
Parecer 2579/2024
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1380/2023
AUTORIA: DEPUTADO ÁLVARO PORTO
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A INDICAÇÃO DA ORIGEM DOS PRODUTOS DA AGRICULTURA FAMILIAR NAS EMBALAGENS DESSES. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE PRODUÇÃO E CONSUMO E SOBRE RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO CONSUMIDOR, NOS TERMOS DO ART. 24, V E VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA DEFESA DO CONSUMIDOR, VIDE ART. 170 DA CARTA MAGNA. ART. 143 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, PROMOÇÃO DA DEFESA DO CONSUMIDOR PELO ESTADO. DIREITO À INFORMAÇÃO, ARTS. 6º E 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990). PRECEDENTES DO STF E DA CCLJ. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO E CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DA PROPOSIÇÃO PRINCIPAL.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 1380/2023, de autoria do Deputado Álvaro Porto, que estabelece a obrigatoriedade de inclusão da indicação expressa da origem proveniente da agricultura familiar ou de empreendimento familiar rural nas embalagens dos produtos alimentícios derivados dessas atividades, produzidos e comercializados no Estado de Pernambuco.
A proposição, nos termos da justificativa, visa dar visibilidade aos produtos da agricultura familiar, tendo em vista a relevância social e econômica dessa, conforme se observa:
[...]
A Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, qualifica como agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural que atendam, cumulativamente aos seguintes requisitos: a) não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; b) utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; c) tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; d) dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. São considerados também agricultores familiares os pequenos produtores rurais, povos e comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores.
A agricultura familiar é de fundamental importância não apenas na produção de alimentos, mas sobretudo porque é responsável pela geração de emprego e renda a partir de seus sistemas agrícolas diversificados, contribuindo, inclusive, com a sustentabilidade ambiental. Sabe-se que grande parte dos alimentos dos alimentos de origem natural, como verduras, frutas, ovos e leite, que são produzidos e consumidos em escala mundial, provém dessa atividade (https://brasilescola.uol.com.br/geografia/agricultura-5.htm).
Desta forma, a proposição tem a função de dar visibilidade a essa produção, bem como de incentivar o consumo desses produtos, visto que eles fomentam a economia da região, à medida que geram emprego e renda na comunidade.
[...]
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, inciso III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Inicialmente, cumpre estabelecer que a presente proposição se baseia nos artigos 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, I, do Regimento Interno desta Casa Legislativa, uma vez que o Deputado Estadual detém competência legislativa para apresentar projetos de leis ordinárias desse viés.
Com efeito, a matéria em tela também se insere na competência legislativa estadual, na medida em que compete aos Estados legislar concorrentemente sobre produção e consumo, consoante o inciso V, do artigo 24, da Constituição Federal; e, igualmente, conforme o inciso VIII, do mesmo artigo acima referido, cabe aos Estados legislar sobre assuntos referentes à responsabilidade por danos causados ao consumidor. Através da dicção do art. 170 tem-se, ainda, que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados o princípio da defesa do consumidor.
Ademais, o art. 143 da Constituição Estadual preceitua que cabe ao Estado promover a defesa do consumidor, mediante: política governamental de acesso ao consumo e de promoção dos interesses e direitos dos consumidores, legislação suplementar específica sobre produção e consumo, entre outras formas.
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), instrumento normativo que protege a dignidade, a saúde, a segurança dos consumidores, dispõe sobre os direitos básicos destes em seu art. 6º, como o direito “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem.” Por sua vez, o art. 31 do CDC estabelece que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.
O Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Lei Maior do país, resguarda, no julgamento de casos análogos, a competência concorrente dos Estados-membros para legislar sobre o tema afeto à defesa do consumidor, inclusive sobre rotulagem de produtos, senão vejamos:
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 7.465/2021 do Estado do Piauí. Obrigatoriedade de etiquetas em braile ou outro meio acessível que atenda as pessoas com deficiência em peças de vestuário. Inconstitucionalidade formal. Alegada violação da competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual e internacional (CF, art. 22, VIII). Inocorrência. Matéria de competência concorrente. Produção e consumo (CF, art. 24, V). Proteção e integração social de pessoas com deficiência (CF, art. 24, XIV). Argumento no sentido da incompatibilidade entre a norma geral, editada pela União, e a norma estadual suplementar. Ausência. Inconstitucionalidade material. Suposta transgressão aos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência, da propriedade privada e da isonomia. Inexistência. Restrição dos efeitos da legislação impugnada ao espaço territorial piauiense. Parcial procedência do pedido. 1. A Lei 7.465/2021 do Estado do Piauí, ao dispor que as empresas do setor têxtil estão obrigadas a produzir peças de vestuário que contenham etiquetas em braile ou qualquer outro meio acessível à compreensão das pessoas com deficiência visual, não versa primordialmente sobre comércio interestadual (CF, art. 22, VIII). Na realidade, a legislação em questão encontra fundamento constitucional na competência concorrente para legislar sobre produção e consumo e proteção (CF, art. 24, V) e integração social das pessoas portadoras de deficiências (CF, art. 24, XIV). 2. O direito de acesso à informação é meio para o livre, responsável e consciente desenvolvimento da personalidade, pois permite a formação de ideias, opiniões, convicções, avaliações, críticas e crenças, bem assim autoriza a expressão de preferências sob os mais diversos aspectos da vida dos cidadãos. 3. Nesse sentido de acesso às informações necessárias para formação genuína da personalidade e, em consequência, da manifestação de vontade dos cidadãos – o querer singular e próprio de cada um –, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) estabelece em seu art. 6º, III, a imprescindibilidade de que os produtos e serviços contenham dados básicos à disposição do consumidor. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), por sua vez, buscando conferir acessibilidade, alterou a Lei 8.078/1990 (CDC), com a finalidade de garantir que tais informações básicas dos produtos e serviços sejam disponibilizadas de forma acessível às pessoas com deficiência nos termos do regulamento (CDC, art. 6º, parágrafo único). 4. A inércia regulamentar do Poder Executivo federal legítima que os Estados, atentos às suas peculiaridades, exerçam sua competência legislativa que, no caso, não só acarreta o adimplemento do comando legal, como também importa na concretização de direitos fundamentais das pessoas com deficiência. 5. O ato normativo impugnado em absoluto excede os limites da competência suplementar dos Estados, no tocante ao tema. Em primeiro lugar, não existem normas que disciplinem etiquetas aptas a garantir a essencial e indispensável acessibilidade às pessoas deficientes visuais que, por meio de adaptações razoáveis, poderão usufruir do direito à autodeterminação no tocante à escolha das peças de vestuário. Em segundo lugar, o artigo 19 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/2009) estabelece o direito à vida independente e inclusão na sociedade, a evidenciar que as pessoas com deficiência podem e são legitimadas a exercerem livremente e sem embaraços discriminatórios a mesma liberdade de escolha que as demais pessoas, sendo papel do Estado a implementação de mecanismos com objetivo de facilitar a tais pessoas o desempenho desse direito. 6. A Lei 7.465/2021 do Estado do Piauí, ao vedar a cobrança de valores adicionais para o cumprimento da obrigação imposta – identificação das peças de roupa com etiquetas em braile –, não violou os princípios da livre iniciativa, do livre exercício econômico, da livre concorrência, da isonomia e da propriedade, porquanto o Estado, no exercício legítimo da normatização, regulamentação e fiscalização da atividade econômica, editou diploma legal voltado à implementação dos objetivos fundamentais da República (CF, art. 3º, I, III e IV), a assegurar a existência digna de todos (CF, art. 170, caput), bem assim à promoção da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), especialmente daqueles portadores de deficiência. 7. A vagueza de alguns termos da Lei piauiense 7.465/2021 impõe seja reconhecida sua nulidade parcial sem redução de texto, apenas para excluir do seu âmbito de aplicabilidade a indústria têxtil não sediada em referida Unidade da Federação. 8. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida. Pedido julgado parcialmente procedente. (ADI 6989, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 19-06-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 14-08-2023 PUBLIC 15-08-2023)
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. Confederação sindical. Art. 103, IX, da CF. Lei nº 14.274/2010 do Estado de São Paulo. Rotulagem de produtos transgênicos. Alegação de inconstitucionalidade formal. Invasão da competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual. Regulamentação jurídica supostamente paralela e contrária à legislação federal da matéria. Afronta aos arts. 22, VIII, e 24, V e XII, §§ 1º e 3°, da CF. Inocorrência. Ação improcedente. 1. Legitimidade ad causam da autora, entidade integrante da estrutura sindical brasileira em grau máximo (confederação), representativa, em âmbito nacional, dos interesses corporativos das categorias econômicas da indústria (arts. 103, IX, da Constituição da República e 2º, IX, da Lei 9.868/1999). 2. Ao regulamentar critérios para a obrigatoriedade do dever de rotulagem dos produtos derivados ou de origem transgênica, a Lei n° 14.274/2010 do Estado de São Paulo veicula normas incidentes sobre produção e consumo, com conteúdos pertinentes, ainda, à proteção e defesa da saúde, matérias a respeito das quais, a teor do art. 24, V e XII, da CF, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente. 3. O ato normativo impugnado em absoluto excede dos limites da competência suplementar dos Estados, no tocante a essa matéria, por dois motivos principais. O primeiro, porque não afeta diretamente relações comerciais e consumeristas que transcendam os limites territoriais do ente federado. O segundo, porque não há nada na lei impugnada que represente relaxamento das condições mínimas (normas gerais) de segurança exigidas na legislação federal para o dever de informação (art. 5º, XIV, da Constituição Federal). 4. O estabelecimento de requisitos adicionais para a rotulagem de alimentos geneticamente modificados, quando não contrário ao conjunto normativo federal sobre a matéria, se insere na competência concorrente dos entes federados. 5. Pedido de aplicação dos precedentes formados no julgamento da ADI 280/MT, ADI 3.035-3/PR, ADI 3054-0/PR e ADI 3.645 indeferido, por motivo de distinção entre os casos em cotejo analítico. Aplicação do art. 489, §1º, V e VI, do Código de Processo Civil de 2015. 6. Não usurpa a competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual a legislação estadual que se limita a prever obrigações estritamente relacionadas à proteção e defesa do consumidor, sem interferir em aspectos propriamente comerciais. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 4619, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-002 DIVULG 08-01-2021 PUBLIC 11-01-2021)
Portanto, fica patente a competência dos Estados para suplementar a legislação federal quando a matéria se refere à produção e ao consumo, especificamente em relação à rotulagem de produtos.
Ademais, é oportuno registrar que essa CCLJ recentemente, por meio do Parecer nº 1663/2023 ao PLO 662/2023, reconheceu a constitucionalidade de projeto de lei de iniciativa parlamentar dispondo sobre rotulagem de produtos.
Desse modo, percebe-se que a proposição não apresenta mácula por vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Entretanto, a fim de adequar a proposição ao entendimento fixado pelo STF, o qual foi encampado por essa CCLJ no parecer mencionado, bem como visando melhorar a redação da proposição, mostra-se necessário a apresentação do Substitutivo a seguir.
SUBSTITUTIVO Nº ____________/2024
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1380/2023
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1380/2023, de autoria do Deputado Álvaro Porto.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1380/2023 passa a ter a seguinte redação:
“Dispõe sobre a informação de origem nas embalagens dos produtos alimentícios integralmente produzidos e embalados pela agricultura familiar ou empreendimento familiar rural do Estado de Pernambuco.
Art. 1º Nas embalagens dos produtos alimentícios integralmente produzidos e embalados pela agricultura familiar ou empreendimento familiar rural do Estado de Pernambuco deve constar a indicação expressa de que são produzidos nessas atividades produtivas.
Parágrafo único. As embalagens dos produtos de que trata o caput deverão conter a frase “produto originário da agricultura familiar” ou “produto originário de empreendimento familiar rural”, de acordo com a atividade desenvolvida e em tamanho de fácil visualização pelo consumidor, na forma definida em regulamento.
Art. 2º Para os fins desta Lei considera-se agricultura familiar e empreendimento familiar rural as atividades produtivas que atendam aos requisitos estabelecidos no art. 3º da Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006.
Art. 3º As infrações às normas desta Lei ficam sujeitas, conforme o caso, às sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas, previstas e regulamentadas nos arts. 56 a 60 da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Art. 4º A fiscalização do disposto nesta Lei será realizada pelos órgãos públicos nos respectivos âmbitos de atribuições, os quais serão responsáveis pela aplicação das sanções decorrentes de infrações às normas nela contidas, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa.
Art. 5º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários à sua efetiva aplicação.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor após decorrido 1 (um) ano de sua publicação oficial.”
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Substitutivo proposto ao Projeto de Lei Ordinária nº 1380/2023, de autoria do Deputado Álvaro Porto, e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Substitutivo proposto ao Projeto de Lei Ordinária nº 1380/2023, de autoria do Deputado Álvaro Porto, e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.
Histórico