Brasão da Alepe

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 1185/2020

Altera a Lei nº 16.559, de 15 de janeiro de 2019, que Institui o Código Estadual de Defesa do Consumidor de Pernambuco, de autoria do Deputado Rodrigo Novaes, a fim de incluir dispositivos de segurança aos consumidores de plataformas de intermediação de negócios entre consumidores e entregadores.

Texto Completo

          Art. 1º A Lei nº 16.559, de 15 de janeiro de 2019, passa a contar com o seguinte acréscimo:

     Art. 18. ....................................................................................................................

“Parágrafo único. A exceção de que trata o caput não exime os fornecedores da responsabilidade pelos riscos à saúde ou segurança dos consumidores.” (AC)

          Art. 2º A Lei nº 16.559, de 15 de janeiro de 2019, passa a contar com os seguintes acréscimos:

“Art. 39-A. As empresas que operem, no Estado de Pernambuco, oferecendo serviço de intermediação negócios com entrega rápida, por meio de aplicativos que sirvam de plataformas digitais, devem manter, sem custo para os usuários que fazem entregas, como motoboys e bikeboys, seguro contra acidentes pessoais, com cobertura de despesas médicas, hospitalares e odontológica, contra invalidez temporária e permanente e morte acidental, bem como, seguro contra furto e roubo dos equipamentos dos entregadores, durante o período de utilização da sua plataforma. (AC)

§ 1º O período de utilização do aplicativo compreende o momento em que o usuário do sistema ativar o recebimento de pedidos até: (AC)

I – 1 (uma) hora após encerrar o aplicativo, no caso dos motoboys; (AC)

II – 2 (duas) horas após encerrar o aplicativo, no caso dos bikeboys. (AC)

§ 2º O atendimento aos sinistros devem ser desburocratizados, cobrindo, de imediato as despesas médico-hospitalares decorrentes de acidentes durante a utilização do serviço. (AC)

§ 3º Quando o usuário estiver ativo em mais de um aplicativo, simultaneamente, será responsável pelo seguro, a plataforma utilizada na última entrega do usuário, ainda que em dias anteriores. Caso seja o sinistro ocorra na primeira viagem do usuário de plataformas simultâneas, fica facultado ao usuário acionar qualquer uma delas. (AC)

§ 4º O seguro de que trata o caput, tem caráter personalíssimo e protege apenas o usuário do cadastro do aplicativo e os envolvidos no evento do sinistro. (AC)

§ 5º O motoboy ou bikeboy, vinculado ao serviço de que trata o caput, por meio de CNPJ, diante de sua vulnerabilidade e dependência das plataformas digitais, é consumidor por equiparação para todos os efeitos desta Lei. (AC)

§ 6º Será considerada nula toda cláusula contratual no cadastro de entregadores bikeboys e motoboys que violar o Código de Defesa do Consumidor, especialmente as que: (AC)

I – exonere ou atenue a responsabilidade da operadora da plataforma de serviços quanto aos riscos de vida, saúde, segurança e proteção dos bens disponibilizados pelo usuário para o exercício da atividade de entrega, como o aparelho telefônico e o meio de transporte; (AC)

II – que afastem a responsabilidade objetiva e solidária da operadora por danos causados aos entregadores em virtude da utilização do serviço; (AC)

III – que exigir dos usuários vantagem manifestamente excessiva; (AC)

IV - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do usuário; (AC)

V - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o usuário em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; (AC)

VI - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; (AC)

VII - restrinjam direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; (AC)

VIII – tornem o contrato excessivamente oneroso para o entregador, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso; (AC)

IX – limitem, por qualquer motivo, a aplicação da legislação consumerista de âmbito Federal ou Estadual. (AC)

§ 7º As operadoras de plataformas digitais de intermediação de negócios deverão informar, anualmente, em novembro, à Comissão Permanente de Saúde e Assistência Social, da Assembleia Legislativa de Pernambuco a quantidade de acidentes envolvendo os entregadores usuários das suas plataformas digitais para apuração dos dados e adoção de políticas protetivas aos consumidores deste serviço. (AC)

§ 8º O descumprimento ao disposto neste artigo sujeitará o infrator à penalidade de multa prevista no art. 180, nas Faixas Pecuniárias A, B ou C, sem prejuízo da aplicação cumulativa de outras sanções previstas neste Código.” (AC)    

         Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

Autor: Isaltino Nascimento

Justificativa

De acordo com o cadastro das empresas do ramo de delivery por meio de aplicativos, a principal atividade dos seus serviços é a intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto os imobiliários.

Consoante essa tese, os serviços de entrega por aplicativos eletrônicos se valem do Código Civil brasileiro para afastar a responsabilidade juslaborativa face aos entregadores cadastrados em sua plataforma, que se valem de bicicletas ou ciclomotores para a consecução da atividade.

Ocorre que, diante da inexistência de uma lei reguladora, observa-se um acúmulo de consequências nefastas contra a pessoa que se dispõe a realizar entregas por meio desses aplicativos utilizando suas bicicletas e motocicletas e é preocupante a situação de vulnerabilidade em que se encontram esses entregadores no bojo da avença com as plataformas.

São pessoas que costumam trabalhar cerca de 12 horas diárias para obter uma renda pífia no final de 30 dias consecutivos de serviço, sem nenhuma garantia ou proteção legislativa, sem estar albergado pela seguridade social e enfrentando a seu próprio custo e risco, os perigos da atividade.

A justiça brasileira, por seu turno, encontra dificuldade em criar analogias com as relações de emprego segundo a Consolidação das Leis do Trabalho, por, de fato, haver inconsistências conceituais com esse modelo de contratação, deixando uma crescente massa de trabalhadores desamparados de tutela legal e jurisdicional.

Entretanto, cumpre observar que o enquadramento legal desse modelo de negócio não é, de todo, estranho à legislação pátria. Tanto que há previsão desse tipo de atividade na Receita Federal, indicando como código e atividade principal o nº 74.90-1-04 - Atividades de intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários , tendo como atividades secundárias os códigos e atividades seguintes:

62.02-3-00 - Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis;

62.09-1-00 - Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação;

70.20-4-00 - Atividades de consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica;

73.19-0-04 - Consultoria em publicidade;

63.19-4-00 - Portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet;

46.43-5-02 - Comércio atacadista de bolsas, malas e artigos de viagem;

46.86-9-02 - Comércio atacadista de embalagens.

Por outro lado, é comum na jurisprudência recente, perceber uma linha de defesa em lides juslaborativas, onde empresas, como a Uber Eats, Rappi, James, Ifood, entre outras, alegam tratar-se de um serviço de intermediação de negócios, não havendo, destarte, relação de vínculo empregatício, já que o entregador não cumpre horários fixos, tem a liberdade de escolher seu roteiro e aceitar ou negar, com liberdade, as demandas geradas pelo aplicativo, além de poderem vincular-se simultaneamente à várias plataformas distintas durante o período de atividade laboral.

Nesse mister, é válido ressaltar que, assiste certa razão à alegação de que essas empresas são fornecedoras de um serviço, sendo muito pertinente ressaltar que o contrato por elas celebrado, para a prestação deste serviço, possui um caráter multilateral.

Para destrinchar esse contexto, é preciso validar alguns aspectos conceituais e designativos, quais sejam:

a) plataforma digital: trata-se do software ou aplicativo que serve de interface entre as operações de tomada e prestação de um serviço;

b) usuário: pessoa física ou jurídica envolvida num negócio jurídico realizado por meio de uma plataforma digital;

c) fornecedor: é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

d) serviço: é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

e) consumidor: é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final ou a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

f) usuário-demandante: aquele que compra através da plataforma digital da fornecedora do serviço.

g) empresa parceira: empresas, clientes da fornecedora, que oferecem seus produtos por meio da plataforma, aos usuários-demandantes.

h) usuário-entregador: o cliente que se cadastra e é admitido na plataforma para usufruir do serviço prestado pela fornecedora, que oferta demandas de entrega ao entregador, dando-lhe acesso aos pedidos de busca e entrega das mercadorias, partindo da empresa-parceira até o usuário-demandante, sendo remunerado pela fornecedora do serviço.

Analisando, pois, a relação havida entre os atores neste modelo de negócio, é possível identificar as relações obrigacionais dentro desse contrato multilateral.

O usuário-demandante, cliente que se utiliza da plataforma digital para contratar o serviço de conveniência, compra, por intermédio da fornecedora, produtos oferecidos por empresas-parceiras, previamente, cadastradas na plataforma da fornecedora, e, simultaneamente, contrata o serviço de entrega no mesmo ato. A plataforma da fornecedora, então, repassa essa demanda a um dos seus usuários-entregadores, vinculados e admitidos por ela, no momento em que estiverem utilizando o serviço da plataforma digital que lhes é disponibilizado.

Note-se que o serviço de entrega é a condição sine qua non para o sucesso desse

modelo de negócio. Sem o serviço de entrega rápida, não haveria qualquer razão de ser para o desenvolvimento da atividade da plataforma da fornecedora.

Eis a razão da necessidade fundante das fornecedoras, donas das plataformas, precisarem oferecer os seus serviços para os entregadores, que por seu turno, encontram certa vantagem em fazer parte de um sistema que tem o poder de concentrar operações de entrega de várias empresas-parceiras.

Ainda assim, trata-se de um serviço de disponibilidade de demanda aos entregadores oferecido pela fornecedora da plataforma, que não à toa, é a responsável pela remuneração dos entregadores. Afinal, na hipótese de um usuário-demandante receber, devidamente, a mercadoria e não pagar pelo serviço, a plataforma é quem deve responder pelo prejuízo do entregador, que cumpriu corretamente sua obrigação no contrato e isso denota, inequivocamente,  que a relação havida entre o entregador e a fornecedora, se não pode ser trabalhista, é de consumo.

Quanto as vinculações obrigacionais, cumpre dizer, que a obrigação do usuário-demandante é pagar o valor do seu pedido e a taxa de entrega, que pode ser paga via aplicativo à fornecedora para que esta faça o repasse do valor à empresa parceira, ou à sua empresa parceira, diretamente, e esta paga o valor da tarifa do serviço à fornecedora.

Do outro lado estão mais dois outros clientes: as empresas-parceiras, tais como lanchonetes, restaurantes, postos de conveniência, supermercados, farmácias, lojas, escritórios, etc, contratam a fornecedora pagando-lhe uma tarifa para constar em seu catálogo de opções para o usuário-demandante e terem veiculadas suas ofertas na plataforma digital da fornecedora, bem como para estarem habilitados a serem atendidos pelos usuários-entregadores; e

O terceiro cliente é o usuário-entregador, que é instado pelo aplicativo, segundo critérios definidos pela plataforma digital da fornecedora, a prestar a mão-de-obra fundamental, e assim, ir buscar os produtos e realizar a entrega no endereço do usuário-demandante, em troca de uma remuneração proporcional ao tempo e distância percorrida entre a coleta dos produtos e a entrega ao destinatário final, isto é, o usuário-demandante.

A fornecedora então funciona como uma controladora do serviço, sendo remunerada em todas as etapas por cada um dos seus clientes. O usuário-consumidor paga uma tarifa embutida ou não pela conveniência; a empresa-parceira paga um valor fixo ou percentual ou os dois por cada operação realizada, por meio da plataforma digital, pelo serviço prestado pela fornecedora, e o motoboy ou bikeboy recebe um percentual irrisório da operação, oferecendo em contrapartida seu próprio material de trabalho, (sua bicicleta, ou moto e aparelho celular com plano de dados móveis) que são adquiridos, mantidos e segurados por sua conta e risco, sem qualquer vínculo empregatício, sem ônus para a fornecedora.

A fornecedora, ainda, mantém um rígido controle de qualidade e de confiabilidade, de seus serviços, classificando os entregadores e empresas-parceiras de acordo com a opinião dos usuários-demandantes da plataforma, inclusive prevendo a punição de exclusão, isto é, extinção unilateral da avença, sem previsão de

indenização por quebra do contrato, segundo critérios objetivos, por vezes, sem mencionar o direito ao contraditório ou à ampla defesa.

Ademais, a fornecedora, controladora da plataforma, é a única detentora do direito de determinar e formular as cláusulas de seus contratos, que são todos de adesão, e neles, via de regra, se desobrigam de qualquer responsabilidade por eventos danosos aos seus clientes.

Atente-se aqui ao fato de que por evento danoso ao cliente, em espécie, o que está posto, são multas, acidentes, invalidez temporária ou permanente, morte, furto ou roubo dos seus materiais de trabalho, inclusive a maleta que é disponibilizada ao entregador por meio de comodato.

E esses contratos vão além. Neles, em regra, fica estabelecido que o entregador precisa estar cadastrado no INSS como autônomo, por suas expensas, ou requer que se cadastrem como Microempreendedores Individuais, para desonerar-se de suas responsabilidades, e ainda, indica que trata-se de um contrato regido pelo Direito Civil e imputa responsabilidade ao entregador por qualquer condenação judicial que venha a sofrer em decorrência de algum vício na entrega.

Algumas tentam maquiar sua função de prestadora de serviços indicando, serem apenas “ uma plataforma tecnológica que possibilita a colaboração entre os que desempenham atividades relacionadas ao serviço de entrega rápida” , e que assim, a atividade e quaisquer perdas, prejuízos ou danos decorrentes ou relativas a tal atividade, são de responsabilidade exclusiva dos entregadores.

A relação de consumo encontra clareza de compreensão por parte do usuário que demanda pela plataforma os pedidos de entrega por razão de conveniência, mas nem sempre é visto do mesmo modo quanto aos entregadores.

No entanto, é imperioso destacar que o entregador também é usuário de um serviço oferecido pela plataforma digital da fornecedora, portanto, é cliente digno da proteção da legislação consumerista vigente e todas as suas repercussões, e dentre elas, está a autorização para os estados legislarem, ampliando seu alcance, protegendo os consumidores, partes mais vulneráveis da relação.

Diante disso, levantam-se as questões de direito aplicáveis aos contratos trazidos a lume .

priori, e para afastar de vez qualquer interpretação que disponha sobra a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação apresentada, cumpre destacar que a definição de consumidor está consagrada no ordenamento jurídico brasileiro como aquele que conjuga três elementos básicos: o elemento subjetivo, o elemento objetivo e o elemento teleológico, como ensina Leonardo de Medeiros Garcia em seu Código de Defesa do Consumidor Comentado:

“O primeiro deles é o subjetivo, (pessoa física ou jurídica), o segundo é o objetivo (aquisição ou utilização de produtos ou serviços) e o terceiro e último é o teleológico (a finalidade pretendida com a aquisição de produto ou serviço) caracterizado pela expressão destinatário final. Interessante observar que não é consumidor apenas quem adquire,

mas também quem utiliza (por exemplo, um familiar do adquirente ou quem ganhou de presente um produto).”

(Fonte: GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor Comentado - Artigo por Artigo. 13 ed. Salvador: Juspodium, 2017, p. 27)

Com efeito é o que diz o Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 2º:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo

Destinatário final, por seu turno, é, segundo a doutrina de Segundo Sergio Cavalieri que apresenta como características: ser o destinatário fático do produto ou serviço; adquirir o produto ou serviço com fins de suprir necessidade própria, de sua família ou de algum subordinado; a utilização do produto fora da cadeia de produção, salvo no caso de pequenas empresas e profissionais, onde esteja em evidencia a sua vulnerabilidade; e estar vulnerável em sentido amplo, nos casos que exista vulnerabilidade técnica, psíquica, jurídica ou cientifica e fática ou econômica.

(Fonte: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.)

É assim que entendem as instâncias superiores da jurisprudência brasileira, como se pode observar do voto da Ministra Nancy Andrighi no REsp. 476428/SC, que se transcreve, in verbis:

“Para se caracterizar o consumidor, portanto, não basta ser, o adquirente ou utente, destinatário final fático do bem ou serviço: deve ser também o seu destinatário final econômico, isto é, a utilização deve romper a atividade econômica para o atendimento de necessidade privada, pessoal, não podendo ser reutilizado, o bem ou serviço, no processo produtivo, ainda que de forma indireta. Nesse prisma, a expressão "destinatário final" não compreenderia a pessoa jurídica empresária. Por outro lado, a jurisprudência deste STJ , ao mesmo tempo que consagra o conceito finalista, reconhece a necessidade de mitigação do critério para atender situações em que a vulnerabilidade se encontra demonstrada no caso concreto. Isso ocorre, todavia, porque a relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus polos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro . Porque é essência do Código o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado, principio-motor da política nacional das relações de consumo (art. 4º, I). Em relação a esse componente informador do subsistema das relações de consumo, inclusive, não se pode olvidar que a vulnerabilidade não se define tão somente pela

capacidade econômica, nível de informação, cultura ou valor do contrato em exame. Todos esses elementos podem estar presentes e o comprador ainda ser vulnerável pela dependência do produto ; pela natureza adesiva do contrato imposto ; pelo monopólio da produção do bem ou sua qualidade insuperável ; pela extremada necessidade do bem ou serviço; pelas exigências da modernidade atinentes à atividade , dentre outros fatores . Por isso mesmo, ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de , em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor , para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores empresários em que fique evidenciada a relação de consumo, isto é, a relação formada entre fornecedor e consumidor vulnerável, presumidamente ou não . Cite-se, a respeito, recente precedente da 4ª Turma, pioneira na adoção do critério finalista: o REsp. 661.145, de relataria do Min. Jorge Scartezzini,j. 22/02/2005, do qual transcrevo o seguinte excerto, porque ilustrativo: “ Com vistas, porém, ao esgotamento da questão, cumpre consignar a existência de certo abrandamento na interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente e desde que demonstrada in concreto a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor a determinados consumidores profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais” . Quer dizer, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas, como exceção, e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor. [Grifos acrescidos]

Não há, portanto, margem a nenhum questionamento de que, mesmo aqueles entregadores que se encontram contratados na condição de Microempreendedores Individuais, são abrangidos pela vulnerabilidade na relação contratual com a fornecedora, sendo-lhe aplicáveis as normas contidas e toda a proteção do Código de Defesa do Consumidor.

O entregador de serviço de entrega rápida, é o motoboy ou o bikeboy que não encontra no mercado de trabalho nenhuma oportunidade para conseguir alimentar a si e a seus familiares e vê na oferta desse tipo de serviço de empresas como Uber Eats, Ifood, James, Loggi, Rappi, etc, um meio de sair da crise. São homens e mulheres que se arriscam, que se aglutinam nas ruas, em calçadas, em praças, na expectativa de que alguém acesse o serviço, façam algum pedido e de que seja ele o escolhido pela plataforma operadora do sistema para obter alguma remuneração.

Não se trata de um fornecedor, que de maneira habitual, como consagra o CDC, isto é, profissionalizada, desenvolve uma atividade de modo organizado e lucrativo. Na verdade, há até uma certa dependência, pois esse mercado, sobretudo para os bikeboys, é restrito aos aplicativos, salvo os entregadores de água mineral que, normalmente, são contratados por pequenos comércios nos bairros.

Ora, estando, portanto, fixado o entendimento de que se trata de uma relação de consumo da qual o entregador é consumidor e as fornecedoras são as

operadoras das plataformas digitais, cumpre afastar a possibilidade de isenção de sua responsabilidade pelos vícios decorrentes da sua atividade empresarial.

Assim o art. 25 do CDC dispõe sobre invalidade de cláusula que desonere ou atenue a responsabilidade objetiva do fornecedor diante do consumidor, calcado na teoria do risco da atividade, que deve ser suportado pelo fornecedor e não pelo consumidor.

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA ELETRÔNICO DEMEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS. MERCADO LIVRE. OMISSÃO INEXISTENTE. FRAUDE. FALHA DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PRESTADOR DO SERVIÇO. 1. Tendo o acórdão recorrido analisado todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia não se configura violação ao art. 535, II do CPC. 2. O prestador de serviços responde objetivamente pela falha de segurança do serviço de intermediação de negócios e pagamentos oferecido ao consumidor . 3. O descumprimento, pelo consumidor (pessoa física vendedora do produto), de providência não constante do contrato de adesão, mas mencionada no site, no sentido de conferir a autenticidade de mensagem supostamente gerada pelo sistema eletrônico antes do envio do produto ao comprador, não é suficiente para eximir o prestador do serviço de intermediação da responsabilidade pela segurança do serviço por ele implementado, sob pena de transferência ilegal de um ônus próprio da atividade empresarial explorada. 4. A estipulação pelo fornecedor de cláusula exoneratória ou atenuante de sua responsabilidade é vedada pelo art. 25 do Código de Defesa do Consumidor. 5. Recurso provido. (STJ - REsp: 1107024 DF 2008/0264348-2, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 01/12/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/12/2011) [Grifos acrescidos]

Portanto, qualquer estipulação contratual que busque mitigar a responsabilidade dos fornecedores não pode, nem deve ser oposta a esta lei, que apenas exige o devido cumprimento das exigências estabelecidas na norma consumerista.

Quanto à constitucionalidade e da iniciativa, é bastante observar que o Supremo Tribunal Federal já tem por pacífico o entendimento de que não há conflito de competência quando União e Estados federados legislam sobre matéria consumerista, como se vê nos julgados abaixo:

STF - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO AgR ARE 988196 MS MATO GROSSO DO SUL 0065441-66.2010.8.12.0001

Direito Constitucional, Administrativo e do Consumidor. Concessionária de energia elétrica. Lei estadual que versa sobre relação de consumo Inexistência de invasão de competência privativa da União. Competência concorrente. Legislação infraconstitucional . Ofensa reflexa. Precedentes. 1. O Supremo Tribunal Federal já assentou a constitucionalidade de lei estadual que dispõe sobre

obrigações relativas à proteção do consumidor, por se encontrar essa disposição na competência concorrente dos entes federados . 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise de legislação infraconstitucional. Incidência das súmulas nºs 280 e 636/STF. 3. Agravo regimental não provido. 4. Majoração da verba honorária em valor equivalente a 10% (dez por cento) do total daquela já fixada (art. 85 , §§ 2º , 3º e 11 , do CPC ), observada a eventual concessão do benefício da gratuidade da justiça. (ARE 988196 AgR, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 10/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-257 DIVULG 30-11-2018 PUBLIC 03-12-2018) [Grifos acrescidos]

Conforme o exposto em toda a justificativa, cuida-se de uma relação de consumo, sobre a qual inexiste regulação expressa de norma Federal, o que segundo o art. 24 § 3º confere à norma estadual competência legislativa plena.

Ademais, cumpre ressaltar que a norma trata de segurança nas relações de consumo e mais uma vez o STF entende a constitucionalidade de normas estaduais, no âmbito das relações de consumo, nesse mesmo sentido:

STF - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO AgR RE 721553 MG

Consoante precedentes desta Corte, é constitucional a Lei 12.971/1998 do Estado de Minas Gerais, que prevê a instalação de dispositivos de segurança nas agências bancárias, considerada a competência concorrente entre União e Estados federados para legislar em matéria de segurança nas relações de consumo (art. 24 , incisos V e VIII e § 2º, da Carta Magna ). 5. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, mormente no que se refere à consonância entre o acórdão recorrido e a jurisprudência desta Corte, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. 6. Agravo regimental conhecido e não provido. (RE 721553 AgR, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 17/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 03-04-2017 PUBLIC 04-04-2017) [Grifos acrescidos]

Nestes termos, é perfeitamente cabível a edição da norma in comento não havendo falar em nenhuma inconstitucionalidade por vício de incompetência, ou mesmo em razão da matéria.

Diante disso, é bastante aludir ao que dispõe o CDC no que tange às obrigações invocadas na matéria legislativa do projeto de lei:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas

contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;             (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)   Vigência

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

IX - (Vetado);

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Parágrafo único.  A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento. [Grifos acrescidos]

Bem como:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:            (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

(...)

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

E ainda:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas

contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III - transfiram responsabilidades a terceiros;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

V - (Vetado);

VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

§ 3° (Vetado).

§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Quanto à alteração proposta no art. 18, com a inserção de um parágrafo único o propósito é resguardar o real conceito permissivo de produto ou serviço que apresentam riscos à saúde ou a segurança considerados normais ou previsíveis, já que, da forma como se apresenta, está bem amplo e sujeito a subjetividades que pode dar azo a uma interpretação indesejada de que por ser tolerado e aceito por no mercado tais produtos, se presuma ausência de responsabilidade dos fornecedores pelos riscos oferecidos.

 

A interpretação mais coesa com o animus do legislador considera apenas a não proibição de que sejam fornecidos ou fabricados e disponibilizados, o que, no entanto, deve ensejar ainda maior vigilância e inspirar maiores cuidados, sobremaneira porque se sabe previamente do potencial nocivo ou periculoso do produto ou serviço, e, de forma alguma, afasta do fornecedor a responsabilidade pela correta instrução sobre como utilizar, armazenar, manipular, dentre outras formas de uso, gozo ou fruição, bem como quanto aos vícios, sejam eles evidentes, ocultos ou redibitórios, bem como pela própria disponibilidade desses produtos ou serviços para a sociedade.

A medida é necessária e está evidente que será de fundamental importância para proteger usuários desse tipo de serviço cuja tendência é crescer exponencialmente, ante o seu caráter essencial, como visto na vigência do distanciamento social de combate à Covid-19.

São os entregadores que vêm viabilizando alguns pequenos comércios, escritórios, restaurantes, farmácias em meio à pandemia, isto é, em situações de calamidade pública e de grande comoção social, os entregadores revelam a força de uma atividade que vem sendo explorada pelos intermediadores ao custo da vulnerabilidade de pessoas que consomem esse serviço vez que poucos empreendedores contratam via CLT funcionários para realizarem tal atividade.

Ante o exposto e destacando a relevância da matéria na defesa dos interesses dessa parcela vulnerável da nossa sociedade, convido a todos os deputados e deputadas desta Casa a tomarem uma atitude proativa e protetiva para juntos avançarmos rumo a aprovação deste projeto.

Histórico

[22/05/2020 17:18:28] ASSINADO
[22/05/2020 17:24:24] ENVIADO P/ SGMD
[27/05/2020 16:05:55] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[28/05/2020 17:42:21] DESPACHADO
[28/05/2020 17:43:21] EMITIR PARECER
[28/05/2020 19:29:45] ENVIADO PARA PUBLICA��O
[29/05/2020 19:04:15] PUBLICADO
[29/05/2020 19:04:16] PUBLICADO
[29/05/2020 19:04:16] PUBLICADO
[29/05/2020 19:04:17] PUBLICADO
[29/05/2020 19:04:18] PUBLICADO
[29/05/2020 19:04:19] PUBLICADO
[29/05/2020 19:04:20] PUBLICADO
[29/05/2020 19:04:20] PUBLICADO
[29/05/2020 19:04:21] PUBLICADO
[29/05/2020 19:09:35] PUBLICADO

Isaltino Nascimento
Deputado


Informações Complementares

Status
Situação do Trâmite: PUBLICADO
Localização: SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD)

Tramitação
1ª Publicação: 29/05/2020 D.P.L.: 9
1ª Inserção na O.D.:




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