º A Lei nº 13.462, de 69 de junho de 2008, passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 4º-A. ........................................................................................................
..........................................................................................................................
§ 1º A prática de condutas homofóbicas ou transfóbicas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero do indivíduo, deve ser enquadrada na hipótese prevista no inciso V deste artigo. (AC)
§ 2º A vedação de que trata este artigo não será aplicada quando houver suspensão do cumprimento da pena. (AC)’
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
2.2. Voto do Relator
Pelas razões expostas neste Parecer, esta relatoria entende que o Projeto de Lei Ordinária Nº 2307/2021, está em condições de ser aprovado por este colegiado técnico nos termos do Substitutivo ora proposto, uma vez que as alterações promovidas minimizam os impactos negativos gerados pela atual redação do art. 4º-A da Lei nº 13.462/2008 para a sociedade pernambucana.
3. Conclusão da Comissão
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, opinamos no sentido de que seja aprovado o Projeto de Lei Ordinária No 2307/2021, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães, nos termos do Substitutivo apresentado por esta Comissão de Administração Pública.
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