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Parecer 2697/2020

Texto Completo

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1015/2020

 

AUTORIA: DEPUTADA DELEGADA GLEIDE ÂNGELO

 

PROPOSIÇÃO QUE SUSPENDE OS PRAZOS DE VALIDADE DE CONCURSOS PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS PELO PERÍODO EM QUE PERDURAR SITUAÇÃO ANORMAL CARACTERIZADA COMO “ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA”, ESTABELECIDA POR DECRETO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL OU MUNICIPAL. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL. SUSPENSÃO DE PRAZO DECADENCIAL COM PREVISÃO LEGAL. APRESENTAÇÃO DE SUBSTITUTIVO PARA: A) REMETER O REGRAMENTO PROPOSTO NO PROJETO PARA O ÂMBITO DA LEI ESTADUAL DOS CONCURSOS PÚBLICOS E B) EXCLUIR OS MUNICÍPIOS DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO PROJETO. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APRESENTADO PELO RELATOR.

 

1. RELATÓRIO

 

Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 1015/2020, de autoria da Deputada Gleide Ângelo, que suspende os prazos de validade de concursos públicos estaduais e municipais pelo período em que perdurar situação anormal caracterizada como “Estado de Calamidade Pública”, estabelecida por Decreto do Chefe do Poder Executivo estadual ou municipal.

 

Em síntese, a proposição prevê que ficam excepcionalmente suspensos os prazos de validade de concursos públicos estaduais e municipais promovidos pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como pelo Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas, no âmbito do Estado de Pernambuco, pelo período em que perdurar situação anormal de calamidade pública. Além disso, o projeto de lei estabelece que, findado o período de calamidade, os prazos de validade dos concursos prosseguirão pelo lapso temporal remanescente. Por fim, a proposta dispõe que os responsáveis pela organização dos concursos públicos deverão publicar em veículo oficial e site institucional a informação de suspensão dos prazos.

 

O Projeto de Lei tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, Regimento Interno).

 

É o relatório.

2. PARECER DO RELATOR

 

A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.

 

 

Inicialmente, imperioso proceder à análise do art. 37, inciso III, da Constituição Federal (CF), que estabelece o prazo máximo de validade de concursos públicos realizados por todos os entes de federativos, in verbis:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:             (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[...]

III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período;

 

Não se desconhece o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal – STF- no sentido de que o referido prazo possui natureza decadencial (STF, RE 352258, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 27/04/2004; STJ, REsp 1197146, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 23/08/2010). De fato, em se tratando de decadência, não se admite, em regra, a suspensão, interrupção ou prorrogação do seu transcurso, conforme se infere do ensinamento de Farias, Netto e Rosenvald:

 

Importante fixar que os prazos decadenciais, em regra, não se interrompem, nem se suspendem, ao revés dos prazos prescricionais. Por conseguinte, a regra é que não se aplicam à decadência os dispositivos legais que tratam da suspensão, impedimento e interrupção da prescrição, fluindo o prazo decadencial contra todos automaticamente e sem solução de continuidade. (FARIAS, C.C.; NETTO, F.B.; ROSENVALD, N.; Manual de Direito Civil – Volume Único. 3ª ed.. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 634)

 

No entanto, impende registrar que o art. 207 do Código Civil confere a possibilidade de lei estabelecer hipóteses de suspensão de prazos decadenciais (“Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”). Neste sentido, pode ser questionado se normas infraconstitucionais teriam o condão de, na forma do que prevê o supracitado artigo 207, suspender o prazo decadencial de validade dos concursos públicos.

 

Em nosso ver é errôneo o raciocínio jurídico que conduz à completa e absoluta impossibilidade de suspensão do referido prazo por meio de proposição legislativa no âmbito de atuação autônoma dos entes federativos.

 

Primeiramente, o próprio art. 207 do Código Civil estabelece a possibilidade de a legislação infraconstitucional inovar na ordem jurídica e estabelecer hipóteses de suspensão de prazos decadenciais. A redação do dispositivo é abrangente e não faz qualquer ressalva quanto à hierarquia da norma que contenha o prazo decadencial.

 

Assim, é evidente que a regra geral de impossibilidade de suspensão pode ser excepcionada em razão de norma específica e expressa que assim autorize, exatamente como a que se propõe no PL 1015/2020. Isso não configura esvaziamento do comando constitucional, mas, muito ao contrário, cuida de adequá-lo a situações que não podia o legislador constituinte, à época, antever, assegurando durabilidade e estabilidade ao longo dos anos sem a necessidade de modificação via emenda à constituição.

 

Viola a principiologia básica da hermenêutica jurídica a conclusão segundo a qual, em razão de o prazo de validade dos concursos públicos ter assento constitucional (artigo 37, inciso III), decorreria a necessidade de que eventual causa suspensiva também seja disciplinada na Lei Maior. Essa interpretação conduz a um engessamento incompatível com um estado federativo, bem como faz supor que o texto constitucional deve contemplar toda e qualquer situação de excepcionalidade, o que se revela um contrassenso.

 

Em que pese seja a CF/88 notoriamente extensa e analítica, não há qualquer razoabilidade em exigir que o diploma de maior status de hierarquia jurídica desça às minúcias em torno de todos prazos que estabelece, inclusive porque seria impossível a tarefa de prever quais causas autorizariam, antecipadamente, a adoção de medidas tais como a suspensão, a interrupção e o impedimento de prazos decadenciais. A Constituição de um Estado Federativo deve estabelecer diretrizes e linhas gerais de organização e divisão dos poderes, sem, com isso, imiscuir-se no espaço de atuação dos demais entes federativos e/ou do espaço de conformação deixado para o legislador infraconstitucional

 

No entanto, a conclusão acima não deve ceder espaço a distorções: é evidente que não se admite que qualquer espécie normativa de ordem infraconstitucional estipule prazos de validade superiores a dois anos ou a possibilidade de prorrogação por duas vezes ou mais. Porém não é necessário maior esforço para perceber que o PL em apreço não tenta promover qualquer distorção do comando constitucional. Muito ao contrário, preza pela segurança jurídica e pela eficiência administrativa, pois assegura que os certames em vigor não percam sua utilidade enquanto persistir a situação de total excepcionalidade e emergência causada pela pandemia da COVID-19.

 

Na ordem política, o reconhecimento formal de estado de calamidade pública, em âmbitos federal e estadual, é prova inequívoca da situação de exceção acima indicada, cabendo destaque, nesse ponto, para o fato de tratar-se de um contexto no qual todo o globo está inserido, não apenas o Brasil.

 

Na ordem jurídica, por sua vez, a decretação do estado de calamidade pública legitima a adoção de uma série de providências, tais como a possibilidade de abertura de créditos extraordinários (art. 167, §3º), para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, de instituição de empréstimos compulsórios pela União (art. 148, I) e até mesmo de decretação de Estado de Sítio (art. 136).

 

A LRF, a seu turno, dispensa (art. 65) os entes federativos do cumprimento dos prazos para a recondução da despesa de pessoal e do endividamento público (dívida consolidada) aos limites legais, bem como os dispensa do atingimento dos resultados fiscais e da limitação de empenho. A queda na arrecadação estadual impactará sobremaneira a gestão dos órgãos públicos, os quais terão seus repasses (duodécimos) proporcionalmente reduzidos e necessitarão adequar-se a tal panorama mediante a adoção de planos de contingenciamento de gastos.

 

Tudo isso conduz à inevitável contenção de gastos com despesas de pessoal, nas quais se incluem novas nomeações de servidores aprovados em concursos públicos cujo prazo de validade esteja em vigor em todo o Estado de Pernambuco

 

A título informativo, há muitos certames com prazos de validade em vigor. Por todos, citem-se: servidores do TJPE, servidores do TCE/PE, servidores do MPPE, membros da DPE/PE, membros e servidores da PGE/PE, servidores da FUNAPE, agentes e delegados de Polícia da PC/PE. Assim, em virtude do estado de calamidade pública decretado, bem como das restrições de despesa, sobretudo as de pessoal, todos esses órgãos encontrarão graves dificuldades para prover seus cargos e temem assistir, paralisados, o escoamento do prazo de validade sem poder adotar qualquer medida no sentido de convocar os candidatos regularmente aprovados.

 

Esse cenário fere frontalmente os princípios da segurança jurídica – tanto pelas expectativas geradas nos aprovados, quanto pela incerteza gerada em cada órgão acerca do ingresso de novos servidores – da eficiência e da economicidade administrativas – no ponto em que há grave risco de os certames não poderem ser aproveitados e isso acarrete novos gastos para a Administração. 

 

Inclusive, outros Estados da Federação, em momentos nos quais restou comprovada situação calamitosa decretada pelo Executivo e reconhecida pelo Legislativo, editaram leis com intuito semelhante ao da proposição ora analisada, recebendo acolhida por parte dos Tribunais locais. Vejamos excerto de decisão do TJ/RJ:

 

“Agravo interno e Agravo de Instrumento. Deferimento de tutela de urgência de caráter antecedente. Concurso Público Estadual para provimento de cargo de Professor Docente I (2013). Pedido liminar de nomeação e posse de candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no Edital. Recurso do Estado. Alegada suspensão do prazo de validade do certame por conta do estado de calamidade pública decretado pelo Chefe do Executivo e ratificado pelo Legislativo. Decreto 45.692/16. Lei 7.483/16. Circunstâncias excepcionais. 1- Suspensão determinada pelo art. 3º da Lei 7.483 que não atingiu o concurso em análise, cujo prazo de validade expirou em 29/04/16, antes da edição do decreto. Sobrestamento que pode alcançar apenas os prazos que ainda estavam em curso, e não aqueles que já haviam transcorrido por completo, encerrando o próprio certame. 2- Entendimento firmado pelo STF no julgamento do RE 598.008 no sentido de que mesmo candidatos aprovados dentro das vagas oferecidas em edital - aos quais, via de regra, se reconhece o direito à nomeação e posse - podem ser afetados pela superveniência de circunstâncias imprevisíveis, graves e incontornáveis que justifiquem a recusa da Administração em realizar novas nomeações. 3- Fatos notórios que indicam, em juízo de cognição sumária, que as atuais circunstâncias das contas do Estado do Rio de Janeiro reúnem as características de superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade que autorizam o Poder Público a cessar a admissão de novos servidores, até mesmo aqueles habilitados pela aprovação em concurso público, enquanto o quadro de escassez comprometer o pagamento dos servidores que já existem. 4- Recurso provido para indeferir o pedido liminar de nomeação e posse no cargo.

 

(TJ-RJ - AI: 00615778120178190000 RIO DE JANEIRO CAMPOS DOS GOYTACAZES 4 VARA CIVEL, Relator: EDUARDO GUSMÃO ALVES DE BRITO NETO, Data de Julgamento: 12/06/2018, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 21/06/2018)”

 

Não obstante todo o expsoto, o Projeto, tal qual apresentado originalmente pela eminente Deputada apresenta a necessidade de aperfeiçoamento e supressão de vício de inconstitucionalidade.

 

Inicialmente, é de bom alvitre que a modificação seja realizada mediante alteração na Lei Estadual nº 14.538, de 2011, que regula os concursos públicos realizados em Pernambuco.

 

Ademais, imprescindível retirar do âmbito de incidência do Projeto a menção aos concursos realizados pelos Municípios. Neste particular, consubstancia-se afronta perpetrada pelo Estado-membro à autonomia municipal, consagrada nos arts. 18 e 30 da CF.

 

Diante de todo o exposto, propõe-se o seguinte Substitutivo:

 

SUBSTITUTIVO Nº   /2020, AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1015/2020

 

Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1015/2020.

 

Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1015/2020 passa a ter a seguinte redação:

 

 

“Altera a Lei nº 14.538, de 14 de dezembro de 2011, que institui regras para a realização dos concursos públicos destinados a selecionar candidatos ao ingresso nos cargos e empregos públicos da Administração Direta, Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista do Estado de Pernambuco, de autoria do Deputado Ricardo Costa, a fim de estabelecer excepcional hipótese de suspensão do prazo de validade dos certames.

 

Art. 1° A Lei nº 14.538, de 14 de dezembro de 2011, passa a vigorar com os seguintes acréscimos:

 

Art. 26-A. Ficam suspensos os prazos de validade de concursos públicos já homologados e em fase de convocação de aprovados durante o período em que perdurar situação excepcional de calamidade pública, reconhecida nos termos do artigo 65 da Lei Complementar Federal nº 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal. (AC)

            Parágrafo Único.  Os prazos de validade retomarão seu curso, pelo período que lhes restava na data de publicação do ato de suspensão, tão logo reconhecida, por ato formal do Chefe do Poder Executivo Estadual, a normalização da situação calamitosa. (AC)”

 

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

 

 

Diante do exposto, opina-se pela aprovação, nos termos do substitutivo ora proposto, do Projeto de Lei Ordinária nº 1015/2020, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, nos termos do Substitutivo apresentado.

 

É o Parecer do Relator.

 

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

 

Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação, nos termos do substitutivo, do Projeto de Lei Ordinária nº 1015/2020, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, nos termos do Substitutivo apresentado.

Histórico

[02/05/2020 20:22:22] PUBLICADO
[14/04/2020 12:55:48] ENVIADA P/ SGMD
[14/04/2020 16:57:28] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[14/04/2020 16:58:20] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO





Informações Complementares






Esta proposição não possui emendas, pareceres ou outros documentos relacionados.