
Parecer 4602/2020
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1043/2020
AUTORIA: DEPUTADO JOÃO PAULO
PROPOSIÇÃO QUE ESTABELECE, PARA AS CONCESSIONÁRIAS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA, A OBRIGATORIEDADE DE VEICULAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE MEDIDAS DE PREVENÇÃO E COMBATE A SURTOS, ENDEMIAS, EPIDEMIAS E PANDEMIAS, BEM COMO SOBRE CAMPANHAS DE VACINAÇÃO, NOS BOLETOS DISPONIBILIZADOS AOS CONSUMIDORES PARA PAGAMENTO DAS TARIFAS. . INVIABILIDADE DE NORMA ESTADUAL INTERFERIR NO EQUILÍBRIO DE CONTRATOS DE CONCESSÃO FIRMADOS POR OUTROS ENTES FEDERADOS. RECENTE ADI 6086. EXCLUSÃO DE EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA DO AMBITO DE INCIDENCIA DE DISPOSITIVOS DO CEDC DE PERNAMBUCO. DESRESPEITO À AUTONOMIA FEDERATIVA. PRECEDENTES DO STF. PELA REJEIÇÃO.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 1043/2020, de autoria do Deputado João Paulo, que estabelece, para as concessionárias dos serviços públicos de abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica, a obrigatoriedade de veiculação de informações sobre medidas de prevenção e combate a surtos, endemias, epidemias e pandemias, bem como sobre campanhas de vacinação, nos boletos disponibilizados aos consumidores para pagamento de tarifas.
Em síntese, a proposição determina que as concessionárias dos referidos serviços públicos divulguem informações sobre combate e prevenção de surtos, epidemias, endemias ou pandemias e campanhas de vacinação, nos sites e boletos de pagamento ou em papel anexo. Além disso, o projeto de lei esclarece que a obrigação surgirá com o reconhecimento formal pela autoridade sanitária competente, no caso de surtos, endemias, epidemias e pandemias, ou com a comunicação do órgão competente, nos casos de campanha de vacinação.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, do Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art.94, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas a sua apreciação.
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Apesar de louvável, sobretudo tendo em vista o momento de crise global vivenciado, a proposição analisada não tem respaldo na ordem jurídica nacional, não podendo, pois, ser aprovada.
Caso aprovado o Projeto em exame restariam desfigurados, desequilibrados os contratos de concessão firmados pela União , no caso de energia, e pelos Municípios, no caso do fornecimento de água.
Em sendo aprovado o presente PL estaria o Estado de Pernambuco, ainda que indiretamente, gerando para a União e para os Municípios pernambucanos um dever de reequilibrar contratos por eles firmados, já que os particulares contratantes seriam diretamente atingidos pelo conteúdo veiculado pela eventual norma. Eventuais modificações nas condições do contrato devem ser realizadas pelo próprio Poder concedente.
Imprescindível mencionar decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 2019, no bojo da ADI nº 6086, que afastou a aplicabilidade de dispositivos do Código Estadual de Defesa do Consumidor do Estado de Pernambuco às empresas de telefonia e energia:
Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta e julgou procedente o pedido formulado para conferir aos art. 26, caput e § 2º; 28; 29; 35, II e § 2°; 45; 148; e 167, § 1°, da Lei nº 16.559/2019 do Estado de Pernambuco interpretação conforme à Constituição, a fim de excluir de seu âmbito de aplicação as empresas prestadoras de serviços de telefonia fixa e móvel e de acesso à internet, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Rosa Weber. Plenário, Sessão Virtual de 13.12.2019 a 19.12.2019.
Ademais, vejamos outro precedente do STF também declarando inconstitucional norma emanada por Legislativo Estadual sob fundamento de que o equilíbrio de contrato firmado por outro Ente Federado restaria abalado:
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS - INVASÃO, PELO ESTADO-MEMBRO, DA ESFERA DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO E DOS MUNICÍPIOS - IMPOSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA DO ESTADO-MEMBRO NAS RELAÇÕES JURÍDICO-CONTRATUAIS ENTRE O PODER CONCEDENTE FEDERAL OU MUNICIPAL E AS EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS - INVIABILIDADE DA ALTERAÇÃO, POR LEI ESTADUAL, DAS CONDIÇÕES PREVISTAS NA LICITAÇÃO E FORMALMENTE ESTIPULADAS EM CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, SOB REGIME FEDERAL E MUNICIPAL - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - Os Estados-membros - que não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a União Federal ou o Município) e as empresas concessionárias - também não dispõem de competência para modificar ou alterar as condições, que, previstas na licitação, acham-se formalmente estipuladas no contrato de concessão celebrado pela União (energia elétrica - CF, art. 21, XII, "b") e pelo Município (fornecimento de água - CF, art. 30, I e V), de um lado, com as concessionárias, de outro, notadamente se essa ingerência normativa, ao determinar a suspensão temporária do pagamento das tarifas devidas pela prestação dos serviços concedidos (serviços de energia elétrica, sob regime de concessão federal, e serviços de esgoto e abastecimento de água, sob regime de concessão municipal), afetar o equilíbrio financeiro resultante dessa relação jurídico-contratual de direito administrativo.
(ADI 2337 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 20/02/2002, DJ 21-06-2002 PP-00096 EMENT VOL-02074-01 PP-00152)
Também merece destaque Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente pelo STF, especificamente em relação às concessionárias de fornecimento de água, que contratam com o Município, Ente responsável pela prestação deste serviço:
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ESTADO DE SANTA CATARINA. DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA POTÁVEL. LEI ESTADUAL QUE OBRIGA O SEU FORNECIMENTO POR MEIO DE CAMINHÕES-PIPA, POR EMPRESA CONCESSIONÁRIA DA QUAL O ESTADO DETÉM O CONTROLE ACIONÁRIO. DIPLOMA LEGAL QUE TAMBÉM ESTABELECE ISENÇÃO TARIFÁRIA EM FAVOR DO USUÁRIO DOS SERVIÇOS. INADMISSIBILIDADE. INVASÃO DA ESFERA DE COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS, PELO ESTADO-MEMBRO. INTERFERÊNCIA NAS RELAÇÕES ENTRE O PODER CONCEDENTE E A EMPRESA CONCESSIONÁRIA. INVIABILIDADE DA ALTERAÇÃO, POR LEI ESTADUAL, DAS CONDIÇÕES PREVISTAS NO CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO LOCAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. I - Os Estados-membros não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente local e a empresa concessionária, ainda que esta esteja sob o controle acionário daquele. II - Impossibilidade de alteração, por lei estadual, das condições que se acham formalmente estipuladas em contrato de concessão de distribuição de água. III - Ofensa aos arts. 30, I, e 175, parágrafo único, da Constituição Federal. IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
(ADI 2340, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2013, DJe-087 DIVULG 09-05-2013 PUBLIC 10-05-2013)
Ademais, no tocante ao serviço de energia elétrica, a Resolução nº 414, de 9 de setembro de 2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, Agência Reguladora do setor que o presente projeto pretende vir a estabelecer obrigações, permite, faculta, mas não impõe que as faturas disponham de informações de caráter social:
Art. 120. Além das informações relacionadas no art. 119, faculta-se à distribuidora incluir na fatura outras informações de interesse dos consumidores, propaganda ou publicidade, desde que não interfiram nas informações obrigatórias, vedadas, em qualquer hipótese, a veiculação de mensagens político-partidárias. (Redação dada pela REN ANEEL 581 de 11.10.2013)
Por outro lado, em relação ao serviço de abastecimento de água, é fato que o art. 39, parágrafo único, da Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, exige uniformidade na confecção das faturas (“A fatura a ser entregue ao usuário final deverá obedecer a modelo estabelecido pela entidade reguladora, que definirá os itens e custos que deverão estar explicitados.”)
Levando-se em conta todo o analisado, percebe-se que ao legislar na matéria haveria invasão no campo de incidência de contratos firmados entre Entes federados de outras esferas com empresas concessionárias prestadoras de serviço público, contrariando precedentes do Supremo Tribunal Federal, sobretudo a recente ADI nº 6086, que, valendo-se da técnica da interpretação conforme a Constituição, determinou a não aplicação de dispositivos do CEDC de Pernambuco justamente às empresas prestadoras de serviço de energia, que o PL ora em análise pretende impactar.
Diante do exposto, opina-se pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 1043/2020, de autoria do Deputado João Paulo, por vício de inconstitucionalidade.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 1043/2020, de autoria do Deputado João Paulo, por vício de inconstitucionalidade.
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