
Parecer 3178/2024
Texto Completo
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1232/2023 ALTERADO PELA EMENDA MODIFICATIVA Nº 01/2023
Comissão de Educação e Cultura
Autoria do Projeto de Lei: Deputado Renato Antunes
Autoria da Emenda Modificativa: Comissão de Constituição, Legislação e Justiça
Parecer ao Projeto de Lei Ordinária nº 1232/2023, altera a Lei nº 16.241, de 14 de dezembro de 2017, que cria o Calendário Oficial de Eventos e Datas Comemorativas do Estado de Pernambuco, define, fixa critérios e consolida as Leis que instituíram Eventos e Datas Comemorativas Estaduais, originada de Projeto de Lei de autoria do Deputado Diogo Moraes, a fim de instituir o Dia Estadual de Valorização da Vida do Nascituro. Recebeu a Emenda Modificativa nº 01/2023. Atendidos os preceitos legais e regimentais. No mérito, pela rejeição da proposição principal e pela consequente prejudicialidade da Emenda Modificativa.
- Relatório
Submete-se ao exame desta Comissão de Educação e Cultura o Projeto de Lei Ordinária no 1232/2023, de autoria do Deputado Renato Antunes, com a Emenda Modificativa nº 01/2023, apresentada pela Comissão de Constituição, Legislação e Justiça.
Quanto ao aspecto material, o Projeto de Lei em questão altera a Lei nº 16.241, de 14 de dezembro de 2017, que cria o Calendário Oficial de Eventos e Datas Comemorativas do Estado de Pernambuco, define, fixa critérios e consolida as Leis que instituíram Eventos e Datas Comemorativas Estaduais, originada de Projeto de Lei de autoria do Deputado Diogo Moraes, a fim de instituir o Dia Estadual de Valorização da Vida do Nascituro.
Em observância ao disposto no art. 250 do Regimento Interno desta Casa Legislativa, a proposição foi apreciada inicialmente pela Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, a quem compete analisar a constitucionalidade e a legalidade da matéria, onde recebeu a Emenda Modificativa nº 01/2023, apresentada com objetivo de adequar a redação do presente projeto às prescrições da Lei Complementar Estadual nº 171/2011. Cumpre agora a esta Comissão analisar o mérito da proposta.
- Parecer da Relatora
A proposição ora em análise objetiva alterar a Lei nº 16.241/2017, que cria o Calendário Oficial de Eventos e Datas Comemorativas do Estado de Pernambuco, define, fixa critérios e consolida as Leis que instituíram Eventos e Datas Comemorativas Estaduais, com o objetivo de instituir o Dia Estadual de Valorização da Vida do Nascituro no dia 08 de outubro de cada ano.
A justificativa apresentada pelo autor do Projeto de Lei enfatiza que o “objetivo [do projeto] é a promoção da valorização da vida intrauterina” e que “[n]osso ordenamento jurídico é claríssimo no sentido de que considera a vida do nascituro um bem a ser protegido, tipificando, inclusive, o abortamento como crime”.
Deve-se apontar, contudo, que o art. 128 do Código Penal determina que não há punição ao aborto se: a) não há outro meio de salvar a vida da gestante e; b) a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Além disso, em abril de 2012, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, decidiu que a gestante tem liberdade para decidir se interrompe a gravidez caso seja constatada, por meio de laudo médico, a anencefalia do feto - condição caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana.
É importante destacar que qualquer medida relacionada ao ciclo gravídico-puerperal deve ser embasada em princípios de respeito à dignidade humana, não discriminação e garantia de acesso a informações e serviços de saúde adequados.
A defesa incondicional do nascituro, o que parece ser o propósito do Projeto de Lei em tela, não possui amparo no ordenamento jurídico como busca informar, pois coloca em gravíssimo risco o direito de outros seres humanos à vida e à saúde. Nem o Código Penal, desde 1940, época em que foi instituído por Getúlio Vargas, faz da suposta valorização do nascituro uma bandeira irrestrita, de modo que a incondicionalidade da proposição fere os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Meninas, mulheres e demais pessoas que gestam são pessoas e, em suas existências, merecem toda a proteção, dignidade e acesso a direitos que o nosso Estado, as nossas leis e a nossa Constituição as reserva.
Além disso, a tentativa de impor obstáculos à realização do aborto legal, sejam eles simbólicos ou não, põe em risco especialmente a vida das vítimas de estupro de vulnerável: somente no ano de 2022, 56 mil meninas foram vítimas desse tipo de crime, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A violência sexual contra crianças, adolescentes e demais pessoas vulneráveis é uma das formas mais graves de agressão sexual, pois envolve vítimas que, pela sua idade ou situação de vulnerabilidade, não têm condições para consentir. Não é demais negritar que grande parte das vítimas realmente são crianças, cujo desenvolvimento físico e psicológico pode ser grave e profundamente afetado por esse tipo de trauma.
A manutenção forçada de uma gravidez resultante de estupro de vulnerável representa uma múltipla violação dos direitos humanos. Além de terem sido submetidas a uma experiência traumática e violenta, as crianças são obrigadas a enfrentar uma gravidez indesejada, que pode ter consequências físicas, emocionais e sociais devastadoras, incluindo o óbito da própria vítima. O acesso ao aborto legal é um direito civil respaldado pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, essencial para garantir que essas vítimas tenham o direito à interrupção de gravidez resultante de estupro e evitar danos adicionais à sua saúde e bem-estar. A imposição de obstáculos simbólicos, legislativos ou burocráticos ao acesso ao aborto legal coloca em risco a vida e a saúde dessas meninas, mulheres e pessoas que gestam, obrigando-as a recorrer a procedimentos clandestinos e inseguros, que aumentam significativamente o risco de complicações graves, e até mesmo de morte.
No Brasil, de acordo com dados da FioCruz, o aborto inseguro figura entre as principais complicações do ciclo gravídico-puerperal que resultam em óbito. Quase 75% de todas as mortes relacionadas a este ciclo são causadas pela interrupção insegura da gestação, juntamente com a hemorragia (especialmente após cesarianas), infecções e hipertensão arterial durante a gravidez (pré-eclâmpsia e eclâmpsia).
Obrigar, impedir ou constranger uma menina, mulher ou pessoa que gesta a prosseguir com uma gravidez resultante de violência sexual, de risco à sua vida ou de inviabilidade fetal, ainda que simbolicamente, pode ser caracterizado como tortura e é uma verdadeira revitimização destas pessoas.
Imperioso destacar, ainda, que o estupro é um crime que, por si só, já é demasiadamente subnotificado, o que também faz com que muitas meninas, mulheres e pessoas que gestam acabem não procurando os serviços disponíveis.
O acesso ao aborto seguro, portanto, já é demasiadamente obstaculizado por questões de funcionamento estrutural do Estado, bem como por questões sociais, morais ou até mesmo religiosas. Além da escassez de informações e o estigma social enfrentado pelas vítimas, muitas unidades de atendimento enfrentam a falta de uma equipe completa disponível diariamente. Isso significa que as crianças, mulheres e demais pessoas grávidas muitas vezes precisam viajar de suas comunidades para outras cidades, e até mesmo para a capital, por semanas seguidas, a fim de receber atendimento da equipe completa de profissionais, tais como psicólogos, médicos, assistentes sociais, entre outros.
Neste sentido, quaisquer formas de constrangimento, obstrução ou complicação de acesso a este direito, já muito dificultado, mesmo que a nível simbólico, são maneiras de revitimização e de violência contra essas pessoas. O abortamento legal é um direito de todas as meninas, mulheres e pessoas que gestam, e precisa ser resguardado sob a proteção do Estado, não obstruído.
Não é demais reforçar que o problema da gravidez infantil forçada afeta diretamente meninas vítimas de violência sexual. Essas crianças enfrentam inúmeras violações de direitos e correm riscos graves para sua saúde e bem-estar. As políticas públicas devem garantir o acolhimento e o apoio adequados para essas vítimas, não revitimizá-las.
É fundamental que as políticas públicas e legislações relacionadas ao aborto levem em consideração as necessidades e os direitos das vítimas de violência sexual, das pessoas que correm risco de óbito e das gestantes cujos fetos são incompatíveis com a vida extrauterina, garantindo-lhes o acesso seguro e legal à interrupção da gravidez quando desejado. Qualquer tentativa de impor obstáculos a esse acesso não apenas viola os direitos humanos fundamentais das vítimas, mas também coloca suas vidas em perigo.
Caso emblemático da tentativa de obstrução do acesso a tal direito ocorreu em Recife no ano de 2020, quando grupos extremistas tentaram impedir a realização do aborto legal em uma menina de apenas 10 anos que havia sido vítima de estupro no município de São Mateus, no interior do Espírito Santo, e não havia conseguido ter acesso ao procedimento na rede de saúde pública de seu estado.
Sendo assim, tendo em vista que a presente proposição representa, ainda que do ponto de vista simbólico, mais um ato político de obstrução à garantia do aborto legal, pondo em risco a saúde e a vida de mulheres e meninas no Estado de Pernambuco, esta relatoria entende que o projeto, no mérito, deve ser rejeitado por este colegiado, restando prejudicada a Emenda Modificativa nº 01/2023.
- Conclusão da Comissão
Com base no parecer fundamentado da relatora, este Colegiado considera que o Projeto de Lei Ordinária no 1232/2023, de autoria do Deputado Renato Antunes, deve ser rejeitado, restando prejudicada, consequentemente, a Emenda Modificativa nº 01/2023, de autoria da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça.
Histórico