
Parecer 3217/2024
Texto Completo
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 1869/2024, DE AUTORIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO
PROPOSIÇÃO QUE ALTERA A LEI COMPLEMENTAR Nº 522, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2023, QUE ATUALIZA A ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO EXTRAJUDICIAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO, A FIM DE ACRESCENTAR OS ARTS. 12-A, 12-B E 12-C, COM O INTUITO DE FIXAR SERVENTIAS DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS, ATUALMENTE ATIVAS, NOS MUNICÍPIOS DE GARANHUNS E SALGUEIRO, BEM COMO ASSENTAR QUE O MUNICÍPIO DE GAMELEIRA PASSA A INTEGRAR O GRUPO ESPECIAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROPOR AO PODER LEGISLATIVO A MODIFICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO JUDICIÁRIAS. REORGANIZAÇÃO POR VIA LEGAL, NOS TERMOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (CF. ART. 96, II, D, E ART. 125 § 1º) E DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PELA APROVAÇÃO.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Complementar nº 1869/2024, de autoria do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que altera a Lei Complementar nº 522, de 22 de dezembro de 2023, que atualiza a organização do serviço extrajudicial do Estado de Pernambuco, a fim de acrescentar os arts. 12-A, 12-B e 12-C, com o intuito de fixar serventias de Registro Civil das Pessoas Naturais, atualmente ativas, nos municípios de Garanhuns e Salgueiro, bem como assentar que o Município de Gameleira passa a integrar o Grupo Especial.
Em sua justificativa, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco assim se posiciona:
“O presente projeto de Lei Complementar pretende inserir dispositivo na Lei Complementar nº 522, de 22 de dezembro de 2023, que atualizou a organização do serviço extrajudicial do Estado de Pernambuco, alterando, ainda, o Anexo Único da mencionada norma.
As modificações propostas visam corrigir 2 (duas) distorções derivadas da edição da Lei Complementar nº 522, de 22 de dezembro de 2023, quais sejam:
a) a exclusão do município de Gameleira do Grupo Especial: a LC nº 522/2023, por equívoco do substitutivo aprovado, manteve o município de Gameleira como integrante do “Grupo A”, o que impossibilita a unificação dos Cartórios daquela localidade.
No ponto, importa destacar que, quando do encaminhamento à Assembleia Legislativa, pelo Poder Judiciário, do Projeto de Lei Complementar que resultou na edição da LC nº 522/2023, anotou-se, na correspondente justificativa, que:
1. Da dificuldade financeira das pequenas serventias
Hoje, parcela significativa das serventias do Estado sofre com uma baixíssima demanda de serviços, ao mesmo tempo com uma baixíssima arrecadação.
Por outro lado, as exigências para manutenção das serventias e os custos para adequação às normas legais e administrativas tornam essas serventias não atrativas para a outorga via concurso público, permanecendo algumas delas por décadas nas mãos de interinos.
Para classificar as serventias como de baixo porte, estabeleceu-se os seguintes critérios:
- serventias localizadas em município cuja população não alcance 25.000 habitantes, integrantes do “Grupo A” que dispõe a Lei Complementar nº 196/2011;
- serventias de Registro Civil das Pessoas Naturais situadas em Distritos, cuja arrecadação semestral média nos últimos dois anos seja inferior a R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), independente do Grupo a que pertença.
(...)
2. Do Projeto
Considerando o panorama exposto, o projeto de lei complementar propõe:
ANEXAÇÃO DAS SERVENTIAS EM MUNICÍPIOS COM ATÉ 25.000 HABITANTES PERTENCENTES AO GRUPO A DA LC 196/2011, EXTINÇÃO DOS CARTÓRIOS DE REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS DE DISTRITOS COM ARRECADAÇÃO ATÉ R$ 75.000,00 (SETENTA E CINCO MIL REAIS).
O objetivo é viabilizar financeiramente as serventias deficitárias, reduzir despesas com o FERC-PE e otimizar o atendimento à população, com transparência, agilidade e retorno financeiro tanto para o responsável, quanto para o Tribunal de Justiça. Desse modo, os serviços notariais e de registro contarão com disciplina jurídica moderna e sistematizada, o que contribuirá para o melhor funcionamento dessa importante atividade de natureza jurídica.
2.1.1 Por que 25.000 habitantes?
Os núcleos urbanos de cidades até essa quantidade de habitantes não costumam ter grande extensão territorial, sem a necessidade de uso de transporte para chegar até o local, muitas vezes. Então concentrar todas as atribuições em um único local não prejudicaria o acesso aos serviços. Acima deste patamar, as cidades com estruturas diferentes, além de serventias com uma movimentação financeira razoável, dispensam a anexação.
2.1.2 Por que o grupo A?
Como a proposta não tem a intenção de reorganizar todas as serventias do Estado, preserva-se o padrão proposto pela LC 196/2011, no qual as serventias classificadas como integrantes do Grupo A foram consideradas como de menor potencial econômico.
2.1.3 Não haverá prejuízo a direito adquirido?
Nenhum. As extinções e anexações que ocorrerão de maneira imediata terão efeitos apenas sobre cartórios vagos. Em relação aos cartórios providos, a extinção ou anexação acontecerá após suas vacâncias.
Assim, a ratio legis utilizada pelo TJPE, no que se refere às anexações decorrentes da reestruturação proposta, tinha por escopo:
(i) preservar, na medida do possível, a lógica anteriormente instituída pela LC nº 196/2011;
(ii) alterar apenas a parametrização objetiva para a classificação de serventias como de “pequeno porte”. Nesse tópico, trabalhou-se com o quantitativo de habitantes, sendo certo que, na LC nº 196/2011, todos os municípios com até 35.000 habitantes faziam parte do “Grupo A”. Já na lógica da LC nº 522/2023, todos os municípios com menos de 25.000 habitantes deveriam passar a fazer parte de um outro Grupo - o Especial -, em que haveria a anexação de todos os serviços em um único Cartório.
Ocorreu, entretanto, erro material no tocante ao município de Gameleira, que, na LC nº 522/2023, acabou permanecendo no “Grupo A”, quando deveria ter sido lançado no “Grupo Especial”, em ordem a permitir a formação de uma Serventia Única na Comarca, ante o quantitativo de habitantes observado no último Censo do IBGE, a saber, 18.214, ou seja, menor que 25.000 e dentro, portanto, do “ponto de corte” estabelecido.
b) omissões quanto ao Registro Civil das Pessoas Naturais – 2º Distrito de Garanhuns (CNS nº 07.579-6) e ao Registro Civil das Pessoas Naturais – Distrito Vasques de Salgueiro (CNS nº 07.460-9): tais serventias, apesar de já devidamente instaladas e de possuírem, ambas, o seu próprio Código Nacional de identificação perante o CNJ, não foram relacionadas no Anexo Único da Lei Complementar Estadual nº 522/2023, o que pode levar à equivocada conclusão de que teriam sido extintas, quando, na verdade, continuam ativas e, por estarem vagas, devem ser oferecidas no próximo concurso público.
Por fim, destacamos ser urgente a correção das distorções mencionadas, haja vista a necessidade de exatidão na formação da lista das serventias vagas, a serem providas no âmbito do próximo Concurso Público de Provas e Títulos, para Outorga de Delegações de Notas e Registros do Estado de Pernambuco, cuja Comissão já foi inclusive constituída.
O Projeto de Lei e a Emenda tramitam nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, inciso III, do Regimento Interno).
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
Avançando na análise da proposição, necessário identificar as disposições constitucionais que tratem do tema. São elas:
“ Art. 96. Compete privativamente:
[...]
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
[...]
d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
[...]
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”
Em relação à natureza dos serviços notariais e registrais, importante destacar posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais:
“(...) as serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de competências públicas, muito embora exercidas em regime de delegação a pessoa privada. Competências que fazem de tais serventias uma instância de formalização de atos de criação, preservação, modificação, transformação e extinção de direitos e obrigações. Noutros termos, uma instância de emanação de atos jurídicos aptos a submeter terceiros à imperiosidade do que neles se contém” (Excerto do voto do Ministro Relator Ayres Britto, na ADI 2415, Tribunal Pleno, julgado em 22/09/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 08-02-2012 PUBLIC 09-02-2012)
“Os serviços notariais e registrais são concedidos mediante ‘peculiar’ delegação do Poder Público. A teleologia desta peculiaridade reside na ‘natureza’ da atividade, pois são serviços públicos essenciais (do Estado), e não simples atividades materiais, portanto não se encontram ao abrigo do Art. 175 da Carta de 1988, inexistindo qualquer ‘relação contratual’ entre o Estado e o Notário ou Registrador. Esta delegação está contaminada pela ‘pessoalidade natural’ do delegado, que somente poderá ser a pessoa física cuja tal atribuição tenha sido conquistada mediante ‘concurso público’ de provas e títulos. O controle de suas atividades é exercido pelos Tribunais, e sua remuneração é estabelecida através de uma tabela de emolumentos, sempre editada por lei” (CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 5.605).
Por sua vez, o veículo normativo apto a realizar reorganizações na estrutura das serventias extrajudiciais é, nos termos do que já decidiu o STF, a lei em sentido formal, de autoria do próprio Tribunal de Justiça, de forma que a proposição ora analisada está em perfeita sintonia com a jurisprudência do Pretório Excelso. Vejamos decisão da Suprema Corte a respeito do tema:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES 2, DE 2.6.2008, e 4, de 17.9.2008, DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS. REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS, PREVIAMENTE CRIADOS POR LEI ESTADUAL, MEDIANTE ACUMULAÇÃO E DESACUMULAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS. ESTABELECIMENTO DE REGRAS GERAIS E BEM DEFINIDAS, ATÉ ENTÃO INEXISTENTES, PARA A REALIZAÇÃO, NO ESTADO DE GOIÁS, DE CONCURSOS UNIFICADOS DE PROVIMENTO E REMOÇÃO NA ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 236, CAPUT E § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E AOS PRINCÍPIOS DA CONFORMIDADE FUNCIONAL, DA RESERVA LEGAL, DA LEGALIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO FORMULADO NA INICIAL.[...] 3. A matéria relativa à ordenação das serventias extrajudiciais e dos serviços por elas desempenhados está inserida na seara da organização judiciária, para a qual se exige, nos termos dos arts. 96, II, d, e 125, § 1º, da Constituição Federal, a edição de lei formal de iniciativa privativa dos Tribunais de Justiça. Precedentes: ADI 1.935, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 4.10.2002; ADI 2.350, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30.4.2004; e ADI 3.773, rel. Min. Menezes Direito, DJe de 4.9.2009. 4. A despeito da manutenção do número absoluto de cartórios existentes nas comarcas envolvidas, todos previamente criados por lei estadual, a recombinação de serviços notariais e de registro levada a efeito pela Resolução 2/2008, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de Goiás, importou não só em novas e excessivas acumulações, como também na multiplicação de determinados serviços extrajudiciais e no inequívoco surgimento de serventias até então inexistentes. 5. A substancial modificação da organização judiciária do Estado de Goiás sem a respectiva edição da legislação estadual pertinente violou o disposto no art. 96, II, d, da Constituição Federal. Declaração de inconstitucionalidade da íntegra da Resolução 2/2008, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de Goiás.
(ADI 4140, Relator(a): ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2011, DJe-180 DIVULG 19-09-2011 PUBLIC 20-09-2011 EMENT VOL-02590-01 PP-00105 RTJ VOL-00222-01 PP-00116)
Reforçando tal posicionamento, salutar destacar decisão da Suprema Corte ao analisar, justamente, lei editada por esta própria Assembleia Legislativa:
Direito constitucional e administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei estadual que reorganiza as delegações cartorárias de registro e notas. Constitucionalidade. 1. Ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei Complementar nº 196/2011, do Estado de Pernambuco, que reorganiza as delegações cartorárias de registro e notas no âmbito desse ente federado. 2. A lei estadual, de iniciativa do Tribunal de Justiça, que reorganiza as delegações cartorárias de registro e de notas do Estado não padece de inconstitucionalidade formal. Precedentes. 3. A realização de estudos prévios de viabilidade, nos quais se baseou a exposição de motivos da norma, bem como a observância aos parâmetros estabelecidos na Resolução nº 80/2009 do CNJ satisfazem o princípio da eficiência, o dever de motivação e o princípio da razoabilidade. 4. A jurisprudência do STF se firmou no sentido de que a regra do concurso público deve ser observada tanto para o ingresso na atividade notarial e de registro, como para a opção dos titulares por serventias desmembradas, desdobradas e desacumuladas. A norma impugnada não colide com essa orientação, tendo o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, inclusive, realizado processo seletivo para preenchimento das vagas. 5. O requerente não demonstra a alegada violação à isonomia e ao direito adquirido, pois não aponta em qual dos dispositivos a desacumulação se opera sem que ocorra a prévia vacância. O art. 4º da Lei Complementar estadual nº 196/2011, ao contrário, vale-se a todo o tempo das locuções “a partir de configurada a vacância” e “ao vagar”, impondo esses eventos como condição para a perda de atribuições por determinada serventia. 6. Ademais, em se tratando de serviços públicos, a titularidade das serventias notariais e de registro em suas exatas divisões territoriais e competências não gera direito adquirido. Os limites territoriais e competências de tais órgãos são matérias de interesse público que, por sua natureza, é mutável ao longo do tempo. 7. Improcedência dos pedidos, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional lei estadual, de iniciativa do Tribunal de Justiça, que reorganiza as delegações notariais e de registro, desde que haja interesse público nas modificações e seja observada a regra do concurso público”.
(ADI 4745, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 30-10-2019 PUBLIC 04-11-2019)
Feitas essas considerações, o parecer do Relator é pela aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 1869/2024, de autoria do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Diante do exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 1869/2024, de autoria do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.
Histórico