
Parecer 3794/2020
Texto Completo
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL Nº 13/2020
AUTORIA: GOVERNADOR DO ESTADO
PROPOSIÇÃO QUE VISA ALTERAR OS ARTIGOS 101, 102 E 104 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO. INSTITUIÇÃO DA POLÍCIA PENAL. DIRETRIZES PARA A ORGANIZAÇÃO DA CARREIRA. MATÉRIA INSERTA NO ÂMBITO DA AUTONOMIA POLÍTICA DOS ESTADOS-MEMBROS. INICIATIVA PRIVATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO. MATÉRIA CORRELATA A ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SERVIDORES PÚBLICOS. ARTIGO 61 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL TAMBÉM APLICÁVEL AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO DECORRENTE REFORMADOR (EMENDAS À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL). JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INICIATIVA DO GOVERNADOR COM FULCRO NOS ARTIGOS 17, II, 19 § 1º IV E VI, E ARTIGO 191 II DO REGIMENTO INTERNO DESTE PODER LEGISLATIVO. INEXISTÊNCIA DE LIMITAÇÕES CIRCUNSTANCIAIS (ART. 16, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL). OBSERVADO O TRÂMITE ADEQUADO SEGUNDO O ART. 191, §2º, REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE E DE ILEGALIDADE NA PEC Nº 13 DE AUTORIA DO GOVERNADOR DO ESTADO. PELA APROVAÇÃO DA PEC Nº 13/2020 DE AUTORIA DO GOVERNADOR DO ESTADO.
1. RELATÓRIO
Foi submetida à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça a Proposta de Emenda à Constituição Estadual (PEC) nº 13/2020, de autoria do Governador do Estado, visando alterar dispositivos da Constituição Estadual (arts. 101, 102 e 104) a fim de incluir dentre os órgãos responsáveis pela segurança pública a Polícia Penal, conferindo-lhe regulamentação geral.
A PEC em análise tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime próprio, conforme estabelecido pelo art. 191, §2º, e pelo art. 253, ambos do Regimento Interno (RI).
2. PARECER DO RELATOR
A PEC nº 13/2020 vem arrimada no art. 17, II da Constituição Estadual e no art. 191, II, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
É sabido que as Constituições Estaduais são exercício do chamado Poder Constituinte Decorrente. A Constituição Federal determinou que cada um dos Estados Membros as criassem, em exercício de seu Poder Constituinte, que é, como dito alhures, Decorrente. Vejamos o artigo 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CRFB/88:
“ Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta.
Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.”
Uma vez editadas as Constituições Estaduais, como ocorreu em 05 de outubro de 1989 no Estado de Pernambuco, aos Estados também é assegurado o direito, o poder de alterá-las, mediantes Emendas às Constituições Estaduais, no exercício do Poder Constituinte Decorrente Reformador. Vejamos algumas lições do Professor Daniel Sarmento sobre o tema:
“Em uma federação, como é o caso do Brasil, os Estados membros também possuem o poder de criar suas próprias constituições. Trata-se de competência que se inclui na noção autonomia estadual, na sua dimensão de poder de auto-organização. É o que estabelece a Constituição Federal, em seu art. 25: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
Esse poder de editar a Constituição tem sido denominado poder constituinte decorrente.
Como o poder de reforma, o poder constituinte decorrente não é inicial, mas derivado da Constituição que o consagra e regula; não é soberano, mas limitado pela ordem constitucional federal; e é condicionado, já que exercido de acordo com os procedimentos traçados pela Constituição. [...]
Salvo melhor juízo, após a edição da sua Constituição, pode o Estado emendá-la, mas não substituí-la por outra, sem seguir as regras para reforma, que demandam maioria qualificada.
Daí porque, o que hoje apresenta maior interesse prático são as regras para reforma das constituições estaduais.
A Constituição Federal não cuidou expressamente desta reforma. Não obstante, o STF, invocando o chamado princípio da simetria”, que será discutido adiante, já consolidou o entendimento de que as regras que disciplinam a reforma de cada Constituição estadual devem se espelhar, no que couber, naquelas que cuidam da alteração a Constituição Federal, sob pena de inconstitucionalidade.
Neste sentido, afirmou, por exemplo, que o Estado-membro não pode criar procedimento mais difícil do que o previsto pela Constituição Federal para emenda da sua Constituição, invalidando preceito de carta estadual que estabelecera o quorum de 4/5 para aprovação de reforma no seu texto. Na mesma linha, o STF considerou inviável a criação, no plano estadual, do procedimento de revisão constitucional, que permitiria a alteração do texto constitucional estadual com o assentimento da maioria absoluta dos membros da assembleia legislativa.
O quorum de deliberação para reformas às constituições estaduais, segundo o STF, deve ser, necessariamente, de 3/5 dos deputados estaduais, em duas votações sucessivas, sendo a emenda promulgada pela própria Assembleia Legislativa, sem submissão do seu texto à sanção ou veto do governador.” (SARMENTO, Daniel . Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho; Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento. – Belo Horizonte : Fórum, 2012. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Fórum, 2012.)
Importante destacar, para a análise da Proposta, que algumas regras do processo legislativo para elaboração de leis ordinárias e complementares também são aplicáveis à elaboração de Emendas à Constituição Estadual. Veremos no tema mais algumas lições doutrinárias do eminente Professor Daniel Sarmento, titular da cadeira de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ e posteriormente excertos de alguns julgados do Supremo Tribunal Federal que corroboram para a conclusão de que as matérias reservadas ao Chefe do Poder Executivo também devem ser observadas quando da elaboração de Emendas às Constituições Estaduais, o que confirma a constitucionalidade da PEC apresentada pelo Governador do Estado.
De acordo com Daniel Sarmento:
“ Devem ser simétricas as normas relativas ao processo legislativo: “As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados membros”.
Para o, o STF devem ser simétricas, por exemplo, as normas relativas à iniciativa para propor projetos de lei. São frequentes os casos em que o STF julga inconstitucionais normas estaduais e municipais que tenham resultado de projetos propostos por parlamentares, sempre que a Constituição Federal atribuir iniciativa de lei sobre matéria equivalente, no plano federal, ao Presidente da República. É o caso, por exemplo, de normas que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, inclusive dos servidores militares, ou sobre a organização da administração pública1e a criação de órgãos públicos.
O mesmo raciocínio vale para normas confiadas à iniciativa privativa do Poder Judiciário ou do Tribunal de Contas.
Observe-se que o STF considera inconstitucionais não apenas as normas das constituições estaduais ou leis orgânicas municipais que consagrem regras de iniciativa diversas daquelas adotadas no padrão federal. Se a Constituição Federal determina que certa matéria deve ser disciplinada por lei de iniciativa do Presidente da República, a Corte entende que nem mesmo emenda à Constituição estadual poderá dispor sobre o tema, já que esta não provém, em geral, do chefe do Poder Executivo.
Anteriormente, o STF invocava esta orientação até para a própria Constituição estadual originária. Mais recentemente, a Corte parece ter revisto a sua jurisprudência neste ponto, ao afirmar que “a regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado”.
De fato, tal posição é pacífica na Suprema Corte. Vejamos excertos de julgamentos realizados pelo Supremo:
“ EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO DO ARTIGO 40 E DA EXPRESSÃO "APÓS TRINTA ANOS DE SERVIÇO" CONTIDA NO INCISO V DO ARTIGO 136, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA. PRECEITO QUE PROIBIRIA O GOVERNADOR DE TOMAR A INICIATIVA DE PROJETOS DE LEI REFERENTES À ALTERAÇÃO DE VENCIMENTOS DOS SERVIDORES. PRECEITO QUE ASSEGURARIA APOSENTADORIA FACULTATIVA APÓS TRINTA ANOS DE SERVIÇO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA 'A' E ARTIGO 40, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. SITUAÇÃO DE EXCEÇÃO QUE É INTEGRADA AO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. O constituinte estadual não pode estabelecer hipóteses nas quais seja vedada a apresentação de projeto de lei pelo Chefe do Executivo sem que isso represente ofensa à harmonia entre os Poderes. 2. Quanto ao inciso V do artigo 136 da Constituição paraibana, as alterações introduzidas no texto do artigo 40 da Constituição do Brasil modificaram-no substancialmente [Emendas Constitucionais n. 20 e 41]. Ainda que a jurisprudência da Corte aponte no sentido de que alterações substanciais no texto constitucional implicam o prejuízo do pedido da ação, no caso, dada a peculiaridade da questão posta nos autos, houve exame de mérito com fundamento no texto constitucional anterior. 3. A hipótese consubstancia situação de exceção, que deve ser trazida para o interior do ordenamento jurídico e não ser deixada à margem dele. 4. Pedido julgado procedente, para declarar inconstitucionais o artigo 40 e o trecho "após trinta anos de serviço" contido no inciso V do artigo 136, ambos da Constituição do Estado da Paraíba.
(ADI 572, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 28/06/2006, DJ 09-02-2007 PP-00016 EMENT VOL-02263-01 PP-00001)
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições. Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder Constituinte Estadual decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da remuneração dos servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, "a" e "c" c/c artigos 2º e 25). Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente.
(ADI 1353, Relator(a): MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2003, DJ 16-05-2003 PP-00092 EMENT VOL-02110-01 PP-00108)”
“De fato, a jurisprudência da Corte estava assentada no sentido de que o legislador constituinte estadual, inclusive o decorrente inicial, não podia dispor sobre matéria reservada à iniciativa do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, da CF/88), uma vez que não estaria garantida, no processo legislativo, a participação do Poder Executivo, incidindo-se em inconstitucionalidade formal (cf. ADI nº 270/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30/4/04; ADI nº 1.695/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 28/5/04; ADI nº 1.353, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 16/5/03; ADI nº 250/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 15/8/02; ADI nº 102/RO, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 8/8/02; ADI nº 843/MS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 13/9/02; e ADI nº483, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 29/6/01). [...]
Contudo, mais recentemente, esse entendimento vem sendo temperado pela Corte para distinguir entre as disposições originárias e aquelas decorrentes de emenda constitucional, de forma que as regras de iniciativa reservada previstas na Carta da República não seriam aplicáveis às normas originárias das constituições dos estados ou da Lei Orgânica do Distrito Federal, como se confere na ementa da ADI nº 2.581/SP:
“(...) INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO -
INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à
iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado (...)” (ADI nº 2.581/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, DJ de 15/8/08).
(ADI 1167, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015)”
Desta forma, resta claro que, em se tratando de Emenda que buscar instituir novo órgão (Polícia Penal), bem como instituir regramentos sobre forma de ingresso na carreira de Policial Penal, alteração de cargos existentes, entre outras matérias tipicamente afetas à organização administrativa e a servidores públicos, a iniciativa tem que ser, obrigatoriamente, conforme acima explanado, do Chefe do Poder Executivo, como realizado na PEC 13/2020, objeto de análise deste Parecer.
Importante também destacar o artigo 19 da Constituição Estadual:
“Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça, ao Defensor Público-Geral do Estado e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.
§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre: [...]
IV - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos públicos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis, reforma e transferência de integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar para a inatividade;
VI - criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado, de órgãos e de entidades da administração pública.”
De mais a mais, resta clara a competência do Governador do Estado para tratar da matéria em questão. Materialmente a PEC nº 13/2020, reproduz boa parte das normas constantes da supracitada Emenda Constitucional nº 104/2019, de 4 de dezembro de 2019, que inseriu regras referentes à Polícia Penal na Constituição Federal, de forma que é constitucional.
Assim sendo, tecidas as considerações pertinentes, conclui-se pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição Estadual nº 13/2020, de autoria do Governador do Estado.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Ante o exposto, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição Estadual nº 13/2020, de autoria do Governador do Estado.
Histórico