
Indicação No 3209/2023
Texto Completo
Indicamos à Mesa, ouvido o Plenário e cumpridas as formalidades regimentais, que seja enviado APELO à Exma. Sra. Raquel Teixeira Lyra Lucena, Governadora do Estado de Pernambuco e à Exma. Sra. Ivaneide Dantas, Secretária de Educação e Esportes de Pernambuco , para que realizem a mudança do nome Escola de Referência em Ensino Médio Presidente Médici, localizada no município de Moreilândia, uma vez que o homenageado no nome do espaço educacional é reconhecido pelo Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (Lei Federal nº 12.258, de 18 de novembro de 2011) como violador de Direitos Humanos da Ditadura Civil-empresarial-militar do Brasil (1964-1985).
Justificativa
O presente requerimento de indicação versa acerca da substituição do nome da Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Presidente Médici, localizada no município de Moreilândia. Apresentamos esta indicação tendo em vista que o homenageado no nome da escola é citado pela Comissão Nacional da Verdade como violador de direitos humanos, no período da ditadura civil-empresarial-militar que vigorou no país entre 1964 e 1985.
A ditadura civil-empresarial-militar brasileira, instaurada no golpe de estado do dia 31 de março de 1964, foi um período triste, dramático e sangrento da história brasileira. A deposição do então presidente eleito João Goulart, que ocorreu com forte apoio do sistema econômico internacional, sobretudo com incentivo massivo do governo dos Estados Unidos, que participou, representado pelo embaixador Lincoln Gordon, ativamente das conspirações e articulações dos setores econômicos, sociais e políticos que se sentiam incomodados com as reformas de base defendidas por Goulart[1]. A deposição deu início a 21 anos de perseguição política, cerceamento da liberdade e do livre pensar, suspensão do Estado Democrático de Direito, prisões políticas, torturas, assassinatos e desaparecimento de corpos de militantes políticos.
De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, oficialmente, a ditadura civilempresarial-militar brasileira foi responsável por 434 mortos e desaparecidos políticos, entre 1964 e 1985. Muitos desses, submetidos a sessões de tortura.
O ex-ditador Emílio Garrastazu Médici, que governou o Brasil entre 1969 e 1974, teve seu governo marcado pelo aumento da repressão e da censura, dando continuidade ao endurecimento do regime, após o seu antecessor, o ditador Costa e Silva, instaurar o cruel Ato Institucional nº5 (AI-5), o mais brutal ato institucional do regime militar ditatorial brasileiro.
Documentos revelados pela Comissão da Verdade do Rio de Janeiro que mostram prontuários médicos de mulheres presas políticas que passaram por sessões de tortura e foram levadas ao Hospital Central do Exército gravemente feridas após as sessões, revelaram também a ciência e a conivência do então Presidente da República Emílio Garrastazu Médici, comprovando a tese de que a tortura praticada pelos agentes do Estado eram de claro conhecimento e contavam com a anuência da alta cúpula do regime militar. Como afirmou o Presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, o advogado Wadih Damous, “Mostra que a cadeia de comando da tortura, do desaparecimento forçado começava no Palácio do Planalto”[2].
Os documentos que evidenciavam a tortura passaram 30 anos na casa do então ditador Garrastazu Médici. Revela, ainda, a prática do silêncio sobre a tortura, uma vez que os laudos médicos das torturadas Maria Dalva Bonet, Vera Sylvia Magalhães e Francisca Abigail Paranhos, que, pela descrição das lesões, de acordo com peritos que analisaram os documentos durante os trabalhos da Comissão, eram nitidamente decorrentes das sessões de tortura, mas, nos laudos oficiais da época, tinha como conclusão fraudulenta, no caso de Maria Dalva, paralisia das pernas por causas psicológicas[3].
Além de ter sido o ditador que impôs o período de maior repressão da ditadura militar brasileira, com intensificação das práticas de tortura, assassinatos, desaparecimentos de pessoas, exílio e cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa, Médici foi o responsável pelo “milagre econômico”, que anos depois se mostrou uma farsa, com o aumento da dívida pública a níveis nunca visto antes.
A estratégia do “milagre econômico” pensada pelo ministro Delfim Neto, contava com o maior enriquecimento do empresariado e o achatamento do salário dos trabalhadores brasileiros, mudando, inclusive, a forma da base para o cálculo do reajuste salarial, que passou a não ser atrelado à inflação e levou os trabalhadores brasileiros a perdas reais no valor de seus salários[4]. A medida impopular, que aprofundou substancialmente as desigualdades sociais no Brasil, foi possível pela repressão dura aos sindicatos, a presença de censores nos meios de imprensa brasileiros, que controlavam, autoritariamente, o que deveria ser noticiado.
Das 49 vítimas fatais da ditadura civil-empresarial-militar brasileira nascidas em Pernambuco ou assassinadas no estado levantadas pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara, de Pernambuco, 37 foram assassinadas durante os 5 anos em que Garrastazu Médici esteve no poder. Responsabilizado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), Garrastazu Médici representa o autoritarismo que deixou sequelas irreparáveis na história do Brasil e de milhares de brasileiros. Como citado acima, tornou-se público e comprovado a anuência do ditador com a tortura e a repressão cometida pelos agentes do Estado. Com isto, se coloca como inadmissível que o Estado de Pernambuco, que teve, pelo menos, 37 mortos pela ditadura durante o regime de Médici, homenageie uma figura tão cruel, fria e autoritária.
Cabe ressaltar, inclusive, que este regime assassinou, torturou e executou o desaparecimento de estudantes por todo o país. Dentre eles, no primeiro dia do regime militar, o dia 01 de abril de 1964, foram assassinados no centro do Recife Jonas José de Albuquerque Barros e Ivan Rocha Aguiar, que foram alvejados por tiros disparados por militares, em uma manifestação pacífica. Jonas era estudante secundarista do Colégio Estadual de Pernambuco e Ivan acadêmico de Engenharia da Faculdade de Engenharia do Recife.[5] Portanto, homenagear o ditador Garrastazu Médici no nome de uma escola é um desrespeito com a história do Brasil.
A homenagem a torturadores e violadores de direitos humanos nunca coube, e muito menos nos dias atuais, deve ser tolerada. Várias cidades do Brasil têm revisto e recontado a história brasileira a partir do reconhecimento dessas figuras como figuras que não merecem nenhuma homenagem, renomeando ruas e removendo bustos e estátuas.
A Administração Pública do Estado de Pernambuco está proibida de realizar qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao Golpe Militar de 1964 e ao período da ditadura, em decorrência da Lei Estadual nº 16.629, de 20 de setembro de 2019, de autoria das Juntas Codeputadas (PSOL-PE). Segundo o Art. 2º dessa legislação, também fica vedado o uso de bem ou a destinação de recursos públicos de qualquer natureza em evento oficial ou privado em comemoração ou exaltação ao Golpe Militar de 1964 e às pessoas que constem no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade de que trata a Lei Federal nº 12.258, de 18 de novembro de 2011, como responsável por violações de direitos humanos.
Nesse sentido, até mesmo a Prefeitura de Taquari, cidade gaúcha na qual nasceu o ex ditador Arthur da Costa e Silva, removeu um busto que homenageava o mesmo, em 2014[6]. Em ação semelhante, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, no ano de 2014, para que fosse renomeada a ponte que liga a cidade do Rio de Janeiro à Niterói, que atualmente é denominada de Ponte Presidente Costa e Silva, alegando que a denominação da via viola o direito à memória, garantido pelo art. 216 da Constituição Federal[7]. Na ocasião, a Justiça Federal negou o pedido justificando que a medida deveria ser de iniciativa do Poder Legislativo.
No ano de 2015, o Governo do Estado do Maranhão decretou a mudança de 10 escolas estaduais que homenageavam ditadores, deixando a cargo da comunidade escolar a eleição do novo nome das escolas[8].
Cabe ressaltar que esta ação, que pode ser executada pelo Governo do Estado de Pernambuco vai no sentido do cumprimento de recomendação do relatório final da Comissão Estadual de Memória e Verdade Dom Hélder Câmara, que orienta o Estado de Pernambuco a alteração de nomes de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas que homenageiam agentes públicos ou particulares que notoriamente tenham tido participação direta com a prática de graves violações de direitos humanos no período ditatorial.[9]
Diante do exposto, e entendendo a necessidade de se promover a memória, verdade e justiça através de ações que coíbam a homenagem a violadores de direitos humanos, conto com o apoio dos ilustres deputados desta casa legislativa para a aprovação desta indicação.
[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-03/governo-norte-americanoparticipa-de-golpe-militar-no-brasil
[2]https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/12/comissao-da-verdade-afirma-quemedici-sabia-da-tortura-nos-quarteis.html
[3] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/12/comissao-da-verdade-afirma-quemedici-sabia-da-tortura-nos-quarteis.html
[4] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/29/economia/1506721812_344807.html
[5] https://memoriasdaditadura.org.br/memorial/jonas-jose-albuquerque-barros-2/
[6] Disponível em: . Acesso em: 10/03/2022.
[7] Disponível em: . Acesso em: 10/03/2022.
[8] https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2015/03/escolas-do-ma-que-homenageavamditadores-tem-nomes-substituidos.html
[9] https://www.comissaodaverdade.pe.gov.br/uploads/r/arquivo-publico-estadual-jordaoemerenciano/9/6/1/9610114fb55fb9a86239711442b6c69f298e44990ec83c6f07587fb76976ba58/66b68431- db76-4dcb-9c06-3effb08da7c5-Relatorio_final_vol_2_web.pdf
Histórico
Dani Portela
Deputada
Informações Complementares
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Situação do Trâmite: | PUBLICADA |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 09/08/2023 | D.P.L.: | 14 |
1ª Inserção na O.D.: |