
Parecer 2516/2024
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 943/2023
AUTORIA: DEPUTADO ROMERO SALES FILHO
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A INCLUSÃO DOS CONTEÚDOS DE DIREITO DOS ANIMAIS E PROTEÇÃO ANIMAL COMO TEMA TRANSVERSAL EM DISCIPLINA CORRELATA NO PROGRAMA CURRICULAR DAS ESCOLAS DE PERNAMBUCO. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO EXECUTIVO PARA EXERCER A DIREÇÃO SUPERIOR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 84, II, DA CF; E ART. 37, II, DA CARTA ESTADUAL). INICIATIVA PRIVATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO (ART. 19, §1º, II E VI, DA CARTA ESTADUAL). PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DA SIMETRIA E DA RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO. AUTONOMIA DIDÁTICA DAS INSTITUIÇÕES QUE COMPÕEM OS SISTEMAS DE ENSINO, NOS TERMOS DOS ARTS. 15, 17 E 26 DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996). PRECEDENTES DESTA CCLJ. VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE E DE ILEGALIDADE. PELA REJEIÇÃO.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº 943/2023, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, que determina a inserção das disciplinas Direito dos Animais e Proteção Animal na grade curricular das escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio de Pernambuco.
O Projeto de Lei tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, III, do Regimento Interno).
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre os aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa das matérias submetidas a sua apreciação
Apesar de possuir nobre intuito, a proposição em estudo encerra vícios de inconstitucionalidade formal subjetiva e de ilegalidade, conforme exposição a seguir.
Muito embora a Lei Maior tenha permitido aos estados legislar sobre educação, cultura e ensino (art. 24, IX, da CF), a competência para a iniciativa de leis desse jaez é reservada ao Governador do Estado, a quem cabe exercer a direção superior da administração pública, por força do art. 84, II, da Lei Maior e art. 37, II, da Carta Estadual; e dos princípios da separação dos poderes, da simetria (tendo em vista tratar-se de norma de reprodução obrigatória pelos estados-membros) e da reserva da administração.
A matéria (inserção de disciplina da grade curricular de escolas públicas) possui caráter nitidamente administrativo, afeto, pois, ao Poder Executivo. A instituição da nova obrigação atrairia implicações àquele poder, sobretudo à sua Secretaria de Educação.
Dito isso, o art. 19, §1º, VI, da Carta Estadual veda, expressamente, tal hipótese:
Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça, ao Defensor Público-Geral do Estado e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.
§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:
[...]
VI - criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado, de órgãos e de entidades da administração pública.
Ademais, por tratar-se de competência concorrente, os estados encontram-se vinculados às normas gerais editadas pela União.
Nesse contexto, a Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), traça as balizas de orientação curricular. Isto porque a técnica por ela utilizada não envolve a fixação de um currículo único, nacional e uniforme, em virtude do reconhecimento das peculiaridades econômicas, sociais e culturais existentes regional e localmente no País. Ao contrário, a LDB, em seu art. 26, estabelece que:
Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.
Desta feita, tem-se que a base nacional comum do currículo é matéria que reclama lei federal, enquanto a parte diversificada compete aos sistemas de ensino (instituições e órgãos de ensino) e aos estabelecimentos escolares.
Os arts. 16 a 18 da Lei definem a composição dos sistemas de ensino, sendo que, a teor do art. 17, na esfera estadual compreendem:
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem:
I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;
II - as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal;
III - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada;
IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente.
Verifica-se, assim, que a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco não compõe o sistema estadual de ensino, razão porque não pode promover alterações nos assuntos a serem ministrados em âmbito escolar, sob pena de ofensa à citada autonomia das instituições de ensino.
Esse, aliás, é o entendimento reiteradamente adotado por essa Comissão Técnica, a exemplo dos Pareceres nº 6473/2014, referente ao PLO nº 14/2011; nº 849/2015, relativo ao PLO nº 139/2015; e nº 2178/2016, atinente ao PLO nº 576/2015.
Perfilha tal intelecção o Conselho Estadual de Educação de Pernambuco que, em seu Parecer CEE/PE nº 33/2003-CLN, ao analisar tema correlato, concluiu:
“3.1. a opção da LDB por uma orientação de currículo nacional em lugar de um currículo;
3.2. que a base nacional comum do currículo é matéria nacional que reclama lei federal;
3.3. que a parte diversificada compete aos sistemas de ensino e aos estabelecimentos escolares;
3.4. que os sistemas de ensino são autônomos, razão por que as Leis Estaduais nº 12.142, de 20.12.2001, e nº 12.167, de 10.01.2002 não se aplicam aos estabelecimentos escolares integrantes dos sistemas Federal e Municipais, mesmo que aqueles sejam situados no território do Estado de Pernambuco;
3.5. e, que, ainda não fosse assim, a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco não integra o Sistema Estadual de Ensino, a teor do art. 17 da LDB, de forma a poder legislar sobre currículo, diretrizes ou disciplina;
3.6. que a organização de disciplinas e matérias inscreve-se no âmbito de autonomia das instituições de ensino;
o voto é no sentido de considerar as Leis Estaduais nº 12.142, de 20.12.2001, e nº 12.167, de 10.01.2002, conflitantes com a Lei Federal nº 9.394, de 20.12.1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –LDB, razão por que, e este ainda é o sentido do voto, se recomenda à Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco a revogação das referidas leis. ”
Por fim, insta salientar que a inteligência aqui esposada está em consonância com a jurisprudência do STF:
São inconstitucionais o art. 2º e seu parágrafo da Lei paulista n. 8.330/64, que relacionou disciplinas do currículo dos cursos de ensino secundário oficial, por invadir a competência do Conselho Estadual de Educação, fixada na Lei Federal de Diretrizes e Bases. Representação procedente em parte.” (STF, Tribunal Pleno, Rp nº 681/SP, rel. Min. AMARAL SANTOS, pub. no DJ de 03/10/1969)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRANSCRIÇÃO LITERAL DO TEXTO IMPUGNADO NA INICIAL. JUNTADA DA PUBLICAÇÃO DA LEI NO DIÁRIO OFICIAL NA CONTRACAPA DOS AUTOS. INÉPCIA.
INEXISTÊNCIA. ARTIGOS 1º, 2º E 3º DA LEI DISTRITAL N. 1.516, DE 1997. EDUCAÇÃO: SEGURANÇA NO TRÂNSITO. INCLUSÃO DE NOVADISCIPLINA NOS CURRÍCULOS DO PRIMEIRO E SEGUNDO GRAUS DE ENSINO DA REDE PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA COMUM DO ART. 23, XII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. RESSALVA QUANTO A EVENTUAL ANÁLISE DE LEGALIDADE DA CRIAÇÃO DAS DISCIPLINAS. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO (LEI N. 4.024/61). DISPENSA DO EXAME TEÓRICO PARA OBTENÇÃO DA CARTEIRA DE MOTORISTA. INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. OFENSA AO ART. 22, XI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Não há falar-se em inépcia da inicial da ação direta de inconstitucionalidade quando transcrito literalmente o texto legal impugnado, anexada a cópia do Diário Oficial à contracapa dos autos. 2. É constitucional o preceito legal que inclui nova disciplina escolar nos currículos de primeiro e segundo graus de ensino da rede pública do Distrito Federal, conforme competência comum prevista no art. 23, XII, da Constituição do Brasil, ressalvada a eventual análise quanto à legalidade da inclusão das disciplinas, matéria de competência dos Conselhos de Educação Estadual e Federal, afeta à Lei de Diretrizes e Bases da Educação. 3. Inconstitucionalidade de artigo que dispensa do exame teórico para obtenção de carteira nacional de habilitação os alunos do segundo grau que tenham obtido aprovação na disciplina, sob pena de ofensa à competência privativa da União prevista no art. 22, XI, da Constituição do Brasil. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. (STF, Tribunal Pleno, ADI nº 1991/DF, rel. Min. EROS GRAU, pub. no DJ de 03/12/2004)
Ademais, é necessário destacar que vige no ordenamento jurídico estadual a Lei nº 16.688, de 2019, que institui a Política de Educação Ambiental de Pernambuco – PEAPE, que dentre outros disposições, estabelece:
Art. 13. Na implementação da Educação Ambiental no Ensino Formal, o poder público estadual incentivará:
X - a proteção aos animais, compartilhando informações sobre legislação federal e estadual em vigor, principalmente a Lei nº 15.226, de 7 de janeiro de 2014;
[...]
XII - o desenvolvimento de atividades educacionais com animais, atendidas as normas sanitárias e de segurança.
Desse modo, percebe-se também que o objeto da proposição já está contemplado na legislação estadual, maculando ainda de vício de antijuridicidade o projeto de lei em análise.
Feitas as considerações pertinentes, opina-se pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 943/2023, de iniciativa do Deputado Romero Sales Filho, por vícios de inconstitucionalidade, ilegalidade e antijuridicidade.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expostas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 943/2023, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, por vícios de inconstitucionalidade, ilegalidade e antijuridicidade.
Histórico