
Parecer 5439/2025
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 339/2023
AUTORIA: DEPUTADA SOCORRO PIMENTEL
PROPOSIÇÃO QUE PROÍBE A DISCRIMINAÇÃO SALARIAL EM RAZÃO DE GÊNERO NO ESTADO DE PERNAMBUCO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO (ART. 22, I E XXIV, DA CF/88). INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL, EM FUNÇÃO DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. EXISTÊNCIA DA LEI FEDERAL Nº 14.611 DE 3 DE JULHO DE 2023 QUE DISPÕE SOBRE A IGUALDADE SALARIAL E DE CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS ENTRE MULHERES E HOMENS. VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PELA REJEIÇÃO.
1. RELATÓRIO
É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 339/2023, de autoria da Deputada Socorro Pimentel, que veda a discriminação salarial com base na diferença de gênero entre trabalhadores com iguais funções, formação e experiência profissional, pelas empresas e demais entidades empregadoras no âmbito do Estado de Pernambuco.
O PLO em análise tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário, conforme inciso III, do art. 253, do Regimento Interno.
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Nos termos do art. 99, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, compete a esta Comissão Técnica dizer sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das proposições.
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Com lastro no teor do presente projeto, e de acordo com os argumentos constantes em sua justificativa, infere-se este possui o claro objetivo de promover regras atinentes à equiparação salarial, como forma de fortalecer o tratamento isonômico entre os trabalhadores.
Todavia, a iniciativa em cotejo avança sobre matéria de competência privativa da União, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal – CF/88:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Com efeito, o PLO por dispor precisamente sobre normas de natureza laboral, viola a competência da União para dispor sobre Direito do Trabalho.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem resguardado a competência privativa da União para legislar sobre a matéria, rechaçando leis estaduais com desiderato análogo. Nessa linha:
“[...] A questão constitucional em debate nesta ação direta resume-se em verificar se a Lei Estadual 4.735/2006 versa sobre Direito do Trabalho, sobre Comércio Interestadual ou sobre saúde e meio ambiente. A distinção é devida para que se verifique se houve ou não usurpação de competência. [...] A Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso I, dispõe que compete privativamente à União legislar, dentre outras matérias, sobre direito do trabalho. O artigo 21, inciso XXIV, da Carta Magna, determina a competência da União para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho. [...] Trata-se, como o próprio legislador justificou, de matéria de Direito do Trabalho, cuja competência para legislar é resguardada à União. Nesta linha, o Supremo Tribunal Federal mantém a compreensão de que o interesse local na preservação da saúde pública não legitima os entes subnacionais a expedir normas de segurança do trabalho e proteção da saúde do trabalhador, que pertencem à competência privativa da União [...] Verifico, portanto, que a norma impugnada incorre em vício de inconstitucionalidade, por falta de competência legislativa do ente federado para emiti-la, segundo o artigo 22, I, da Constituição Federal. Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei 4.735, do Estado do Rio de Janeiro, de 29 de março de 2006”. (VOTO RELATOR, STF - ADI: 3811 RJ 0004829-28.2006.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 22/05/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 01/07/2020)
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.623/01 do Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre critérios de proteção do ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador. Inconstitucionalidade formal. Competência privativa da União. 1. Inconstitucionalidade formal da Lei nº 3.623/01 do Estado do Rio de Janeiro, a qual estabelece critérios para determinação de padrões de qualidade no ambiente de trabalho e versa sobre a proteção da saúde dos trabalhadores. 2. Competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e sua inspeção, consoante disposto nos arts. 21, inciso XXIV, e 22, inciso I, da Constituição. Precedentes: ADI nº 953/DF; ADI nº 2.487/SC; ADI nº 1.893/RJ. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (ADI 2.609, rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 11.12.2015)
Embora o Estado-membro tenha competência legislativa para instituir mecanismos que assegurem o tratamento equânime de homens e mulheres, promovendo o acesso de todos a seus direitos, sem distinções, os entes subnacionais não podem legislar sobre matérias de competência privativa da União.
Em relação às matérias insertas na competência legislativa privativa da União, somente cabe aos estados legislarem sobre questões específicas quando autorizados através de lei complementar federal, conforme determina o parágrafo único, do art. 22, da CF/88. Vale ressaltar que inexiste lei complementar federal nesse sentido.
Observa-se que tanto a Constituição Federal quanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) proíbem a discriminação salarial em razão do gênero. O art. 461 da CLT assim estatui:
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
§ 1º Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.
Ainda no trilho da jurisprudência do STF, são consideradas inconstitucionais iniciativas que prevejam sanções administrativas sobre a matéria, por violação ao disposto no art 21, XXIV, da, CF/88, conforme se observa:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 417, DE 02.03.93, DO DISTRITO FEDERAL. ARTS. 21, XXIV E 22, I DA CF. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA IMPLEMENTAR AÇÕES FISCALIZATÓRIAS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO. É pacífico o entendimento deste Supremo Tribunal quanto à inconstitucionalidade de normas locais que tenham como objeto matérias de competência legislativa privativa da União. A norma sob exame, ao criar regras e prever sanções administrativas para se coibir atos discriminatórios contra a mulher nas relações de trabalho, dispôs sobre matéria de competência legislativa outorgada à União. Viola, ainda, o diploma impugnado, o art. 21, XXIV, da CF, por atribuir poder de fiscalização, no âmbito do trabalho, a ente da Federação que não a União. Ação direta que se julga procedente, para se declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 417/93, do Distrito Federal. (ADI 953, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribuanal Pleno, julgamento em 19/03/2003)
Ressalte-se, ainda, que a proposição afronta o Princípio da Isonomia e o Princípio da dignidade da Pessoa Humana. O Direito, por sua vez, exerce papel fundamental na proteção e promoção da dignidade humana, sobretudo, quando cria mecanismos destinados a coibir eventuais violações.
Segundo entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet, dignidade pode ser conceituada da seguinte forma:
Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62)
Ademais, cumpre mencionar, ainda, que há no ordenamento jurídico Lei Federal nº 14.611 de 3 de julho de 2023 que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. Essa norma já garante a igualdade salarial e a existência de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, fim almejado pela proposição em análise.
Tecidas as considerações pertinentes, o parecer do Relator é pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 339/2023, de iniciativa da Deputada Socorro Pimentel, por vício de inconstitucionalidade.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Em face das considerações expendidas pelo Relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 339/2023, de autoria da Deputada Socorro Pimentel, por vício de inconstitucionalidade.
Histórico