
Parecer 4226/2020
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1355/2020
AUTORIA: DEPUTADO CLODOALDO MAGALHÃES
PROPOSIÇÃO QUE PROÍBE, NO ÂMBITO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS QUE IMPEÇAM OU DIFICULTEM AS DOAÇÕES DE SANGUE POR HOMOSSEXUAIS. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA DISPOR SOBRE PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE (ART. 24, INCISO XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). VIABILIDADE DA INICIATIVA PARLAMENTAR. COMPATIBILIDADE MATERIAL COM OS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO (ARTS. 1º, INCISO III, E 3º, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PELA APROVAÇÃO.
1. RELATÓRIO
Trata-se do Projeto de Lei Ordinária nº 1355/2020, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães, que proíbe, no âmbito do Estado de Pernambuco, práticas discriminatórias que impeçam ou dificultem as doações de sangue por homossexuais.
Em síntese, a proposição veda qualquer prática discriminatória que, em razão de orientação sexual, impeça ou dificulte a doação de sangue por homossexuais. Além disso, o projeto de lei esclarece que não é afastada a observância de normas e protocolos previstos na legislação para doadores em geral. Por fim a proposta estabelece penalidades em caso de seu descumprimento, que incluem advertência, em primeira autuação, e multa, a partir da segunda autuação, a ser fixada entre R$ 1.000,00 e R$ 10.000,00, de acordo com o porte do empreendimento e as circunstâncias da infração.
O Projeto de Lei tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Inicialmente, verifica-se que a matéria versada no Projeto de Lei Ordinária nº 1355/2020 está inserta na esfera de competência legislativa concorrente dos Estados-membros para dispor sobre proteção e defesa da saúde, conforme estabelece o art. 24, inciso XII, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
Ademais, registre-se que a proibição veiculada na proposição não se imiscui em atribuições próprias de órgãos federais, notadamente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, uma vez que a medida limita-se a coibir práticas discriminatórias, assegurando a observância das normas e protocolos contidos nas Leis Federais nº 7.649, de 25 de janeiro de 1988 e nº 10.205, de 21 de março de 2001 e nos atos normativos infralegais.
Por outro lado, no que tange à viabilidade da iniciativa parlamentar, verifica o objeto do Projeto de Lei nº 1355/2020 não se enquadra nas regras que exigem a deflagração do processo legislativo pelo Governador do Estado ou por outros órgãos/autoridades estaduais (arts. 19, § 1º; 20; 45; 68, parágrafo único, e 73-A, todos da Constituição Estadual). Logo, resta afirmada a constitucionalidade formal subjetiva.
Por fim, sob o aspecto material, a proibição imposta pelo Projeto de Lei em apreço revela-se compatível com o princípio da dignidade da pessoa humana e com o objetivo que informa a República Federativa do Brasil no sentido de promover o bem de todos e evitar qualquer forma de discriminação (arts. 1º, inciso III, e 3º, inciso IV, da Constituição Federal).
Acerca do assunto, cumpre referir que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos da Portaria nº 158/2016, do Ministério da Saúde, e da Resolução RDC nº 34/2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que estabeleciam restrições para a doação de sangue por homossexuais. Nesse sentido, transcreve-se parte do voto do relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5543/DF, Min. Edson Facchin, que corroboram os argumentos expostos neste parecer:
As normas impugnadas – o art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, e o art. 25, XXX, d, da Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) – consideram inaptos temporariamente por um período de 12 (doze) meses os indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes.
Como bem posto pelo Requerente, apesar de não mais se vislumbrar norma expressa de proibição perpétua, ao se exigir o lapso temporal de 12 (doze) meses sem relações sexuais anteriores ao ato de doação de sangue, acaba tal condição por manifestar-se como negação definitiva de qualquer possibilidade do exercício desse ato maior de alteridade por qualquer homem homossexual ou bissexual e/ou suas parceiras que possuam uma vida sexual minimamente ativa.
Tal restrição, consistente praticamente em quase vedação, viola a forma de ser e existir desse grupo de pessoas; viola subjetivamente a todas e cada uma dessas pessoas; viola também o fundamento próprio de nossa comunidade – a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB).
[...]
Ao se enfrentar a questão à luz dos direitos da personalidade, mais especificamente a partir do seu construto diário em que, mediante pequenos gestos, a inerente humanidade de todos é afirmada, evidencia-se com maior clareza como a norma viola, a não mais poder, a própria ideia de dignidade, conforme exposto alhures.
Isso porque se está a exigir, para manifestação de um elemento da personalidade - o exercício da alteridade mediante o ato de doação de sangue -, o completo aniquilamento de outra faceta da própria personalidade - o exercício da liberdade sexual. Há, nesse quadrante, violação à dignidade inerente a cada sujeito (art. 1º, III, CRFB), que se vê impedido de exercer sua liberdade e autonomia (art. 5º, caput, CRFB) expressadas pelos direitos de personalidade que lhe constituem (sua orientação sexual) para ter um gesto gratuito de alteridade e solidariedade para com seu próximo. Tal moldura normativa também impõe, assim, um tratamento não igualitário injustificado e, portanto, inconstitucional (art. 5º caput, CRFB).(ADI nº 5543/DF, Rel. Min. Edson Facchin, acórdão pendente de publicação)
Isto posto, não existem vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que possam comprometer a validade do Projeto de Lei Ordinária nº 1355/2020.
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1355/2020, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1355/2020, de autoria do Deputado Clodoaldo Magalhães.
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