
Parecer 4015/2024
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1094/2023
AUTORIA: DEPUTADO LUCIANO DUQUE
PROPOSIÇÃO QUE ESTABELECE PENALIDADES ADMINISTRATIVAS DESTINADAS A COMBATER O ROUBO, O FURTO E A RECEPÇÃO DE CABOS E FIOS METÁLICOS, GERADORES, BATERIAS, TRANSFORMADORES E PLACAS METÁLICAS NO ESTADO. matéria inserta na AUTONOMIA ADMiNISTRATIVA DOS ESTADOS-MEMBROS (artS. 18 E 25 da Constituição Federal). viabilidade da iniciativa parlamentar. COMPATIBILIDADE MATERIAL COM O DEVER IMPOSTO AO ESTADO DE ASSEGURAR A SEGURANÇA E A ORDEM PÚBLICA (ARTS. 6º E 144 DA cONSTITUIÇÃO FEDERAL). FINALIDADE DA PROPOSTA CONTEMPLADA, EM PARTE, PELA LEGISLAÇÃO ESTADUAL, TORNANDO-SE DESNECESSÁRIA A EDIÇÃO DE ATO NORMATIVO AUTÔNOMO (ART. 3º, INCISO iv, DA lEI cOMPLEMENTAR Nº 171, DE 2011). pOSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO DE DISPOSITIVOS PARA APERFEIÇOAR O TRATAMENTO NORMATIVO VIGENTE. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO E CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DA PROPOSIÇÃO PRINCIPAL.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 1094/2023, de autoria do Deputado Luciano Duque, que estabelece penalidades administrativas destinadas a combater o roubo, o furto e a receptação de cabos e fios metálicos, geradores, baterias, transformadores e placas metálicas no Estado.
Em síntese, a proposição prevê como sanção administrativa aplicável a pessoas físicas e jurídicas, as condutas de adquirir, armazenar, estocar, portar, transportar, vender ou expor à venda, revender, reciclar, trocar, usar a matéria prima ou compactar cabos e fios metálicos, geradores, baterias, transformadores e placas metálicas que sejam produto de crime. Além disso, o projeto sujeita às penalidades nele previstas os estabelecimentos denominados “ferro-velho” que deixem de emitir nota fiscal quando da comercialização daqueles materiais. Por fim, a proposta estabelece as penalidades de multa, a ser fixada entre R$ 3.000,00 e R$ 50.000,00 e o cancelamento da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, inciso III, do Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
De um modo geral, a matéria vertida no Projeto de Lei Ordinária nº 1094/2023 insere-se na autonomia administrativa inerente aos entes políticos estaduais, com fundamento nos arts. 18 e 25, § 1º, da Constituição Federal.
Com efeito, trata-se de espécie de sanção de administrativa, decorrente do exercício do poder de polícia estatal. Em sentido amplo, o poder de polícia contempla as funções legislativa e administrativa que buscam condicionar ou restringir o uso de bens, o exercício de atividades e o gozo de direitos em prol do bem-estar da coletividade.
Sobre o assunto, transcreve-se a lição de JUSTEN FILHO:
“O chamado poder de polícia se configura, primariamente, como uma competência legislativa. Afinal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. O princípio da legalidade significa que a competência de poder de polícia é criada, disciplinada e limitada por lei. Até se poderia aludir a poder de polícia legislativo para indicar essa manifestação, cuja característica fundamental consiste na instituição de restrições à autonomia privada na fruição da liberdade e da propriedade, caracterizando-se pela imposição de deveres e obrigações de abstenção e de ação.
Em virtude do princípio da legalidade, cabe à lei dispor sobre a estrutura essencial das medidas de poder de polícia. A competência administrativa de poder de polícia pressupõe a existência de norma legal. Essa competência se configura como um atividade infralegislativa, de natureza discricionária ou vinculada.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 593-594.)
Nesse contexto, não se cogita de inconstitucionalidade formal orgânica (vício de competência legislativa), pois o objeto da proposição está abarcado na competência legislativa dos Estados-membros.
Outrossim, revela-se viável a iniciativa parlamentar, uma vez que a pretensão legislativa não se enquadra nas regras que exigem a deflagração do processo legislativo privativamente pelo Governador do Estado (art. 19, § 1º, da Constituição do Estado de Pernambuco).
Ressalta-se que o texto do Projeto de Lei Ordinária nº 1094/2023 não faz menção ao órgão/entidade da Administração Pública responsável pela apuração e aplicação das sanções. Apesar dessa lacuna, é inegável que os comandos legais acarretam, na prática, a criação de novas atribuições materiais para a estrutura administrativa, o que, a princípio, poderia suscitar questionamentos sobre eventual afronta ao comando expresso no art. 19, § 1º, inciso VI, da Constituição Estadual.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento pela constitucionalidade de leis de autoria parlamentar que, a despeito de estabelecer novas obrigações materiais ao Poder Executivo, não especificavam formalmente o órgão ao qual elas eram cometidas. Nesse sentido:
EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 11.521/2000 do Estado do Rio Grande do Sul. Obrigação do Governo de divulgar na imprensa oficial e na internet dados relativos a contratos de obras públicas. Ausência de vício formal e material. Princípio da publicidade e da transparência. Fiscalização. Constitucionalidade. 1. O art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal atribuiu à União a competência para editar normas gerais de licitações e contratos. A legislação questionada não traz regramento geral de contratos administrativos, mas simplesmente determina a publicação de dados básicos dos contratos de obras públicas realizadas em rodovias, portos e aeroportos. Sua incidência é pontual e restrita a contratos específicos da administração pública estadual, carecendo, nesse ponto, de teor de generalidade suficiente para caracterizá-la como “norma geral”. 2. Lei que obriga o Poder Executivo a divulgar na imprensa oficial e na internet dados relativos a contratos de obras públicas não depende de iniciativa do chefe do Poder Executivo. A lei em questão não cria, extingue ou modifica órgão administrativo, tampouco confere nova atribuição a órgão da administração pública. O fato de a regra estar dirigida ao Poder Executivo, por si só, não implica que ela deva ser de iniciativa privativa do Governador do Estado. Não incide, no caso, a vedação constitucional (CF, art. 61, § 1º, II, e). 3. A legislação estadual inspira-se no princípio da publicidade, na sua vertente mais específica, a da transparência dos atos do Poder Público. Enquadra-se, portanto, nesse contexto de aprimoramento da necessária transparência das atividades administrativas, reafirmando e cumprindo o princípio constitucional da publicidade da administração pública (art. 37, caput, CF/88). 4. É legítimo que o Poder Legislativo, no exercício do controle externo da administração pública, o qual lhe foi outorgado expressamente pelo poder constituinte, implemente medidas de aprimoramento da sua fiscalização, desde que respeitadas as demais balizas da Carta Constitucional, fato que ora se verifica. 5. Não ocorrência de violação aos ditames do art. 167, I e II, da Carta Magna, pois o custo gerado para o cumprimento da norma seria irrisório, sendo todo o aparato administrativo necessário ao cumprimento da determinação legal preexistente. 6. Ação julgada improcedente.
(ADI 2444, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 30-01-2015 PUBLIC 02-02-2015)
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Lei de iniciativa parlamentar a instituir programa municipal denominado “rua da saúde”. Inexistência de vício de iniciativa a macular sua origem. 1. A criação, por lei de iniciativa parlamentar, de programa municipal a ser desenvolvido em logradouros públicos não invade esfera de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo. 2. Inviável a análise de outra norma municipal para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 290549 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 28/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-064 DIVULG 28-03-2012 PUBLIC 29-03-2012)
Por fim, sob o aspecto da constitucionalidade material, a proposta coaduna-se com o direito fundamental à segurança e com o dever imposto ao Poder Público de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas (arts. 6º e 144 da Constituição Federal).
Isto posto, não existem vícios de inconstitucionalidade que possam comprometer a validade da proposição em apreço.
No entanto, verifica-se que a legislação pernambucana já enfrenta o problema aventado na proposta (combate ao roubo, furto e receptação de cabos e fios metálicos, geradores, baterias, transformadores e placas metálicas). Nesse sentido, cumpre citar: 1) a Lei nº 13.230, de 11 de maio de 2007, que dispõe que os estabelecimentos comerciais que compram materiais de metal usados para revenda ficam obrigados a manter cadastro com dados pessoais e endereço completo das pessoas físicas ou jurídicas das quais foram efetuadas as compras; e 2) a Lei nº 15.034, de 2 de julho de 2013, que dispõe sobre cadastro específico para as operações de aquisição, estocagem, comercialização, reciclagem, processamento, fundição e beneficiamento de joias usadas, cabos de cobre, alumínio, baterias e transformadores, no âmbito do Estado de Pernambuco.
Em verdade, o teor do Projeto de Lei Ordinária nº 1094/2023 não traduz inovação propriamente dita, pois se limita a coibir condutas que são proibidas pelo ordenamento jurídico. Logo, torna-se desnecessária a edição do ato normativo nos termos propostos, sob pena de violação ao disposto no art. 3º, inciso IV, da Lei Complementar nº 171, de 29 de junho de 2011.
Apesar dessa circunstância, é possível o aproveitamento de alguns dispositivos da proposição com o intuito de aperfeiçoar o tratamento conferido pela legislação em vigor.
Assim, propõe-se a aprovação do seguinte substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº ______/2024 AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1094/2023
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1094/2023.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1094/2023 passa a ter a seguinte redação:
“Altera a Lei nº 15.034, de 2 de julho de 2013, que dispõe sobre cadastro específico para as operações de aquisição, estocagem, comercialização, reciclagem, processamento, fundição e beneficiamento de joias usadas, cabos de cobre, alumínio, baterias e transformadores, no âmbito do Estado de Pernambuco, originada de projeto de lei de autoria do Deputado José Humberto Cavalcanti, a fim de dispor sobre as operações objeto do cadastro e as penalidades decorrentes do descumprimento da lei.
Art. 1º A ementa da Lei nº 15.034, de 2 de julho de 2013, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Dispõe sobre cadastro específico para as operações de aquisição, estocagem, distribuição, comercialização, permuta, transporte, reciclagem, processamento, fundição e beneficiamento de joias usadas, cabos de cobre, alumínio, baterias e transformadores, no âmbito do Estado de Pernambuco.’ (NR)
Art. 2º A Lei nº 15.034, de 2013, passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 1º Fica instituída a obrigatoriedade de cadastro específico para identificação de origem nas operações de aquisição, estocagem, distribuição. comercialização, permuta, transporte, reciclagem, processamento, fundição e beneficiamento dos seguintes materiais: (NR)
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Art. 3º O estabelecimento que não cumprir o disposto na presente Lei ficará sujeito às seguintes penalidades: (NR)
I - multa, a ser fixada entre R$ 1.000,00 (um mil reais) e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), observado o porte do estabelecimento, o grau de reincidência e as circunstâncias da infração; (NR)
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III - cancelamento da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. (AC)
§ 1º Os valores de que trata o inciso I deste artigo serão atualizados pelo índice do IPCA ou qualquer outro que venha substituí-lo. (NR)
§ 2º As sanções previstas neste artigo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, a critério da autoridade administrativa.’ (AC)
Art. 3º Esta Lei entra vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua publicação oficial.”
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Substitutivo proposto ao Projeto de Lei Ordinária nº 1094/2023, de autoria do Deputado Luciano Duque, e consequente prejudicialidade da proposição principal.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Substitutivo proposto ao Projeto de Lei Ordinária nº 1094/2023, de autoria do Deputado Luciano Duque, e consequente prejudicialidade da proposição principal.
Histórico