
Parecer 5700/2021
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1867/2021
AUTORIA: DEPUTADA LAURA GOMES
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A INCLUSÃO, REPARAÇÃO, RESPEITO AO USO DO NOME SOCIAL EM CONSONÂNCIA À IDENTIDADE DE GÊNERO DE PESSOAS TRAVESTIS, MULHERES TRANSEXUAIS, HOMENS TRANSEXUAIS E DEMAIS PESSOAS QUE TEM SUA IDENTIDADE DE GÊNERO DIFERENTE DA QUE LHE FOI ATRIBUÍDA AO SEU NASCIMENTO NAS CERTIDÕES DE ÓBITO, LÁPIDES, JAZIGOS E OUTROS DOCUMENTOS. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA REMANESCENTE (ART. 25, §1º, CF/88). GARANTIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, IV, CF/88). CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE LIVRE, JUSTA E SOLIDÁRIA. ERRADICAÇÃO DA MARGINALIZAÇÃO. PROMOÇÃO DO BEM DE TODOS (ART. 3º, I, III e IV, CF/88). COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE REGISTROS PÚBLICOS (ART. 22, XXV, CF/88). PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO DESTE COLEGIADO.
1. RELATÓRIO
É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça o Projeto de Lei Ordinária nº 1867/2021, de autoria da Deputada Laura Gomes, que visa assegurar o reconhecimento do nome social, em consonância com a identidade de gênero de pessoas travestis, transexuais, nas certidões de óbito, lápides, jazigos e em toda documentação relacionada ao óbito.
O Projeto de Lei em análise tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário, conforme inciso III, do art. 223, do Regimento Interno.
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 94, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
A Proposição tem como base o art. 19, caput, da Constituição Estadual, e o art. 194, I, do Regimento Interno desta Casa, uma vez que o Deputado Estadual detém competência legislativa para apresentar projeto de lei ordinária.
Do ponto de vista da iniciativa, não existe óbice para a deflagração do processo legislativo pela via parlamentar, uma vez que o objeto do Projeto de Lei em comento não se enquadra nas hipóteses de iniciativa privativa do Governador do Estado constantes no art. 19, § 1º, da Constituição Estadual.
A proposição é certamente valiosa, pois lança luz sobre um problema, infelizmente, ainda muito presente em nosso cotidiano, qual seja: o preconceito, a discriminação e a falta de respeito à identidade de gênero da pessoa transexual e dos travestis.
Não há como discordar que a proposição é condizente com o dever do Estado de adotar medidas para resguardar todos os direitos individuais, inclusive os direitos de personalidade, pois a Constituição Federal, seu art. 3º, incisos I e IV, respectivamente, estabelece como objetivos de nossa República Federativa a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, bem como, em seu art. 1º, incisos II e III, estabelece como fundamento de nossa República Federativa a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, merece registro que vários atos normativos já admitem o uso do nome social em alguns tipos de documentos e em registros da administração pública, tais como:
Resolução nº 5, de 7 de junho de 2016, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que assegura a inclusão do nome social no cadastro nacional e na carteira de identidade dos advogados;
Resolução nº 270, de 11 de dezembro de 2018, que dispõe sobre o uso do nome social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros;
Resolução nº 23.562, de 22 de março de 2018, do Tribunal Superior Eleitoral, que permite a inclusão do nome social para fins de alistamento eleitoral e emissão do título de eleitor.
Em Pernambuco, Decreto nº 35.051, de 25 de maio de 2010, que dispõe sobre a inclusão e uso do nome social de travestis e transexuais nos registros estaduais relativos a serviços públicos prestados no âmbito da administração pública estadual direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências.
Frise-se, ainda, que não há vedação, implícita ou explícita, para que o Estado-membro legisle sobre o assunto ora em discussão, surgindo assim a competência remanescente dos Estados, positivada através do art. 25, § 1º da Constituição Federal.
Nesse contexto entende-se que a proposição ora em análise, ao robustecer os mecanismos legislativos de combate às causas de discriminação, coaduna-se com as disposições constitucionais acima expostas.
Todavia, no que tange ao uso do nome social do indivíduo no bojo da certidão de óbito, nota-se que há uma ingerência em matéria relativa a registros públicos, tema este que é de competência legislativa privativa da União, conforme art. 22, XXV, da Carta Magna.
Nesse contexto, a Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, preceitua:
Art. 80. O assento de óbito deverá conter:
1º) a hora, se possível, dia, mês e ano do falecimento;
2º) o lugar do falecimento, com indicação precisa;
3º) o prenome, nome, sexo, idade, cor, estado, profissão, naturalidade, domicílio e residência do morto;
A partir da leitura do dispositivo supra citado, depreende-se que é obrigatória a presença do prenome e nome civil do falecido, nome este que consta no registro de nascimento, segundo leciona Pontes de Miranda:
A imposição do prenome (impositio nominis) só se opera com o registro do nascimento. Quaisquer outros prenomes, que se tenha usado, ou em participações de nascimento, ou matrículas em escolas, ou passaportes, ou (irregulares) carteiras de identidade, não entram no mundo jurídico e nenhuma eficácia têm. (MIRANDA, 2000).
Portanto, não há como legislação estadual dispor de forma distinta, tornando obrigatória a inclusão do nome social na certidão de óbito de transexuais, travestis e demais pessoas que têm sua identidade de gênero diferente da que lhe foi atribuída quando do seu nascimento, haja vista que se imiscuiria na competência privativa da União, incorrendo o projeto de lei em vício de inconstitucionalidade formal orgânica.
Além disso, imprescindível mencionar a novel Lei Estadual nº 17.268, de 21 de maio de 2021, que trata justamente sobre o uso do nome social de transexuais e travestis nas relações mantidas com órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta e instituições privadas de educação, saúde, cultura e lazer no âmbito do Estado de Pernambuco. Assim sendo, a matéria objeto do presente Projeto de Lei, por guardar estrita correlação com a matéria do diploma legal supracitado, deve ser incluída na legislação já existente.
Desse modo, faz-se necessária a apresentação de Substitutivo, nos termos do art. 208, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, com o fito de adequar a proposição às normas constitucionais:
SUBSTITUTIVO Nº ________/2021
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1867/2021
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1867/2021, de autoria da Deputada Laura Gomes.
Artigo Único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1867/2021 passa a ter a seguinte redação:
“Altera a Lei nº 17.268, de 21 de maio de 2021, que dispõe sobre o uso do nome social de transexuais e travestis nas relações mantidas com órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta e instituições privadas de educação, saúde, cultura e lazer no âmbito do Estado de Pernambuco, originada de Projeto de lei de autoria da Deputada Juntas, a fim de dispor sobre o reconhecimento do nome social nas lápides e jazigos, em consonância à identidade de gênero de pessoas travestis, transexuais e demais pessoas que têm sua identidade de gênero diferente da que lhe foi atribuída quando do seu nascimento.”
Art. 1º A Lei nº 17.268, de 21 de maio de 2021, que dispõe sobre o uso do nome social de transexuais e travestis nas relações mantidas com órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta e instituições privadas de educação, saúde, cultura e lazer no âmbito do Estado de Pernambuco, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“ Art. 5º-A É assegurado o reconhecimento do nome social de pessoas travestis, transexuais e demais pessoas que tem sua identidade de gênero diferente da que lhe foi atribuída em seu nascimento, nas lápides e jazigos. (AC)
§ 1º Os órgãos e as entidades da administração pública estadual direta e indireta, no âmbito de suas atribuições, em seus atos e procedimentos de sepultura, cremação, tanatopraxia e quaisquer atos relacionados, devem adotar, se houver, o nome social das pessoas de que trata o caput deste artigo. (AC)
§ 2º Nas lápides e nos jazigos poderá constar apenas o nome social, ou este acompanhado do nome civil, a critério da família do de cujus. (AC)
§ 3º A emissão de documentos de identificação e registro civil, e demais Registros Públicos, observará a legislação federal aplicável. (AC)
§ 4º Fica assegurado às famílias das pessoas de que trata o caput deste artigo, já falecidas em datas anteriores à vigência desta Lei o direito à inclusão do nome social nas lápides de seus túmulos e jazigos. (AC)
§ 5º Durante as cerimônias de velório e no sepultamento ou cremação, fica assegurado, além do respeito ao nome social, o respeito à aparência pessoal e às vestimentas utilizadas pela pessoa trans ou travesti ao final de sua vida. (AC)”
Art. 2º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação oficial.”
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1867/2021, de autoria da Deputada Laura Gomes, conforme Substitutivo acima apresentado.
É o parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1867/2021, de autoria da Deputada Laura Gomes, nos termos do Substitutivo deste Colegiado.
Histórico