
Parecer 4423/2024
Texto Completo
PROJETO DE LEI Nº 1973/2024
AUTORIA: DEPUTADA DANI PORTELA
PROPOSIÇÃO QUE VISA COIBIR A PRÁTICA DE DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO EM VIRTUDE DE MATERNIDADE, GESTAÇÃO, LACTAÇÃO, ADOÇÃO E CUIDADOS COM CRIANÇAS nos processos de seleção ou renovação para bolsas de estudo e pesquisa das instituições estaduais de educação superior e das agências estaduais de fomento à pesquisa. MATÉRIA COMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE LIVRE, JUSTA E SOLIDÁRIA. PROMOÇÃO DO BEM DE TODOS. CONDIZENTE COM A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER. NORMA SUPRALEGAL. ART. 5º, XIV, CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO E CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DA PROPOSIÇÃO PRINCIPAL.
1. RELATÓRIO
É submetido a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 1973/2024, de autoria da Deputada Dani Portela, que veda a adoção de critérios que caracterizem discriminação contra estudantes e pesquisadores, em virtude de gestação, parto, puerpério, lactação, nascimento de filho ou adoção, nos processos de seleção para bolsas de estudo e pesquisa das instituições estaduais de educação superior e das agências estaduais de fomento à pesquisa, no âmbito do Estado de Pernambuco.
O PLO ora em apreciação, em apertada síntese, visa promover equidade e harmonizar o direito à educação, à maternidade e à parentalidade, conforme se observa:
Este projeto de lei tem como objetivo assegurar a equidade, estabelecendo normas que garantam igualdade de oportunidades e, ao mesmo tempo, protejam os direitos de gestantes, parturientes, puérperas, lactantes e responsáveis pelo cuidado de uma ou mais crianças. Essa legislação cumpre uma importante função na luta pelo reconhecimento e a superação das desigualdades, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
O cuidado de crianças, a gestação, o puerpério, a adoção e a lactação são momentos significativos, mas muitas vezes são acompanhados por obstáculos adicionais, especialmente quando se tenta conciliar essas responsabilidades com a busca por educação superior ou uma qualificação profissional. A discriminação enfrentada por gestantes, parturientes, puérperas, adotantes e pessoas que cuidam de crianças no ambiente acadêmico se manifesta de várias formas, desde a recusa de bolsas de estudo até avaliações negativas baseadas nestes fatos, limitando oportunidades e reforçando estruturas desiguais.
[...]
O direito à educação, o direito à maternidade e à parentalidade, como um todo, são direitos fundamentais que devem ser harmonizados. Pessoas gestantes, adotantes, puérperas, lactantes e que cuidam de crianças muitas vezes enfrentam preconceitos implícitos ou explícitos que as desqualificam ou desfavorecem durante o processo seletivo de bolsas, prejudicando sua continuidade acadêmica e a sua carreira. O resultado desta equação é, precisamente, o aprofundamento das desigualdades entre homens, mulheres e pessoas que gestam. Destarte, impedir esta forma de discriminação nos processos de seleção de bolsas de estudo promove a igualdade e contribui para o desenvolvimento social e econômico de Pernambuco.
Ademais, a presença de mulheres e pessoas que gestam, especialmente gestantes, parturientes, puérperas, lactantes, adotantes ou responsáveis pelo cuidado de uma ou mais crianças, em programas de pós-graduação, enriquecerá o ambiente acadêmico, promovendo a diversidade de experiências e perspectivas.
O Projeto em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (Art. 253, III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no Art. 19, caput, da Constituição Estadual e no Art. 223, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Mais especificamente, entende-se que o PLO 1973/2024 pode ser encarado como uma decorrência da produção legislativa encarnada na Emenda Constitucional (EC) nº 52/2020, originada da PEC 12/2020, a qual estampou que, no âmbito do Estado de Pernambuco, compete ao Estado e aos municípios combater todas as formas de discriminação e preconceitos de raça, cor, etnia sexo, idade e religião, de origem nacional ou regional.
Assim, por entender que a proposição em apreço permitirá uma ação efetiva na busca daquilo que foi entabulado na EC nº 52/2020 e considerando a robusta fundamentação constante no Parecer nº 3465/2020, desta Comissão, o qual aprovou a PEC 12/2020, utiliza-se praticamente os mesmos fundamentos para encaminhar a aprovação do PLO ora em análise.
Assim, a proposição é compatível com a Constituição Federal, pois esta, em seu art. 3º, incisos I e IV, respectivamente, estabelece como objetivos de nossa República a construção de uma sociedade livre justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, bem como, em seu art. 1º, incisos II e III, estabelece como fundamento de nossa República Federativa a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
Nesse interim, é oportuno ressaltar que certamente a CF/88, a Constituição Cidadã, é o maior marco contra todos os tipos de discriminação no Brasil, elegendo como princípio básico fundamental a dignidade da pessoa humana, do qual todos os outros são decorrentes. Assim, o Texto Máximo, além dos objetivos e fundamentos citados, no art. 5º, XLI, assenta que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
Reitere-se que combater a discriminação é uma das maneiras de promover valores fundamentais de nossa República, tais com a dignidade, liberdade e igualdade. Nesse sentido, Ingo Sarlet:
Por outro lado, a proibição de qualquer tipo de discriminação arbitrária e contrária à igual dignidade de cada ser humano e a pretensão de igual respeito e consideração, inclusive de suas qualidades e circunstâncias pessoais, indicam como o princípio da dignidade da pessoa humana passou a integrar a própria concepção de igualdade constitucional, operando como critério (material) de valoração, notadamente no que diz com a definição das discriminações materialmente não razoáveis, ou seja, a proibição de tratamentos diferenciados com base em critérios que violam a dignidade da pessoa humana. Que com isso não se está a esgotar o papel da dignidade da pessoa humana para a compreensão do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade resulta evidente, devendo ser objeto de alguma atenção adicional logo adiante, em esPLOial no contexto das proibições de discriminação. (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 595)
Ademais, assume relevo mostrar que a proposição em apreço se coaduna com os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito internacional, notadamente, com a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada pelo Decreto nº 4.377, de 2002, pois, a Convenção impõe aos Estados-partes, em seu art. 10, que adotem todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação e em particular para asseguraram condições de igualdade entre homens e mulheres: a) as mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional, acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino de todas as categorias, tanto em zonas rurais como urbanas; essa igualdade deverá ser assegurada na educação pré-escolar, geral, técnica e profissional, incluída a educação técnica superior, assim como todos os tipos de capacitação profissional; (...) d) As mesmas oportunidades para obtenção de bolsas-de-estudo e outras subvenções para estudos.
Assente-se, ainda, sobre o prisma das competências administrativas e legislativas dos entes federativos, que a proposição encontra guarida nas disposições do art. 23, V, X e art. 24
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
Nesse contexto, entende-se que a proposição ora em análise, ao robustecer os mecanismos legislativos de combate à discriminação, principalmente, contra as mulheres, coaduna-se com as disposições constitucionais e supralegais acima expostas.
Todavia, a fim de adotar a melhor técnica legislativa, propõe-se o seguinte Substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº ____________/2024
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1973/2024
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1973/2024, de autoria da Deputada Dani Portela.
Artigo Único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1973/2024 passa a ter a seguinte redação:
“Veda a adoção de critérios que caracterizem discriminação contra estudantes e pesquisadores, em virtude de gestação, parto, puerpério, lactação, nascimento de filho, adoção, obtenção de guarda judicial para fins de adoção ou cuidado de crianças, nos processos de seleção ou renovação para bolsas de estudo e pesquisa das instituições estaduais de educação superior e das agências estaduais de fomento à pesquisa, no âmbito do Estado de Pernambuco.
Art. 1º Fica vedada qualquer forma de discriminação contra estudantes e pesquisadores, em virtude de gestação, parto, puerpério, lactação, nascimento de filho, adoção, obtenção de guarda judicial para fins de adoção ou cuidado de crianças, nos processos de seleção para concessão de bolsas de estudo e pesquisa, ou sua renovação, realizados pelas instituições estaduais de educação superior e agências estaduais de fomento à pesquisa.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, configura a discriminação de que trata o caput contra estudantes e pesquisadores:
I - negar a concessão ou a renovação de bolsas de estudo e pesquisa em razão da pessoa ser gestante, parturiente, puérpera, lactante, adotante ou responsável pelo cuidado de uma ou mais crianças;
II - atribuir avaliação negativa no processo de seleção ou de renovação para bolsas de estudo e pesquisa em razão da pessoa ser gestante, parturiente, puérpera, lactante, adotante ou responsável pelo cuidado de uma ou mais crianças;
III - realizar perguntas de natureza pessoal sobre planejamento familiar nas entrevistas que integrem os processos seletivos para concessão ou renovação de bolsas de estudo e pesquisa; e
IV - impor obstáculos ou critérios de avaliação inexistentes no edital que dificultem ou impeçam, total ou parcialmente, com que a gestante, parturiente, puérpera, lactante, adotante ou responsável pelo cuidado de uma ou mais crianças, cumpra com as etapas do processo seletivo.
Art. 3º O agente que praticar o ato discriminatório descrito no art. 1º ficará sujeito à instauração de procedimento administrativo, em consonância com as disposições legais pertinentes a sua categoria funcional.
Art. 4º Os procedimentos de denúncia, apuração das infrações e aplicação das penalidades previstas, além de todos os outros aspectos necessários para a efetiva aplicação desta Lei, serão regulamentados pelo Poder Executivo.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Substitutivo acima proposto e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Substitutivo desta Comissão e consequente prejudicialidade da Proposição Principal .
Histórico