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Parecer 3387/2020

Texto Completo

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 913/2020

 

AUTORIA: DEPUTADA DELEGADA GLEIDE ÂNGELO

 

PROPOSIÇÃO QUE ALTERA A LEI Nº 16.272, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2017, QUE INSTITUI O PROGRAMA DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR, A FIM DE INCLUIR A RESERVA DE BOLSAS PARA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR, PESSOA COM DEFICIÊNCIA E PESSOA COM DOENÇA GRAVE OU RARA. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA LEGISLAR SOBRE EDUCAÇÃO E MEIOS DE ACESSO AO ENSINO (ART. 23, INCISO V, E ART. 24, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). CONSTITUCIONALIDADE DA RESERVA DE BOLSAS COMO AÇÕES AFIRMATIVAS. PRECEDENTES DO STF. PELA APROVAÇÃO.

 

1. RELATÓRIO

É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 913/2020, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, que busca alterar a Lei nº 16.272, de 22 de dezembro de 2017, para incluir a previsão de reserva de bolsas para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, pessoas com deficiência e pessoas com doença grave ou rara.  

O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, Regimento Interno).

É o relatório.

2. PARECER DO RELATOR

Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 94, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas a sua apreciação.

A proposição em análise encontra guarida no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de matérias afetas à iniciativa privativa do Governador do Estado. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, sua constitucionalidade formal subjetiva.

Pela ótica das competências constitucionais, a matéria versada no Projeto de Lei nº 913/2020 está inserta na esfera de competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal, conforme estabelece o art. 24, inciso IX (educação, ensino, cultura e desporto), bem como na de competência material comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, segundo prevê o art. 23, inciso V, (proporcionar os meios de acesso à educação), ambos da Constituição Federal:

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar 
concorrentemente sobre:

[...]

IX - educação, cultura, ensino e desporto;

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos  Municípios:

[...]

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

 

Por outro lado, do ponto de vista material, cumpre registrar que a instituição de uma política voltada à reserva de bolsas para parcelas mais vulneráveis da população é uma forma de garantir o seu acesso às instituições de ensino superior, tendo por finalidade a minoração de um processo histórico-social de exclusão de cidadãos específicos, seja beneficiando minorias, seja assegurando condições mínimas de exercício de direitos.

Pelo primado do Estado Democrático de Direito, todos os indivíduos deveriam competir em igualdade de condições na acessibilidade das vagas a cargos públicos, universidades públicas, cargos políticos etc. Todavia, por uma série de fatores possíveis, alguns cidadãos acabam alijados da participação do processo concorrencial, oportunidade em que o Estado é instado a minorar as distorções, tentando proporcionar algum equilíbrio entre os concorrentes.

Nesse contexto estão as discriminações positivas ou affirmative actions (ações afirmativas), que têm amparo no princípio da  isonomia material (e não meramente formal), segundo a qual os cidadãos desiguais devem ser tratados de modo desigual, na medida da sua desigualdade. (vide: MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa “affirmative action” no direito norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001; e BARBOSA, Rui. Oração aos moços: edição comemorativa do centenário de nascimento do grande brasileiro. São Paulo: Reitoria da Universidade de São Paulo, 1949).

Há de se ressaltar, contudo, que não é qualquer ação afirmativa que se mostra compatível com os preceitos constitucionais. Em verdade,  a análise deve ser feita caso a caso, sob pena de o ordenamento jurídico passar a promover discriminações negativas – e não positivas –, conferindo vantagem a cidadãos que não se encontram em situação de inferioridade ou vulnerabilidade.

Na hipótese ora analisada, verifica-se que o Projeto de Lei nº 913/2020 prevê a reserva de bolsas para mulheres vítimas de violência doméstica, pessoas com deficiência e pessoas com doença grave ou rara que, concomitantemente, tenham cursado todo o ensino médio em escolas públicas da rede estadual e possuam renda familiar igual ou inferior a três salários mínimos.

Em casos análogos, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de julgar a matéria relativa a ações de caráter afirmativo, entendendo pela plena constitucionalidade, por exemplo, dos sistemas de cotas adotados em universidades federais:

 

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. POLÍTICA DE AÇÕES AFIRMATIVAS. INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR. USO DE CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL. AUTOIDENTIFICAÇÃO. RESERVA DE VAGA OU ESTABELECIMENTO DE COTAS. CONSTITUCIONALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. I – Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 597285, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-053 DIVULG 17-03-2014 PUBLIC 18-03-2014)

 

Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.

II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.

III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.

IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.

V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.

VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes.

VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos.

VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente. (ADPF 186, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10-2014)

 

Portanto, a priori, a previsão de reserva de bolsas para alunos de grupos vulneráveis revela-se consentânea com a situação de exclusão vivenciada por aqueles que, em regra, possuem dificuldades de acesso ao ensino superior.

Desse modo, inexistem vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que possam comprometer a validade do Projeto de Lei ora analisado.

Por fim, registra-se que caberá às Comissões responsáveis pela análise de mérito, notadamente à Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular, avaliar a adequação dos demais critérios elencados na proposição, em especial acerca da pertinência dos grupos beneficiados.

Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 913/2020, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo.

É o Parecer do Relator.

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 913/2020, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo.

Histórico

[25/06/2020 13:13:03] ENVIADA P/ SGMD
[25/06/2020 17:44:50] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[25/06/2020 17:45:37] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO
[26/06/2020 10:32:31] PUBLICADO





Informações Complementares






Esta proposição não possui emendas, pareceres ou outros documentos relacionados.