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Parecer 5389/2025

Texto Completo

PARECER Nº. __________/2025

 

 

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1928/2024

 

AUTORIA: DEPUTADO EDSON VIEIRA

 

 

CÓDIGO ESTADUAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR DE PERNAMBUCO. MULTA POR DESMARCAÇÃO NÃO JUSTIFICADA DE SERVIÇOS MÉDICOS. SEGURO SAÚDE. DIREITO CIVIL. MATÉRIA INSERIDA NO ROL DE COMPETÊNCIAS PRIVATIVAS DA UNIÃO. ART. 22, I, DA CF. AUSÊNCIA DE DELEGAÇÃO. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO STF SOBRE O CEDC/PE. ADI 6.123. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL ORGÂNICA. INCONSTITUCIONALIDADE. PELA REJEIÇÃO.

 

 

1. RELATÓRIO

 

Trata-se do Projeto de Lei Ordinária nº 1928/2024, de autoria do Deputado Edson Vieira, que altera a Lei nº 16.559, de 15 de janeiro de 2019, que institui o Código Estadual de Defesa do Consumidor de Pernambuco, originada de projeto de lei de autoria do Deputado Rodrigo Novaes, a fim de tornar obrigatório o ressarcimento por consultas desmarcadas ou que não tenham ocorrido pela ausência do paciente segurado de convênios ou planos de saúde.

 

Em sua justificativa, o Exmo. Deputado alega que:

 

“O projeto de Lei em tela tem por objetivo mitigar os impactos negativos causados aos profissionais médicos e aos estabelecimentos de saúde, pelo desmarque de consultas por parte dos pacientes. Atualmente, os médicos que atendem por convênios de planos de saúde não são remunerados pelos horários vagos decorrentes do não comparecimento ou desmarque de consultas pelos usuários de plano de saúde. Essa situação gera um prejuízo financeiro significativo aos profissionais, que muitas vezes são obrigados a arcar com os custos de seus consultórios, equipe e materiais, mesmo sem ter realizado o atendimento, porém terem disponibilizado aquele horário pra determinada consulta ou procedimento. Além disso, o desmarque de consultas prejudica o atendimento aos demais pacientes, que podem ter que esperar mais tempo para serem atendidos ou até mesmo ter suas consultas canceladas. Para solucionar esses problemas, este projeto de Lei propõe a obrigatoriedade dos convênios de planos de saúde ressarcirem aos médicos e aos estabelecimentos provados de atendimento a saúde, pelos horários vagos decorrentes do não comparecimento ou desmarque de consultas. E essa medida visa garantir a justa remuneração dos profissionais e contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento à saúde. Ressalta-se que a presente proposta está em consonância com o princípio da justiça contratual, previsto no art. 393 do Código Civil Brasileiro, que estabelece que os contratos devem ser cumpridos de boa-fé e que as partes devem agir de forma a evitar prejuízos umas às outras. […]”

 

O projeto de lei em referência tramita sob o regime ordinário.

 

É o relatório.

2. PARECER DO RELATOR

 

A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de matérias afetas à iniciativa reservada ao Governador do Estado. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, a constitucionalidade formal subjetiva da medida.

 

Avançando na análise da adequação ao texto constitucional, é preciso avaliar a natureza da medida ora proposta, para fins de atendimento ao critério da competência legislativa.

 

De um lado, há o art. 24, V, da CF, que dispõe sobre a competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre produção e consumo:

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]

V - produção e consumo; [...]

 

De outro lado, existe a competência privativa da União para legislar sobre direito civil (e contratos), nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal, in verbis:

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...]

 

Importante frisar que é possível que uma proposta tenha natureza dúplice, envolvendo a um só tempo o mercado de consumo, e também o direito civil e securitário, sobretudo quando previr regras contratuais, de obrigações, de indenizações etc. Como exemplo, o próprio Código de Defesa do Consumidor tem diversos dispositivos versando sobre proteção contratual (arts. 46 a 54), o que deixa clara a possibilidade de existência de zonas de intersecção entre as matérias.

 

Todavia, não cabe aos Estados editar normas que estabeleçam novos regramentos sobre multas contratuais, de índole marcadamente de direito civil, ainda que com o objetivo de conferir a proteção ao consumidor ou de regular um determinado segmento comercial, em razão da regra de competência legislativa privativa da União, bem como da regulação do setor por parte da ANS.

 

Cabe mencionar que o Supremo Tribunal Federal tem diversos precedentes tratando da competência legislativa privativa da União acerca das normas de direito civil, in verbis:

 

“Mensalidades escolares. Fixação da data de vencimento. Matéria de direito contratual. (...) Nos termos do art. 22, I, da CB, compete à União legislar sobre Direito Civil.” (ADI 1.007, rel. min. Eros Grau, julgamento em 31-8-2005, Plenário, DJ de 24-2-2006.) No mesmo sentido: ADI 1.042, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 12-8-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.

 

“Lei estadual que regula obrigações relativas a serviços de assistência médico-hospitalar regidos por contratos de natureza privada, universalizando a cobertura de doenças (Lei 11.446/1997 do Estado de Pernambuco). Vício formal. Competência privativa da União para legislar sobre direito civil, comercial e sobre política de seguros (CF, art. 22, I e VII). Precedente: ADI 1.595-MC/SP, rel. min. Nelson Jobim, DJ de 19-12-2002, Pleno, maioria.” (ADI 1.646, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 2-8-2006, Plenário, DJ de 7-12-2006.) No mesmo sentido: ADI 1.595, rel. min. Eros Grau, julgamento em 3-3-2005, Plenário, DJ de 7-12-2006.

 

Inclusive, STF julgou inconstitucionais os arts. 105, 106 e 135 do Código Estadual de Defesa do Consumidor do Estado de Pernambuco, que tratavam de questões contratuais entre hospitais e seus clientes, reputando constitucionais apenas os normativos que tratavam de questões de direito à informação, mas sem interferência na relação obrigacional. Eis o trecho do voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes que aborda especificamente o normativo que impedia a obrigação contratual de caução prévia em serviços médicos, bem como a ementa do acórdão:

 

“Nesse sentido, compreendo que os arts. 105, 106, 109 e 137 da legislação estadual, a pretexto de conferir proteção adicional aos usuários dos serviços de saúde, interferiram indevidamente sobre relações contratuais. A norma de vedação da exigência de caução para internação e de adicional de honorários médicos viola competência exclusiva da União para dispor sobre a matéria.”

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO (LEI ESTADUAL 16.559/2019). PREJUDICIALIDADE PARCIAL DO PEDIDO. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO ART. 136. INCONSTITUCIONALIDADE JÁ DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM RELAÇÃO AOS ARTS. 143, 144 E 145. SERVIÇOS PRESTADOS POR OPERADORAS DE PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS ARTS. 20, § 3º, VII, 107, 108, 109, 133, 134, 137, 138 e 139. OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS VOLTADAS À IMPLEMENTAÇÃO DE UM MODELO DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DOS ARTS. 105, 106 E 135. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO EM MATÉRIA DE DIREITO CIVIL, CONTRATUAL E POLÍTICA DE SEGUROS (ART. 22, I E VII, DA CF). PROCEDÊNCIA PARCIAL.

1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse.

2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I).

3. A alteração substancial do art. 136 da Lei 16.559/19, do Estado de Pernambuco, e a anterior declaração de inconstitucionalidade dos arts. 143, 144 e 145 de referida lei pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADI 6207, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 4/2/2021) prejudicam a análise do pedido em relação a esses dispositivos.

4. Os arts. 20, § 3º, VII, 107, 108, 109, 133, 134, 137, 138 e 139 da lei pernambucana estabelecem diversas obrigações voltadas a uma maior transparência e garantia de acesso facilitado a informações essenciais por parte dos usuários dos serviços prestados pelas operadoras de planos e seguros de saúde. Embora os dispositivos legais tenham essas empresas como destinatárias, sua principal finalidade é a implementação de um modelo de informação ao consumidor.

5. Não há que se falar em ofensa à isonomia no tratamento da matéria pelo Estado do Pernambuco em comparação à legislação federal, uma vez que estas constituem normas gerais em tema afeto ao direito do consumidor, enquanto as disposições da lei pernambucana em questão versam sobre situações específicas que traduzem a necessidade de proteção concreta ao direito de informação dos consumidores locais.

6. O princípio da livre iniciativa, garantido no art. 170 da Constituição, não proíbe o Estado de atuar subsidiariamente sobre a dinâmica econômica para garantir o alcance de objetivos indispensáveis para a manutenção da coesão social, entre eles a proteção do consumidor (art. 170, V, da CF), desde que haja proporcionalidade entre a restrição imposta e a finalidade de interesse público, como ocorre no caso.

7. Usurpação da esfera de competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil, contratual e política de seguros (art. 22, I e VII, da CF) no tocante aos arts. 105, 106 e 135, que vedam às operadoras de planos e seguros de saúde a exigência de caução e honorários médicos e obrigam-nas a procurarem vagas em unidades conveniadas que atendam os pacientes assegurados.

8. Ação Direta parcialmente conhecida e, nessa parte, julgada parcialmente procedente, para: i) assentar a constitucionalidade dos arts. 20, § 3º, VII, 107, 108, 109, 133, 134, 137, 138 e 139 da Lei 16.559/19, do Estado de Pernambuco; ii) declarar inconstitucionais os arts. 105, 106 e 135 de referida lei estadual.

(ADI 6123, Relator(a): GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-072  DIVULG 15-04-2021  PUBLIC 16-04-2021)

 

Deste modo, do ponto de vista formal orgânico (= competências legislativas), o projeto de lei resta viciado, em razão de sua inconstitucionalidade.

 

Sobre a competência legislativa dos Estados-membros, assim leciona Pedro Lenza, in verbis:

 

“7.5.3.2.  Competência legislativa

Como a terminologia indica, trata-se de competências, constitucionalmente definidas, para elaborar leis.

Elas foram assim definidas para os Estados-membros:

- Expressa: art. 25, caput > qual seja, como vimos, a capacidade de auto-organização dos Estados-membros, que se regerão pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da CF/88;

- Residual (remanescente ou reservada): art. 25, § 1.º > toda competência que não for vedada está reservada aos Estados-membros, ou seja, o resíduo que sobrar, o que não for de competência expressa dos outros entes e não houver vedação, caberá aos Estados materializar;

- Delegada pela União: art. 22, parágrafo único > como vimos, a União poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias de sua competência privativa prevista no art. 22 e incisos. Tal autorização dar-se-á por meio de lei complementar;

- Concorrente: art. 24 > a concorrência para legislar dar-se-á entre a União, os Estados e o Distrito Federal, cabendo à União legislar sobre normas gerais e aos Estados, sobre normas específicas;” (LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado / Pedro Lenza. 16. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012.)

 

Por consequência, quanto às matérias listadas no rol do art. 22 da Constituição Federal – âmbito da competência delegada –, somente existe campo de atuação dos Estados se houver autorização específica da União, conferida por meio de lei complementar, o que não há no presente caso.

 

Diante do exposto, opino pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 1928/2024, de autoria do Deputado Edson Vieira, por vício de inconstitucionalidade.

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

 

Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 1928/2024, de autoria do Deputado Edson Vieira, por vício de inconstitucionalidade.

Histórico

[11/03/2025 14:57:13] ENVIADA P/ SGMD
[11/03/2025 17:53:35] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[11/03/2025 17:53:47] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO
[12/03/2025 09:38:31] PUBLICADO
[12/03/2025 22:12:00] ARQUIVADO





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