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Parecer 2536/2020

Texto Completo

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1018/2020

AUTORIA: DEPUTADO JOEL DA HARPA

PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES FINANCEIRAS REFERENTES A EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS CONTRAÍDOS POR SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS, NO ÂMBITO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, DURANTE O PERÍODO DE 90 DIAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. ART. 61, §1º C/C 84, II DA CF/88 E ART. 19, §1º, IV E VI DA CONSTITUIÇAÕ ESTADUAL. MATÉRIA DE DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO.  PELA REJEIÇÃO, POR VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

1. RELATÓRIO

 

É submetido a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 1018/2020, de autoria do Deputado Joel da Harpa, que dispõe sobre a suspensão do cumprimento de obrigações financeiras referentes a empréstimos consignados contraídos por servidores públicos estaduais, no âmbito do Estado de Pernambuco, durante o período de 90 dias e dá outras providências.

O projeto em comento possui nítido objetivo de prover alívio financeiro para servidores que contrataram empréstimos consignados em folha de pagamento, tendo em vista o período de crise devido ao coronavírus (Covid-19). Segundo afirma o autor da proposição:

Diante da grave crise de saúde que o Brasil e o mundo estão vivendo com o agravamento da disseminação do novo coronavírus, causador da Covid-19, responsável por milhares de mortes em várias partes do planeta. E ainda, considerando os impactos negativos nas rendas familiares e na economia do Estado de Pernambuco, a proposta vem no sentido de resguardar os servidores públicos estaduais que contraíram empréstimos consignados, com desconto em folha. (...)

O Projeto em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (Art. 223, III, Regimento Interno).

É o relatório.

2. PARECER DO RELATOR

A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa. No entanto, está no rol de matérias, cuja iniciativa é reservada privativamente ao Governador do Estado. Apresentando, desta feita, vício de iniciativa, conforme demonstrado a seguir.

Conforme elucidado pelo proponente, o PLO nº 1018/2020 possui objetivo de promover alívio financeiro para os diversos servidores públicos que contrataram empréstimos consignados em folha de pagamento.

Embora o projeto em análise tenha um objetivo extremamente louvável, padece de vício de inconstitucionalidade na medida em que dispõe sobre regime jurídico dos servidores e viola o princípio constitucional da reserva da administração.

Em relação ao regime jurídico, toma relevo assentar-se o que é regime jurídico dos servidores públicos. Carvalho Filho ensina que “é o conjunto de regras que regulam a relação jurídica funcional entre o servidor público estatutário e o Estado”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 603).

O STF adota definição similar para a expressão “Regime Jurídico dos Servidores”:

(...)  SIGNIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DO REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS (CIVIS E MILITARES) – A locução constitucional “regime jurídico dos servidores públicos” corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. Nessa matéria, o processo de formação das leis está sujeito, quanto à sua válida instauração, por efeito de expressa reserva constitucional, à exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes. (...) (ADI 2364, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 06-03-2019 PUBLIC 07-03-2019)

 

Em outras palavras, regime jurídico dos servidores públicos pode ser entendido como o conjunto de regras e princípios que estabelecem direitos, deveres e normas de conduta que regem a relação ente o servidor e o Poder Público.

Uma vez configurada a interferência do regime jurídico dos servidores, fica patente a inconstitucionalidade formal subjetiva, pois somente o Governador pode ter a iniciativa de lei sobre essa matéria, nos termos do art. 19, § 1º, IV, da Constituição Estadual, in verbis:

Art. 19. [...]

§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:

IV – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos públicos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis, reforma e transparência de integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar para a inatividade.

 

Ademais, a jurisprudência do STF é sólida em assegurar que somente o Chefe do Poder Executivo pode apresentar leis visando dispor sobre o regime jurídico dos servidores públicos.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.000, 16 DE JANEIRO DE 1.997, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE ANISTIA ÀS FALTAS PRATICADAS POR SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 37, CAPUT E INCISO II, E 61, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição do Brasil foi alterado pela EC 19/98. A modificação não foi, todavia substancial, consubstanciando mera inovação na sua redação. 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. Precedentes. 3. O ato impugnado diz respeito a servidores públicos estaduais --- concessão de anistia a faltas funcionais. A iniciativa de leis que dispõem sobre regime jurídico de servidores públicos é reservada ao Chefe do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 7.000, 16 de janeiro de 1.997, do Estado do Rio Grande do Norte”. (ADI 1594, Relator o Ministro Eros Grau, Tribunal  Pleno, DJ de 22/8/08). (grifos inautênticos)

 

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ARTIGO 61, § 1º, DA CB/88. COMPETÊNCIA PRIVATIVA. CHEFE DO PODER EXECUTIVO. LEGISLAÇÃO LOCAL. FATOS E PROVAS.

SÚMULAS 279 E 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no  sentido de que o artigo 61, § 1º, da Constituição do Brasil, confere ao Chefe do Poder Executivo a competência privativa para iniciar os processos de elaboração de textos legislativos que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração Direta e Autárquica, o aumento da respectiva remuneração, bem como os referentes a servidores públicos da União e dos Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria. Esta cláusula da reserva de iniciativa, inserta no § 1º do artigo 61 da Constituição de 1988, é corolário do princípio da harmonia e interdependência entre os Poderes, sendo de compulsória observância pelos entes-federados, inclusive no exercício do poder reformador que lhes assiste. Precedentes. 2. Para dissentir-se do acórdão recorrido seria necessário o reexame de legislação local e de fatos e provas, circunstâncias que impedem a admissão do recurso extraordinário ante os óbices das Súmulas ns. 279 e 280 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento”. (RE 554536 AgR, Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, Dje de 10/10/08). (grifos inautênticos)

            A matéria atinente a empréstimos consignados se enquadra no regime jurídico de servidores públicos, motivo pelo qual há de ser tratado por lei do chefe do Poder Executivo, em se tratando da maioria dos servidores públicos estaduais.

            Entendimento similar foi exposto pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul. Aquele Casa Legislativa rejeitou o PLO nº 116/2019 que fazia limitação percentual de empréstimo consignado pelo mesmo fundamento acima exposto.

 

            Não bastasse todo o exposto, mister salientar que eventual suspensão da efetivação dos descontos de empréstimos consignados de servidores públicos é medida que interfere diretamente na relação contratual que é mantida entre os servidores, as instituições bancárias e mesmo a Administração Pública. Tal providência é tipicamente matéria de direito civil, de forma que tão-somente a União poderia legislar sobre o assunto, já que a ela privativamente foi conferida a competência legislativa para tal. Vejamos excerto de Parecer exarado pelo então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, nos autos da ADI 5.022/RO:

 

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. PROCESSO LEGISLATIVO. LEI COMPLEMENTAR 717/2013 DE RONDÔNIA. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO DE SERVIDOR ESTADUAL, SEM ANUÊNCIA DE ENTIDADE CONSIGNATÁRIA SOB REGIME DE LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DO COMPLEXO NORMATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO CIVIL E POLÍTICA DE CRÉDITO (ART. 22, I E VII, DA CONSTITUIÇÃO). ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AFRONTA À INICIATIVA RESERVADA DO CHEFE DO EXECUTIVO. 1. Deve-se conhecer ação direta de inconstitucionalidade que impugne a integralidade do complexo normativo pertinente ao objeto da ação. Precedentes. 2. Usurpa competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil norma estadual que autorize cancelamento de desconto em folha de pagamento de servidor público sem aquiescência da entidade consignatária, porquanto interfere em relação contratual privada. Precedentes. 3. Afronta a competência privativa da União para legislar sobre política de crédito norma estadual que atinja relações decorrentes de contratos de crédito consignado. 4. Proposta legislativa sobre processamento de consignação em folha de pagamento de servidor público é de iniciativa reservada do Chefe do Executivo. Precedentes5. Parecer pelo conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade e, no mérito, pela procedência do pedido.”

 

Vejamos também a Ementa da ADI 3207, julgada pelo STF, em reforço ao entendimento de que matéria envolvendo Direito Civil apenas pode ser tratada por lei da União:

 

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI 12.562/2004, DO ESTADO DE PERNAMBUCO. SUPOSTA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5º, II e XIII; 22, VII; E 170, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI IMPUGNADA DISPÕE SOBRE PLANOS DE SAÚDE, ESTABELECENDO CRITÉRIOS PARA A EDIÇÃO DE LISTA REFERENCIAL DE HONORÁRIOS MÉDICOS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL, POR USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO EM MATÉRIA DE DIREITO CIVIL E DE POLÍTICA DE SEGUROS (CF, ART 22, INCISOS I E VII). 1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 3. A Lei 12.562/2004 do Estado de Pernambuco trata da operacionalização dos contratos de seguros atinentes à área da saúde, interferindo nas relações contratuais estabelecidas entre médicos e empresas. Consequentemente, tem por objeto normas de direito civil e de seguros, temas inseridos no rol de competências legislativas privativas da União (artigo 22, incisos I e VII, da CF). Os planos de saúde são equiparados à lógica dos contratos de seguro. Precedente desta CORTE: ADI 4.701/PE, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, DJe de 22/8/2014. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei 12.562/2004 do Estado de Pernambuco.”

 

            Diante do exposto, opino pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, do Projeto de Lei Ordinária nº 1018/2020, de autoria do Deputado Joel da Harpa.

É o Parecer do Relator.

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 1018/2020, de autoria do Deputado Joel da Harpa, por vício de inconstitucionalidade.

Histórico

[07/04/2020 16:57:05] ENVIADA P/ SGMD
[07/04/2020 17:38:09] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[07/04/2020 17:38:17] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO
[24/04/2020 12:43:39] PUBLICADO





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Esta proposição não possui emendas, pareceres ou outros documentos relacionados.