
Parecer 5549/2025
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 2321/2024
AUTORIA: DEPUTADO HENRIQUE QUEIROZ FILHO
PROPOSIÇÃO QUE OBRIGA A OFERTA DE CAPACITAÇÃO AOS MOTORISTAS DE TRANSPORTE POR APLICATIVO PARA ATENDIMENTO DE PASSAGEIROS COM DEFICIÊNCIA OU NEUROATÍPICOS. DIREITO CIVIL E DO TRABALHO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (ART. 22, I CF/88). VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PELA REJEIÇÃO.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 2321/2024, de autoria do Deputado Henrique Queiroz Filho, que obriga a oferta de capacitação aos motoristas de transporte por aplicativo para atendimento de passageiros com deficiência ou neuroatípicos.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo Regime Ordinário (art. 253, inciso III, Regimento Interno).
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Em relação ao processo de qualificação da proposição – isto é, seu enquadramento nas regras constitucionalmente estabelecidas de competência –, vislumbramos alguns óbices à aprovação no âmbito desta Comissão.
Verifica-se que, de um lado, há o art. 24, XII e XIV, da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe sobre a competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre “proteção e integração social das pessoas com deficiência”, in verbis:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
Nesse aspecto, incontroverso que a competência da União para legislar sobre normas gerais de proteção e integração social das pessoas com deficiência não afasta a competência dos estados membros.
Cabe à lei estadual legislar sobre assunto da competência concorrente, desde que, no exercício de tal atividade, o estado membro venha a acrescentar, de maneira constitucional, legal e jurídica, disposições complementares a par das normas gerais já existentes. É a denominada competência suplementar-complementar dos estados membros.
Além disso, do ponto de vista material, a iniciativa mostra-se plenamente compatível com o corpo constitucional, notadamente com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e com os princípios estabelecidos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mais conhecida por Convenção de Nova Iorque, tratado internacional com força constitucional, vez que aprovado segundo o rito previsto no art. 5º, §2º, CF/88.
De outro lado, no entanto, há que se considerar que a medida ora proposta (obrigatoriedade da oferta de curso de capacitação aos motoristas por aplicativo) relaciona-se ao direito do trabalho – se considerarmos como relação de emprego o vínculo existente entre a empresa de transporte por aplicativo e os motoristas - ou inserida no âmbito do direito civil – caso entendida a relação anteriormente citada como inserida no âmbito das relações privadas.
O fato é que em ambos dos casos trata-se de matéria para qual emerge a competência legislativa privativa da União, nos termos do art. 22, I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Sob essa perspectiva, não caberia ao Estado-membro, sob o nobre pretexto de legislar sobre “proteção e integração social das pessoas com deficiência” (art. 24, XIV, CF/88), invadir competência legislativa privativa da União para legislar sobre direito civil ou direito do trabalho (art. 22, I, CF/88).
O Supremo Tribunal Federal tem resguardado a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho, rechaçando leis estaduais sobre a matéria. Nessa linha:
“[...] A questão constitucional em debate nesta ação direta resume-se em verificar se a Lei Estadual 4.735/2006 versa sobre Direito do Trabalho, sobre Comércio Interestadual ou sobre saúde e meio ambiente. A distinção é devida para que se verifique se houve ou não usurpação de competência. [...] A Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso I, dispõe que compete privativamente à União legislar, dentre outras matérias, sobre direito do trabalho. O artigo 21, inciso XXIV, da Carta Magna, determina a competência da União para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho. [...] Trata-se, como o próprio legislador justificou, de matéria de Direito do Trabalho, cuja competência para legislar é resguardada à União. Nesta linha, o Supremo Tribunal Federal mantém a compreensão de que o interesse local na preservação da saúde pública não legitima os entes subnacionais a expedir normas de segurança do trabalho e proteção da saúde do trabalhador, que pertencem à competência privativa da União [...] Verifico, portanto, que a norma impugnada incorre em vício de inconstitucionalidade, por falta de competência legislativa do ente federado para emiti-la, segundo o artigo 22, I, da Constituição Federal. Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei 4.735, do Estado do Rio de Janeiro, de 29 de março de 2006”. (VOTO RELATOR, STF - ADI: 3811 RJ 0004829-28.2006.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 22/05/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 01/07/2020)
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.623/01 do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre critérios de proteção do ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador. Inconstitucionalidade formal. Competência privativa da União. 1. Inconstitucionalidade formal da Lei nº 3.623/01 do Estado do Rio de Janeiro, a qual estabelece critérios para determinação de padrões de qualidade no ambiente de trabalho e versa sobre a proteção da saúde dos trabalhadores. 2. Competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e sua inspeção, consoante disposto nos arts. 21, inciso XXIV, e 22, inciso I, da Constituição. Precedentes: ADI nº 953/DF; ADI nº 2.487/SC; ADI nº 1.893/RJ. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (ADI 2.609, rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 11.12.2015)
Diante do exposto, opina o Relator pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, do Projeto de Lei Ordinária nº 2321/2023, de autoria do Deputado Romero Albuquerque.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo Relator, o Parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade e ilegalidade, do Projeto de Lei Ordinária nº 2321/2024, de autoria do Deputado Henrique Queiroz Filho.
Histórico