
Parecer 3589/2020
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1299/2020
AUTORIA: DEPUTADO PROFESSOR PAULO DUTRA
PROPOSIÇÃO QUE ADOTA A ESCRITORA CLARICE LISPECTOR COMO PATRONA DA LITERATURA PERNAMBUCANA. COMPETÊNCIA REMANESCENTE DOS ESTADOS-MEMBROS, VIDE ART. 25, §1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INICIATIVA PARLAMENTAR NOS TERMOS DO ART. 19, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE, DE ILEGALIDADE OU DE ANTIJURIDICIDADE. PELA APROVAÇÃO CONFORME EMENDA MODIFICATIVA DESTE COLEGIADO.
1. RELATÓRIO
É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça (CCLJ), para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 1299/2020, de autoria do Deputado Professor Paulo Dutra, com o objetivo de declarar a escritora Clarice Lispector como Patrona da Literatura Pernambucana.
Consoante justificativa apresentada, in verbis:
Clarice Lispector e família chegaram ao Brasil em 1922. Aportaram no Recife e seguiram para acolhimento do parente por parte de mãe, em Maceió. Graças aos laços de parentesco no Recife, o pai, Pedro Lispector à capital Pernambucana. Ele, a mulher, Mania Krimgold, e as três filhas, Elisa, Tanya e Clarice, passaram a morar no andar de cima do casarão de número 387, na Praça Maciel Pinheiro.
Ali Clarice teve seu primeiro contato com o Jardim da infância. Não a expressão utilizada para o ambiente escolar que recebe crianças da primeira fase. Um jardim mesmo. Diante da casa, acolhendo os imigrantes de várias partes do mundo, circundando este espaço planejado que viria a ser chamado de praça com direito a fonte representando lendas brasileiras.
Clarice e as irmãs tiveram acesso à melhor educação possível na época, em escolas públicas. Do João Barbalho ao Ginásio Pernambucano, onde a adolescente colecionou memórias, recuperadas em contos e crônicas, publicadas em diferentes coletâneas, por diversas vezes.
Podemos citar algumas como "Felicidade Clandestina", onde uma garota sofre quando uma colega, filha do dono de livraria, adia o empréstimo do livro que tanto aspira. Ou a lembrança da piora no estado de saúde da mãe, quando pela primeira vez participaria dos festejos momescos, característicos do povo pernambucano, momento recuperado na crônica "Restos de Carnaval". São muitos os momentos em que o povo Pernambucano e as memórias no período vivido no Recife surgem na sua obra, como na crônica, menos conhecida ou comentada, "A favor do medo", onde escreveu a frase: "Boca de povo em Pernambuco não erra".
Carlos Drummond de Andrade quando escreveu um poema para Clarice Lispector, por ocasião da morte dela, cita as “brumas do Recife”. Como se fossem estas as vestes a contornar o corpo da autora, que primeiro se tornava estátua pública na Praça Maciel Pinheiro, diante da casa onde a família morou. O corpo devolvido, na matéria-prima da pedra, pelo pertencimento dela à cidade da infância. Ainda que não haja um espaço para apreciação da obra e da história de vida da autora, aquele símbolo confere alguma recuperação à importância literária e histórica desta autora para o nosso estado. Tão relevante são estas expressões herdadas de uma infância marcada pela dor da morte da mãe, no lugar que guarda, da mesma matéria de pedra, a mensagem das filhas, na lápide da sepultura de Mania Krimgold Lispector, localizada no cemitério dos Israelitas, no bairro do Barro, Região Metropolitana do Recife.
Do pertencimento de Clarice Lispector ao Recife dos anos de 1925 a 1935. No documentário “A descoberta do mundo”, de Taciana Oliveira e Teresa Montero, exibido em 2017, não por acaso no Teatro Santa Isabel, palco onde Clarice conheceria seu primeiro espetáculo de teatro, e correria para casa escrever de próprio punho a primeira peça de autoria dela mesma, em apenas duas páginas de caderno escolar, vimos o depoimento da ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon, afirmando que Clarice tinha “certos dizeres, certas expressões muito próprias do Nordeste, sobretudo de Pernambuco”.
E o que dizer do livro “A descoberta do mundo”, editado pelo filho da autora, Paulo Gurgel Valente, no ano de 1984, mostrando que enquanto cronista, uma face da Literatura dela que se revelou no exercício de preenchimento do espaço de uma coluna semanal, publicada aos sábados no Jornal do Brasil, e de onde extraímos textos onde Clarice menciona em pelo menos dezesseis de seus textos a cidade-personagem, capital pernambucana, o Recife. Nas palavras do filho, então editor: “Este livro reúne, em ordem cronológica, as contribuições de Clarice que apareceram aos sábados no Jornal do Brasil, de agosto de 1967 a dezembro de 1973. Julgamos que seria importante oferecer ao leitor esta visão geral, que de outra forma ficaria dispersa, destes textos que não se enquadram facilmente como crônicas, novelas, contos, pensamentos, anotações. ”
Patrono é aquele que luta ou defende uma causa, é um protetor de um princípio. Por extensão, um escritor, cientista, artista eleito por uma classe como tutor de seus ideais e seus princípios. Com a culminância da obra de Clarice Lispector sendo a nordestina Macabéa, e diante de todo o apreço demonstrado pela classe artística e escritores locais, como se observa em redes sociais, podemos aqui dizer que a decisão apenas reflete o desejo de todos que se expressão a partir da Literatura, e que encontram o consolo da Arte nas Letras.
Para concluir esta argumentação, talvez caiba ainda recuperar a frase escrita de próprio punho pela autora, em carta endereçada ao amigo Augusto Ferraz, também nordestino como ela, que ajudou Clarice em seu retorno à cidade, no ano de 1976.
Como lembra o poeta, Clarice partiu de um mistério para o outro. “E ficamos sem compreendê-la”, o poeta tem seu grão de razão. Talvez porque seja difícil entender esta mulher de rosto enigmático, que guardava em si mesma tanta beleza. O que lhe movia não eram os rumores das saias armadas nos salões de festa do Itamaraty ou o brilho dos lustres, mas os rumores das ruas e de seus habitantes.
O PLO em cotejo tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime de urgência.
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Nos termos do art. 94, I, do RI desta Assembleia Legislativa, compete a esta Comissão Técnica dizer sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das proposições.
Do ponto de vista formal, a matéria está inserta na competência legislativa remanescente dos Estados-membros, prevista no art. 25, § 1º, da Constituição Federal (CF/88):
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
Competência remanescente significa tudo que sobra, o restante. É aquela sobre a qual o Texto Constitucional manteve-se silente. Assim, quando a competência para legislar sobre determinado assunto não for expressamente conferida aos outros entes, e não afrontados demais preceitos constitucionais, esta deverá ser exercida pelos estados.
Segundo o constitucionalista José Afonso da Silva:
“Quanto à forma (ou o processo de sua distribuição), a competência será: (a) enumerada, ou expressa, quando estabelecida de modo explícito, direto, pela Constituição para determinada entidade (arts. 21 e 22, p. ex.); (b) reservada ou remanescente e residual, a que compreende toda matéria não expressamente incluída numa enumeração, reputando-se sinônimas as expressões reservada e remanescente com o significado de competência que sobra a uma entidade após a enumeração da competência da outra (art.25, §1º: cabem aos Estados as competências não vedadas pela Constituição), enquanto a competência residual consiste no eventual resíduo que reste após enumerar a competência de todas as unidades, como na matéria tributária, em que a competência residual – a que eventualmente possa surgir apesar da enumeração exaustiva – cabe à União (art. 154, I).” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 38ª ed., 2015, p.484).(Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 38ª ed., 2015, p.484).
Assim, uma vez que o conteúdo exposto na proposição não se encontra no rol exclusivo da competência da União e dos Municípios, forçoso considerá-la inserta na competência remanescente dos Estados, nos termos art. 25, §1º, da CF/88.
Ademais, a iniciativa parlamentar em cotejo encontra fundamento no art. 19, caput, da Constituição Estadual, e no art. 194, I, do Regimento Interno desta Casa, uma vez que o Deputado Estadual detém competência legislativa para apresentar projetos de leis ordinárias.
Com o fim de adequar a redação do presente projeto às prescrições da Lei Complementar Estadual nº171/2011, propõe-se a aprovação de Emenda Modificativa, nos termos que seguem:
EMENDA MODIFICATIVA N° /2020
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1299/2020.
Altera a redação da ementa e do art. 1º do Projeto de Lei Ordinária nº 1299/2020, de autoria do Deputado Professor Paulo Dutra.
Art. 1º A ementa do Projeto de Lei Ordinária nº 1299/2020 passa a ter a seguinte redação:
“Declara a escritora Clarice Lispector como Patrona da Literatura Pernambucana.”
Art. 2º O art. 1º do Projeto de Lei Ordinária nº 1299/2020 passa a ter a seguinte redação:
“Art. 1º Fica a escritora Clarice Lispector declarada Patrona da Literatura Pernambucana.
Feitas essas considerações, opina o relator pela emissão de parecer, por esta Comissão de Legislação, Constituição e Justiça, no sentido da aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1299/2020, de autoria do Deputado Professor Paulo Dutra, com observância da Emenda Modificativa acima proposta.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Em face das considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1299/2020, de autoria do Deputado Professor Paulo Dutra, observada a Emenda Modificativa deste Colegiado.
Histórico