
Parecer 5017/2021
Texto Completo
Projeto de Lei Ordinária nº 1896/2021
Autor: Governador do Estado
PROPOSIÇÃO QUE VISA ALTERAR A LEI Nº 12.765, DE 27 DE JANEIRO DE 2005, PARA AUTORIZAR A TRANSFERÊNCIA DE PARCELA DOS RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS ORIUNDOS DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), PARA FINS DE ADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS ESTABELECIDAS EM CONTRATOS DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA, FIRMADOS NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE PARCERIAS ESTRATÉGICAS DE PERNAMBUCO-PPPE. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA RESIDUAL DOS ESTADOS MEMBROS, NOS TERMOS DO ART. 25, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO, NOS TERMOS DO ART. 19, § 1º, VI DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INTELIGÊNCIA DA LEI FEDERAL Nº 11.079, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004 QUE INSTITUI NORMAS GERAIS PARA LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 184116, RELATOR (A): MARCO AURÉLIO, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 07/11/2000, DJ 16-02-2001), E PELA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (PARECER Nº 2/2018/GAB/ CGU/AGU). PELA APROVAÇÃO.
1. Relatório
Submeto à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça o Projeto de Lei Ordinária nº 1896/2021, de autoria do Governador do Estado, que visa alterar a Lei nº 12.765, de 27 de janeiro de 2005, para autorizar a transferência de parcela dos recursos orçamentários oriundos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), para fins de adimplemento de obrigações pecuniárias estabelecidas em contratos de parceria público-privada, firmados no âmbito do Programa de Parcerias Estratégicas de Pernambuco-PPPE.
Conforme justificativa apresentada pelo Exmo. Sr. Governador, in verbis:
Senhor Presidente,
Submeto à apreciação dessa Casa o Projeto de Lei anexo, cujo objetivo é promover a estruturação de garantias públicas em contratos de parcerias público-privadas celebrados pelo Estado, no âmbito do Programa de Parcerias Estratégicas de Pernambuco, instituído pela Lei n° 16.573, de 20 de maio de 2019.
A proposição tem por objetivo instituir mecanismos de salvaguarda dos pagamentos das contraprestações públicas no campo das PPPs, como medida de viabilização de empreendimentos de infraestrutura no Estado.
A iniciativa decorre de estudos realizados por Grupo de Trabalho criado pelo Conselho do Programa de Parcerias Estratégicas de Pernambuco, formado por representantes das Secretarias Estaduais de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Fazenda, Planejamento e Gestão, Administração, Procuradoria Geral do Estado e Agência de Empreendedorismo de Pernambuco, em que se buscou analisar, a partir da experiência de outras unidades federativas, modos mais eficientes de estruturação de garantias públicas nos projetos de parceria, etapa desafiadora para o processo de modelagem econômico-financeira dos empreendimentos estruturadores de que o Estado necessita.
A viabilidade do Programa de Parcerias Estratégicas de Pernambuco depende de mecanismos sólidos e confiáveis de oferta de garantias por parte do setor público, em razão dos altíssimos investimentos aos quais o parceiro privado se obriga, seja para implementar a obra, seja para colocar em operação e prestar os serviços públicos envolvidos na contratação pública dela decorrente, sempre de longo prazo.
Nesse contexto, o Projeto detalha o modo pelo qual deve se aperfeiçoar, no âmbito das PPPs, a utilização dos recursos vinculados como garantia do pagamento das obrigações financeiras da administração, conforme previsão do inciso I do art.17, da Lei nº 12.765, de 2005, para estabelecer a vinculação de até 3,5% (três vírgula cinco por cento) da cota mensal do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE ao pagamento de obrigações contraídas em contratos de parceria público-privada. Os valores do FPE serão segregados e depositados diretamente em conta vinculada específica e o eventual excedente dos recursos transferido ao tesouro estadual.
A proposta guarda conformidade com a Lei nº 12.765, de 27 de janeiro de 2005, que dispõe sobre o Programa Estadual de Parceria Público-Privada, sendo observadas as normas gerais previstas na Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e do art. 16, inciso II, da Lei nº 12.765, de 27 de janeiro de 2005. Busca-se atribuir maior segurança e atratividade aos contratos de parcerias público-privadas, ampliando-se, por consequência, a competitividade entre possíveis futuros parceiros, o que permitirá a execução de obras de maior qualidade e a prestação de serviços públicos mais eficientes, em benefício dos usuários.
O modelo ora proposto inspirou-se em experiência há décadas adotada no Estado da Bahia, com bastante êxito, e guarda conformidade com o art.167, inciso IV, da Constituição Federal, uma vez que o produto recebido pelo Estado destinatário do FPE não tem natureza de receita de imposto, não decorre do exercício de competência tributária própria, sendo contabilizado nos cofres estaduais como transferências intergovernamentais. É, portanto, possível a utilização de quotas desses fundos pela administração estadual, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão TCU nº 1.435/2019-Plenário) e pela Advocacia Geral da União (Parecer nº 2/2018/Gab/ CGU/AGU).
É de se destacar, por fim, que a aprovação da proposição encaminhada é medida essencial para o êxito das PPPs em nosso Estado, que depende fundamentalmente da capacidade de atrair investidores, parceiros e financiadores, que detenham segurança e garantia do cumprimento das obrigações contratuais de longo prazo.
Certo da compreensão dos membros que compõem essa ilustre Casa na análise da matéria que ora submeto à apreciação, reitero a Vossa Excelência e a seus ilustres pares os meus protestos de elevada estima e consideração.
A proposição tramita em regime ordinário.
2. Parecer do Relator
A Proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, II, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
A matéria versada no Projeto de Lei ora em análise encontra-se inserta na competência residual dos Estados-Membros, nos termos do art. 25, § 1º, da Constituição Federal.
Como leciona Alexandre de Moraes:
“A regra prevista em relação à competência administrativa dos Estados-membros tem plena aplicabilidade, uma vez que são reservadas aos Estados as competências legislativas que não lhes sejam vedadas pela Constituição.
Assim, os Estados-membros poderão legislar sobre todas as matérias que não lhes estiverem vedadas implícita ou explicitamente.
São vedações implícitas as competências legislativas reservadas pela Constituição Federal à União (CF, art. 22) e aos municípios (CF, art. 30).
São vedações explícitas as normas de observância obrigatória pelos Estados-membros na sua auto-organização e normatização própria, consistentes, conforme já estudado, nos princípios sensíveis, estabelecidos e federais extensíveis.” (in Direito Constitucional, Ed. Atlas, 16ª ed., 2004, p. 302)
Não estando a matéria nele tratada compreendida nas competências da União e dos Municípios, deve-se considerá-la competência remanescente dos Estados-membros, com fulcro no art. 25, § 1º, da Carta Magna, cuja redação é a seguinte:
“Art. 25. .........................................................................................................
.........................................................................................................................
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.”
Por outro lado, a matéria do projeto de lei ora em análise encontra-se inserta na esfera de iniciativa privativa do Governador do Estado, conforme determina o art. 19, § 1º, VI da Constituição Estadual, in verbis:
“Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.
§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:
........................................................................................
VI - criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado, de órgãos e de entidades da administração pública.”
Ademais, a proposição se encontra em consonância com a Lei Federal Nº 11.079, De 30 De Dezembro De 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, visto que busca atribuir maior segurança e atratividade aos contratos de parcerias público-privadas, ampliando-se, por consequência, a competitividade entre possíveis futuros parceiros, o que permitirá a execução de obras de maior qualidade e a prestação de serviços públicos mais eficientes, em benefício dos usuários.
Ainda sobre a constitucionalidade da proposição, vejamos:
Sabe-se que a Constituição Federal, ao estabelecer as matérias e condutas que são vedadas na elaboração dos orçamentos, explicita taxativamente a vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa, com exceção das ressalvas previstas no inciso IV do art. 167, ipsis litteris:
Art. 167. São vedados:
.......................................................................................................................................
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;
Observa-se, então, que a participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios na receita tributária da União e dos Estados por meio dos fundos constitucionais, regulada pelo art. 159 da Constituição, foi excepcionada da vedação de vinculação das receitas dos impostos prevista no art. 167, inciso IV, da CF/88 que assim dispõe:
“Art. 159. A União entregará:
I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma:
- vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;
b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;
c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à região, na forma que a lei estabelecer;
d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;
e) 1% (um por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano;
II - do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, dez por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados.
III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.
§ 1º Para efeito de cálculo da entrega a ser efetuada de acordo com o previsto no inciso I, excluir-se-á a parcela da arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do disposto nos arts. 157, I, e 158, I.
§ 2º A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por cento do montante a que se refere o inciso II, devendo o eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o critério de partilha nele estabelecido.
§ 3º Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento dos recursos que receberem nos termos do inciso II, observados os critérios estabelecidos no art. 158, parágrafo único, I e II.
§ 4º Do montante de recursos de que trata o inciso III que cabe a cada Estado, vinte e cinco por cento serão destinados aos seus Municípios, na forma da lei a que se refere o mencionado inciso.”
A exceção do art. 159 da CF/88 se deve ao fato de que as transferências constitucionais dispostas naquele artigo não constituem receitas derivadas do poder impositivo dos Estados, Distrito Federal e Municípios, mas sim produto de repasse constitucional decorrente do federalismo de cooperação.
Ainda sobre a legitimidade da vinculação de recursos oriundos de repartição constitucional, a Advocacia – Geral da União proferiu o parecer N. 0002/2018/CGU/AGU, aprovado 26 de março de 2018 pelo Excelentíssimo Sr. Presidente da República, tendo como interessada a Caixa Econômica Federal. In verbis:
“A adoção de medidas que na prática se traduzam em vedação de acesso ao crédito pelos entes subnacionais, sem amparo no texto constitucional, geraria uma situação de desequilíbrio federativo igualmente não desejável, ofensiva à organização político-administrativa assegurada no art. 18 da Constituição, comprometendo, inclusive, o princípio da segurança jurídica e o seu corolário do ato jurídico perfeito. A interpretação do texto constitucional deverá considerar a autonomia dos entes subnacionais, notadamente, na utilização dos recursos do FPM e FPE que lhe são próprios, sem desconsiderar a importância de se buscar o melhor equilíbrio entre a utilização dessa garantia e a situação fiscal do ente federativo. “
“No exercício da autonomia consagrada no art. 18, caput, da Constituição, os Estados, Distrito Federal e Municípios podem dispor sobre a aplicação e eventual afetação dos recursos ligados aos Fundos de Participação. Assim sendo, mostra-se possível a utilização de suas quotas nesses Fundos do modo que melhor lhes aprouver, vinculando-as como garantia em seus negócios jurídicos, nos termos de prévia autorização legislativa, se assim corresponder às necessidades próprias e ao interesse público. (Parecer nº 2/2018/Gab/ CGU/AGU).”
O mesmo entendimento, inclusive, é adotado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme exarado no acórdão em Recurso Extraordinário nº 184.116, cujo relator foi o Excelentíssimo Min. Marco Aurélio. No mencionado caso, o produto da participação do município no ICMS foi utilizado para liquidação de débito. Então, o STF decidiu que inexistiu ofensa ao inciso IV do art. 167 da CF/88, in verbis:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MOLDURA FÁTICA. Na apreciação do enquadramento do recurso extraordinário em um dos permissivos constitucionais, parte-se da moldura fática delineada pela Corte de origem. Impossível é pretender substituí-la para, a partir de fundamentos diversos, chegar-se a conclusão sobre o desrespeito a dispositivo da Lei Básica Federal. CONDENAÇÃO JUDICIAL - ACORDO - PARCELAMENTO. Em se tratando de acordo relativo a parcelamento de débito previsto em sentença judicial, possível é a dispensa do precatório uma vez não ocorrida a preterição. ACORDO - DÉBITO - ICMS - PARTICIPAÇÃO DO MUNICÍPIO. Inexiste ofensa ao inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, no que utilizado o produto da participação do município no ICMS para liquidação de débito. A vinculação vedada pelo Texto Constitucional está ligada a tributos próprios. (RE 184116, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 07/11/2000, DJ 16-02-2001 PP-00139 EMENT VOL-02019-02 PP-00419)
Conclui-se, então, que Estados, Distrito Federal e Municípios possuem autorização constitucional para vincular suas quotas sobre receitas provenientes dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios as quais estão dispostas no art. 159 da Constituição, porém obedecendo aos limites de sua autonomia orçamentária e financeira.
Diante do exposto, opino no sentido de que o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça seja pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1896/2021, de autoria do Governador do Estado.
3. Conclusão da Comissão
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1896/2021, de autoria do Governador do Estado.
Histórico