Brasão da Alepe

Parecer 3504/2024

Texto Completo

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1333/2023

 

AUTORIA: DEPUTADO DORIEL BARROS

 

PROPOSIÇÃO QUE ALTERA A LEI Nº 17.157/2021, QUE INSTITUI O PROGRAMA PERNAMBUCO NA UNIVERSIDADE – PROUNI - PE. INCLUSÃO DE BENEFICIÁRIOS. PESSOAS LIGADAS À AGRICULTURA FAMILIAR, INDÍGENAS E QUILOMBOLAS. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA LEGISLAR SOBRE EDUCAÇÃO E MEIOS DE ACESSO AO ENSINO (ART. 23, INCISO V, E ART. 24, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). MODALIDADE DE AÇÃO AFIRMATIVA. COMPATIBILIDADE MATERIAL COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRECEDENTES DO STF. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO DESTE COLEGIADO E CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DA PROPOSIÇÃO PRINCIPAL.

 

1. RELATÓRIO

 

Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 1333/2023, de autoria do Deputado Doriel Barros, que altera a Lei nº 17.157, de 7 de janeiro de 2021, que institui o Programa Pernambuco na Universidade – PROUNI-PE, a fim de incluir como beneficiários da reserva de vagas do programa, pessoas ligadas à atividade rural em regime de economia familiar ou pertencentes a povos ou comunidades indígenas e quilombolas.

 

A proposição, nos termos da justificativa, visa corrigir distorções sociais relacionadas a grupos populacionais historicamente marginalizados, conforme se observa:

 

[...]

Em Pernambuco, foi criado no ano de 2021, por meio da Lei Estadual nº 17.157/2021, alterada posteriormente pela Lei Estadual nº 17.463/2021, o Programa Pernambuco na Universidade, destinado à concessão de bolsas de estudo do ensino superior para alunos vinculados a Instituições de Ensino Superior - IES. O PROUNI-PE tem como finalidade fomentar a formação de pessoas em nível superior, prioritariamente nos cursos de áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, através da concessão de subsídio financeiro e do atendimento às demandas dos setores econômicos do Estado, propiciando melhor qualificação de recursos humanos para a sociedade e inclusão social e laboral para os bolsistas.

Apesar da lei supracitada prever um rol taxativo de beneficiários do Programa, entendemos que se faz necessário o aditamento. Nesse sentido, é fundamental que se inclua neste rol estudantes que se autodeclaram indígenas ou pertencentes a comunidades quilombolas, bem como os alunos vinculados à atividade rural em regime de economia familiar. Desse modo, cabe frisar que a situação da educação nas comunidades indígenas, quilombolas e rurais de Pernambuco se insere na problemática educacional do país, já que em tais localidades o acesso ao ensino de qualidade ainda não está ampliado. 

Nesse contexto, ainda é muito comum observar crianças e adolescentes com acesso restrito à educação. Logo, as escolas (quando existem), funcionam em precárias condições e não têm uma proposta que leve em consideração o pertencimento étnico e a cultural a partir do território. Importante salientar, outrossim, que essas populações, historicamente, sempre foram negligenciadas no tocante às políticas sociais, seja em políticas de infraestrutura hídrica seja em políticas de escolarização, entre outras, cabendo ao Estado promover uma efetiva reparação através da inserção dessas comunidades nas políticas públicas. 

Assim sendo, numa perspectiva de reverter o quadro relatado, é fundamental assegurar ao público supramencionado ações afirmativas por meio da inclusão desses estudantes no rol taxativo do art. 7º da Lei nº 17.157/2021, a fim de proporcionar maiores condições de acesso ao ensino superior, além de cumprir o que está previsto no art. 5º da Constituição Federal no que diz respeito à igualdade de todos perante a lei. Conclui-se, portanto, que o emprego de políticas públicas é imprescindível para a concretização dos direitos sociais e da cidadania, vez que transforma a realidade social e mitiga as desigualdades existentes. Por todo o exposto, solicito o valoroso apoio dos Nobres Parlamentares da Assembleia Legislativa de Pernambuco para aprovação do presente projeto de lei.

[...]

 

O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, inciso III, do Regimento Interno).

 

É o relatório.

2. PARECER DO RELATOR

 

A proposição em análise encontra guarida no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de assuntos cuja deflagração do processo legislativo compete privativamente ao Governador do Estado. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, sua constitucionalidade formal subjetiva.

 

Além disso, pela ótica das competências constitucionais, a matéria versada no Projeto de Lei nº 1333/2023 está inserta na esfera de competência material e legislativa dos Estados-membros, conforme estabelecem os arts. 23, inciso V, e 24, inciso IX, da Constituição Federal:

 

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos  Municípios:

[...]

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

IX - educação, cultura, ensino e desporto;

 

Por outro lado, do ponto de vista material, cumpre registrar que a instituição de uma política voltada à reserva de bolsas para parcelas mais vulneráveis da população é uma forma de garantir o seu acesso e permanência em instituições de ensino superior, com a finalidade de compensar o processo histórico-social de exclusão de cidadãos específicos, seja beneficiando minorias, seja assegurando condições mínimas de exercício de direitos.

 

Nesse contexto encontram-se as discriminações positivas ou affirmative actions (ações afirmativas), que têm amparo no princípio da isonomia material (e não meramente formal), segundo a qual os cidadãos desiguais devem ser tratados de modo desigual, na medida da sua desigualdade. (vide: MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa “affirmative action” no direito norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001; e BARBOSA, Rui. Oração aos moços: edição comemorativa do centenário de nascimento do grande brasileiro. São Paulo: Reitoria da Universidade de São Paulo, 1949).

 

Há de se ressaltar, contudo, que não é qualquer ação afirmativa que se mostra compatível com os preceitos constitucionais. Em verdade, a análise deve ser feita caso a caso, sob pena de o ordenamento jurídico passar a promover discriminações negativas – e não positivas –, conferindo vantagem a cidadãos que não se encontram em situação de inferioridade ou vulnerabilidade.

 

Na hipótese ora analisada, verifica-se que o Projeto de Lei nº 1333/2023 prevê a reserva de bolsas para estudantes indígenas, pertencentes a comunidades quilombolas ou oriundos de famílias vinculadas à atividade rural.

 

Portanto, a priori, a previsão de reserva de bolsas a esses alunos revela-se consentânea com a situação de exclusão vivenciada por aqueles que, em regra, possuem dificuldades de acesso e permanência no ensino superior.

 

Em casos análogos, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de julgar a matéria relativa a ações de caráter afirmativo, entendendo pela plena constitucionalidade, por exemplo, dos sistemas de cotas adotados em universidades federais:

 

 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. POLÍTICA DE AÇÕES AFIRMATIVAS. INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR. USO DE CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL. AUTOIDENTIFICAÇÃO. RESERVA DE VAGA OU ESTABELECIMENTO DE COTAS. CONSTITUCIONALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. I – Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 597285, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-053 DIVULG 17-03-2014 PUBLIC 18-03-2014)

 

 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares.

II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.

III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.

IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro.

V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.

VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes.

VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos.

VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente. (ADPF 186, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC 20-10-2014)

 

Desse modo, inexistem vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que possam comprometer a validade do Projeto de Lei ora analisado.

 

Nada obstante, faz-se necessária a adequação do texto do Projeto de Lei nº 1333/2023 a fim de ajustá-lo às regras de técnica legislativa estabelecidas na Lei Complementar nº 171, de 2011.

 

Isto posto, propõe-se a aprovação do seguinte substitutivo:

 

SUBSTITUTIVO Nº ______/2024

AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1333/2023


Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1333/2023.

 

Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1333/2023 passa a ter a seguinte redação:

 

“Altera a Lei nº 17.157, de 7 de janeiro de 2021, que institui o Programa Pernambuco da Universidade – PROUNI-PE, a fim de incluir, como beneficiários da reserva de vagas, pessoas ligadas à atividade rural em regime de economia familiar ou pertencentes a povo ou comunidade indígenas e quilombolas.

 

Art. 1º A Lei nº 17.157, de 7 de janeiro de 2021, passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

“Art. 7º .....................................................................................

...................................................................................................

 

II – ser pessoa com deficiência, nos termos da Lei Federal nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que comprovem vínculo de matrícula nas Instituições de Ensino Superior – IES integrantes do PROUNI-PE; (NR)

 

III – mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica ou vítimas de violência doméstica e familiar, que comprovem vínculo de matrícula nas Instituições de Ensino Superior – IES integrantes do PROUNI-PE; (NR)

 

IV - pessoa vinculada à atividade rural em regime de economia familiar, nos termos da Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que comprovem vínculo de matrícula nas Instituições de Ensino Superior – IES integrantes do PROUNI-PE; ou (AC)

 

V - pessoa pertencente a povos ou comunidades indígenas ou quilombolas, nos termos do Decreto Federal nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que comprovem vínculo de matrícula nas Instituições de Ensino Superior – IES integrantes do PROUNI-PE. (AC)

...................................................................................................

 

§2º O número de bolsistas que seja relacionado aos incisos do caput não excederá a 20% (vinte por cento) do total de bolsistas do PROUNI-PE. (NR)

...................................................................................................

 

§4º Para os fins do disposto nos incisos III, IV e V do caput, considera-se:

 

I - mulher em situação de vulnerabilidade socioeconômica: a que se encontra em condição de fragilidade econômica e risco social, com pouco ou nenhum acesso aos direitos sociais à moradia, alimentação, saúde, educação, assistência social e ao trabalho; (NR)

 

II - mulher vítima de violência doméstica e familiar: a que foi submetida a qualquer ação ou omissão baseada no gênero que possa lhe causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, nos termos da Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006; (NR)

 

III - pessoa vinculada à atividade rural em regime de economia familiar: aquela que pratica atividades no meio rural, em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, sendo exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes; e (AC)

 

VI - pessoa pertencente a povos ou comunidades indígenas ou quilombolas: aquela que integra os grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (AC)

 

Art. 8º .......................................................................................

 

§1º As bolsas reservadas, de que cuidam os incisos do caput do art. 7º, que não forem preenchidas serão distribuídas entre a livre concorrência, segundo critérios de prioridade a serem estabelecidos em edital. (NR)

.................................................................................................”

 

Art. 2º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.

 

Art. 3º Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dia de sua publicação oficial.”

 

Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Substitutivo acima proposto e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.

 

É o Parecer do Relator.

 

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

 

Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Substitutivo deste Colegiado e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.

Histórico

[21/05/2024 11:55:02] ENVIADA P/ SGMD
[21/05/2024 18:08:14] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[21/05/2024 18:08:20] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO
[22/05/2024 07:35:24] PUBLICADO





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Esta proposição não possui emendas, pareceres ou outros documentos relacionados.