Brasão da Alepe

Parecer 1323/2019

Texto Completo

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 331/2019

 

AUTORIA: DEPUTADO WANDERSON FLORÊNCIO

 

PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A COMPOSIÇÃO DA ALIMENTAÇÃO HOSPITALAR OFERECIDA NAS REDES PÚBLICA E PRIVADA DE SAÚDE DO ESTADO DE PERNAMBUCO. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA CONCORRENTE. DEFESA E PROTEÇÃO DA SAÚDE (ART. 24, XII, CF/88). PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DA EMENDA MODIFICATIVA APRESENTADA POR ESTE COLEGIADO.

 

1. RELATÓRIO

 

É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 331/2019, de autoria do Deputado Wanderson Florêncio, que dispõe sobre a composição da alimentação hospitalar oferecida nas redes pública e privada de saúde do Estado de Pernambuco

 

O Projeto de Lei tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, Regimento Interno).

 

É o relatório.

2. PARECER DO RELATOR

 

Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art.94, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas a sua apreciação.

 

A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa brasileira (art. 1º, III, da Constituição Federal – CF/88), enquanto o direito à vida é previsto como um de seus direitos individuais fundamentais (art. 5º, caput). A conquista da dignidade humana e o respeito à vida perpassam pelo cuidado com a saúde.

 

Nesse sentido, a Lei Maior preceitua que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196).

 

Do ponto de vista formal, a matéria encontra-se dentro de hipótese constitucionalmente prevista de exercício da competência legislativa dos Estados-membros (competência formal orgânica), nos termos do art. 24, XII, da CF/88, in verbis:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

 

Quanto à competência para deflagrar o respectivo processo legislativo (competência formal subjetiva), contudo, nos termos em que foi proposta – exclusividade de determinados alimentos – a matéria incorreria em ofensa aos princípios da separação dos poderes, da simetria, e da reserva da administração; e aos arts. 2º e 84, II, da CF/88; e arts. 19, § 1º, II e VI; e 37, II, da Carta Estadual.

 

Com efeito, a imposição de restrição absoluta retiraria do administrador público seu poder discricionário.

 

A discricionariedade reside justamente na liberdade de ação administrativa, dentro dos limites traçados em lei. Ou seja, pressupõe que a lei deixe certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, em que serão sopesados oportunamente os critérios da conveniência e da oportunidade pelo gestor público.

 

A indevida ingerência em questão obstaria, assim, a análise do mérito administrativo, prejudicando o exercício da direção superior da administração pública, e, consequentemente, a harmônica convivência entre os poderes.

 

Para o Supremo Tribunal Federal:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO - DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CONSEQÜENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA - SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação “ultra vires” do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (STF, 2ª T., RE nº 427574 ED/MG, rel. Min. CELSO DE MELO, pub. no DJe de 10/02/2012).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ALAGONA N. 6.153, DE 11 DE MAIO DE 2000, QUE CRIA O PROGRAMA DE LEITURA DE JORNAIS E PERIÓDICOS EM SALA DE AULA, A SER CUMPRIDO PELAS ESCOLAS DA REDE OFICIAL E PARTICULAR DO ESTADO DE ALAGOAS. 1. Iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Estadual para legislar sobre organização administrativa no âmbito do Estado. 2. Lei de iniciativa parlamentar que afronta o art. 61, § 1º, inc. II, alínea e, da Constituição da República, ao alterar a atribuição da Secretaria de Educação do Estado de Alagoas. Princípio da simetria federativa de competências. 3. Iniciativa louvável do legislador alagoano que não retira o vício formal de iniciativa legislativa. Precedentes. 4. ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI nº 2.329/AL, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 25/6/10).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 10539/00. DELEGACIA DE ENSINO. DENOMINAÇÃO E ATRIBUIÇÕES. ALTERAÇÃO. COMPETÊNCIA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SIMETRIA. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA PELOS ESTADOS-MEMBROS. VETO. REJEIÇÃO E PROMULGAÇÃO DA LEI. VÍCIO FORMAL: MATÉRIA RESERVADA À INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO. 1. Delegacia de ensino. Alteração da denominação e das atribuições da entidade. Iniciativa de lei pela Assembléia Legislativa. Impossibilidade. Competência privativa do Chefe do Poder Executivo para deflagrar o processo legislativo sobre matérias pertinentes à Administração Pública (CF/88, artigo 61, § 1º, II, "e"). Observância pelos estados-membros às disposições da Constituição Federal, em razão da simetria. Vício de iniciativa. 2. Alteração da denominação e das atribuições do órgão da Administração Pública. Lei oriunda de projeto da Assembléia Legislativa. Veto do Governador do Estado, sua rejeição e a promulgação da lei. Subsistência do atentado à competência reservada ao Chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria. Vício formal insanável, que não se convalida. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei 10539, de 13 de abril de 2000, do Estado de São Paulo.” (STF - ADI 2417/SP, Tribunal ADI 2417/SP, Rel.  Min. MAURÍCIO CORRÊA, J.  03/09/2003, (DJ 05-12-2003 PP-00018).

 

A jurisprudência da Suprema Corte tem, portanto, reafirmado o incontornável vício de inconstitucionalidade formal subjetiva de lei resultante de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições precípuas de outro poder.

 

Ademais, consoante preconiza o art. 19, § 1º, II e VI, da Constituição Estadual, não se admite o protagonismo parlamentar em lei que enseje o aumento de despesa pública no âmbito do Poder Executivo ou verse sobre estruturação e atribuições de suas secretarias:

 

Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça, ao Defensor Público-Geral do Estado e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.

§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:

II - criação e extinção de cargos, funções, empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional, ou aumento de despesa pública, no âmbito do Poder Executivo;

[...]

VI - criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado, de órgãos e de entidades da administração pública.

Por outro lado, ainda no que concerne à exclusividade da oferta de alimentos in natura e minimamente processados, restaria também configurada a violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, utilizados para avaliar a constitucionalidade material das leis.

 

Isto porque não se afigura, razoável, ou mesmo proporcional, tamanha restrição – a completa vedação ao emprego de todo alimento processado, em qualquer contexto ou quantidade –, mormente quando o ordenamento jurídico pátrio assegura o controle e fiscalização da produção e comércio de alimentos, garantindo um mínimo de segurança alimentar.

 

Com o fito de evitar, assim, as inconstitucionalidades verificadas, é que se sugere a substituição do termo “exclusividade” por “preferência”, tal qual o fez a Lei Estadual nº 11.751, de 3 de abril de 2000, que dispõe sobre a composição alimentar da merenda escolar distribuída na rede pública de escolas. A nova norma traria, pois, uma orientação a ser observada pelo poder público.

 

Quanto à rede privada de saúde, estatui o art. 197 da Constituição Federal 1988:

 

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

 

A Carta diz, ainda, ser livre à iniciativa privada a assistência à saúde (art. 199). Infere-se dos dois dispositivos constitucionais, por qualquer viés, que o Estado brasileiro assumiu institucionalmente o encargo de cuidar da saúde de sua população, sem, contudo, submetê-lo ao regime de monopólio estatal.

 

Nesse particular, a Constituição Federal, ao eleger a livre iniciativa como um de seus fundamentos (art. 1º, IV), deixou assente que a República Federativa do Brasil tem orientação essencialmente capitalista. No entanto, o texto constitucional relativizou a opção pela economia de mercado, deixando vários segmentos sujeitos à intervenção estatal ativa.

 

Uma das consequências de tal diretriz é a permissão direcionada ao legislador ordinário para intervir diretamente em setores da economia, desde que com a finalidade de dar conformidade a outras normas de igual índole (constitucional), como no caso em estudo.

 

Assim, se por um lado é inegável que a liberdade econômica constitui um traço substancial do ordenamento jurídico brasileiro, por outro o legislador ordinário pode promover restrições à livre iniciativa plena (desde que o faça plasmado em algum dos princípios da Ordem Econômica, previstos no art. 170, da CF/88).

 

Em ordem a reforçar o raciocínio supra, transcreve-se o voto do Ministro Celso Peluso, proferido no julgamento da AC 1.657-MC:

 

“…livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta (...). O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da CF, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada.” (STF, AC 1.657-MC, voto do rel. p/ o ac. min. Cezar Peluso, julgamento em 27-6-2007, Plenário, DJ de 31-8-2007)

 

Dito isso, é viável a elaboração de norma direcionada à rede privada de saúde, com fundamento na proteção e defesa da saúde de seus consumidores.

 

Por outro lado, do mesmo modo que ponderado alhures, visualizada potencial hipótese de ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entremostra-se uma vez mais aconselhável a retirada da imposição de exclusividade. Por certo, a atuação interventiva do Estado não pode ensejar o esvaziamento dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Dessa forma, inclui-se na proposição original o termo “preferencialmente”.

Assim sendo, com o fim de aperfeiçoar o Projeto de Lei, bem como adequá-lo às prescrições da Lei Complementar Estadual nº171/2011, propõe-se a aprovação de Emenda Modificativa nos seguintes termos:

EMENDA MODIFICATIVA N°         /2019

AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 331/2019.

 

Altera a redação do art. 1º do Projeto de Lei Ordinária nº 331/2019, de autoria do Deputado Wanderson Florêncio.

 

Artigo único. O art. 1º do Projeto de Lei Ordinária nº 331/2019 passa a ter a seguinte redação:

 

Art. 1º As refeições oferecidas aos pacientes hospitalares, em hospitais públicos ou privados de Pernambuco, devem ser elaboradas utilizando-se, preferencialmente, alimentos in natura ou minimamente processados.

 

Tecidas as considerações pertinentes, o parecer do Relator é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 331/2019, de iniciativa do Deputado Wanderson Florêncio, nos termos da Emenda Modificativa acima apresentada.

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

 

Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 331/2019, de autoria do Deputado Wanderson Florêncio, nos termos da Emenda Modificativa deste Colegiado.

Histórico

[19/11/2019 14:45:58] ENVIADA P/ SGMD
[19/11/2019 15:35:05] RETORNADO PARA O AUTOR
[19/11/2019 15:38:19] ENVIADA P/ SGMD
[19/11/2019 18:01:04] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[19/11/2019 18:01:08] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO
[20/11/2019 15:29:44] PUBLICADO





Informações Complementares






Esta proposição não possui emendas, pareceres ou outros documentos relacionados.