
Parecer 557/2019
Texto Completo
Vem a esta Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular, para a análise e emissão de parecer, o Substitutivo 01, de autoria da CCLJ ao Projeto de Lei Ordinária Desarquivado nº 1940/2018, de autoria do Deputado Pastor Cleiton Collins.
O Substitutivo, em análise, estabelece parâmetros de funcionamento das Comunidades Terapêuticas Acolhedoras no acolhimento voluntário de pessoas com problemas decorrentes do uso abusivo ou dependência de drogas.
Essa proposição está em consonância com o art. 19, caput, da Constituição Estadual e arts. 192 e 194, I, do Regimento Interno deste Poder Legislativo.
A proposição principal tem por objetivo, regulamentar as entidades caracterizadas como comunidades terapêuticas, que realizam o acolhimento de pessoas, de forma voluntária, com problemas relacionados ao uso nocivo ou dependência de substância psicoativa.
O Substitutivo em análise tentou aperfeiçoar a proposição, trazendo modificações em sua redação com a competência legislativa estadual. De início, cumpre observar que o projeto de lei vem no intuito de regulamentar as Comunidades Terapêuticas, devendo estar em consonância com a recente lei federal promulgada de nº 13.840/19.
Apesar de em seu texto original ser colocado as Comunidades Terapêuticas como integrantes do Sisnad, o mesmo foi vetado pelo Presidente da República por meio da Mensagem nº 239, uma vez que foi considerada competência exclusiva do chefe do executivo determinar a composição da sua própria organização administrativa. Observemos:
“7º-A. Integram o Sisnad:
I - Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas - CONAD, órgão normativo e de deliberação coletiva do Sistema;
II - Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - SENAD;
III - órgãos governamentais de políticas sobre drogas;
IV - órgãos públicos responsáveis pela repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas;
V - comunidades terapêuticas acolhedoras; e
VI - organizações, instituições ou entidades da sociedade que atuam nas áreas da atenção à saúde e da assistência social e atendam usuários ou dependentes de drogas e respectivos familiares.
§ 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a formulação e articulação das políticas sobre drogas, com o objetivo de potencializar e convergir esforços de toda a sociedade na prevenção, atenção e repressão ao uso de drogas no contexto do Sisnad.
§ 2º Os conselhos de políticas sobre drogas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão, mediante adesão, integrar o Sisnad.
§ 3º Comunidades terapêuticas acolhedoras são pessoas jurídicas, sem fins lucrativos, que realizam o acolhimento do usuário ou dependente de drogas.
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Razões do veto
O dispositivo proposto define regras de competência, funcionamento e organização de órgãos do Poder Executivo, invadindo a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor por decreto sobre tal matéria, nos termos da alínea a do inciso VI do art. 84 da Constituição da República de 1988. Ademais, é de competência privativa do Chefe do Poder Executivo a iniciativa das leis que tratem de organização administrativa, serviços públicos e pessoal, conforme prevê a alínea a do inciso II do § 1º do art. 61 da CR de 1988” (grifo meu)
Dessa forma, inconcebível as comunidades terapêuticas integrarem o SISNAD se na lei federal nº 13.840/19 não possui essa previsão.
Ademais, por meio da Mensagem nº 239/2019, o Governo Federal também manifestou pelo veto dos dispositivos que impunham ao Sistema Único de Saúde – SUS – qualquer ligação ou prioridade de atendimento para as comunidades terapêuticas, por entender que violam princípios como da isonomia, bem como a autonomia administrativa do executivo.
A própria integração das Comunidades Terapêuticas com o SUS é contradita no texto do substitutivo apresentado pela Comissão de Legislação, Constituição e Justiça, quando em seu artigo 2º, §1º, prevê que as comunidades terapêuticas não serão consideradas instituições que ofereçam serviços assistenciais de saúde. Assim, se a mesma não presta serviço de saúde, não pode estar ligada aos SUS através da Rede de Atenção Psicossocial.
Deve-se considerar também que qualquer mudança na estrutura do Sistema de Saúde Estadual é de competência exclusiva do Executivo, uma vez que se trata de organização administrativa, nos termos do artigo 19, §1º, VI, da Constituição Estadual.
Vale apontar que mesmo havendo a existência da Portaria nº 3.088/11 do Ministério da Saúde que inclui as Comunidades Terapêuticas no RAPS, não pode um projeto de lei apresentado por um deputado ser embasado em um ato normativo infralegal para se tornar Constitucional. Uma portaria tem caráter precário, sendo uma política de governo, já a lei tem um caráter mais permanente, sendo vista como política de Estado. Logo, não pode norma inferior que regulamente determinada matéria ser utilizada para justificar a competência de um deputado legislar sobre assunto que deveria ser exclusivo do Poder Executivo.
Também, no artigo 10 do Substitutivo da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, é apresentado que a responsabilidade na transição das comunidades terapêuticas para o sistema RAPS é de responsabilidade do executivo, sendo uma afronta ao artigo 19, §1º, IV, da Constituição Estadual, o qual prevê que é de competência privativa do Governador versar sobre projetos de lei que causem dispêndio ao Poder Executivo.
É necessário também estar atento ao fato das Comunidades Terapêuticas receberem verbas públicas para realizarem suas atividades, sendo salutar criar mecanismos para que haja uma melhor transparência e fiscalização desses recursos. Dessa forma, deve ser incluído algum artigo prevendo que estas Comunidades sofrerão controle, fiscalização e punição nos termos da lei nº 8.429/92.
Ainda, deve-se assegurar os direitos constitucionais de liberdade de crença, locomoção, informação, orientação sexual, raça e definir a quantidade mínima de profissionais que devem haver nessas instituições para, assim, tornar o texto mais abrangente e claro no respeito aos direitos dos acolhidos.
Por isso, no intuito de adequar o Projeto de Lei às normas e leis vigentes no nível federal e estadual e em respeito aos direitos humanos e à cidadania dos beneficiados pela normativa, rejeito o Substitutivo 01/2019 e proponho o presente Substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº ____/2019 AO
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA DESARQUIVADO Nº 1940/2018
Ementa: Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária Desarquivado nº 1940/2018, de autoria do Deputado Pastor Cleiton Collins.
Artigo Único. O Projeto de Lei Ordinária Desarquivado nº 1940/2018 passa a ter a seguinte redação:
“Ementa: Estabelece parâmetros de funcionamento das Comunidades Terapêuticas Acolhedoras no acolhimento voluntário de pessoas com problemas decorrentes do uso abusivo ou dependência de drogas.
Art. 1º Configuram-se como Comunidades Terapêuticas Acolhedoras as instituições privadas, sem fins lucrativos, que ofertam serviço de acolhimento voluntário de pessoas com problemas decorrentes do uso ou dependência de drogas.
Art. 2º O serviço de acolhimento desenvolvido pelas Comunidades Terapêuticas Acolhedoras deve ser:
I- em espaço físico semelhante à residência;
II- de caráter provisório;
III- de forma voluntária, tanto para adesão quanto para permanência, registrada por escrito;
IV- que proporcione o fortalecimento de vínculos e a convivência;
V- que possibilite a reinserção sociofamiliar e produtiva; e
VI- de forma a contribuir para o desenvolvimento pessoal dos usuários.
§1º Não serão consideradas comunidades terapêuticas as instituições que oferecerem serviços assistenciais de saúde pelo Sistema Único de Saúde – SUS ou executarem procedimentos de natureza clínica distintos dos serviços previstos nesta Lei.
§2º O serviço de acolhimento ofertado pelas comunidades terapêuticas é distinto daqueles serviços e programas ofertados à população pelo Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
Art. 3º As Comunidades Terapêuticas Acolhedoras devem acolher somente pessoas com problemas decorrentes do uso abusivo de drogas ou que estejam dependentes de tais substâncias, que apresentem demanda por proteção e apoio, com avaliação médica prévia.
Parágrafo único. Não serão acolhidas pessoas com problemas de ordem biológica e/ou psicológica que mereçam tratamento médico-hospitalar emergencial ou contínuo.
Art. 4º São princípios do serviço de acolhimento em comunidades terapêuticas:
I – respeito à dignidade do usuário e à sua autonomia;
II – humanização do cuidado, com base nos princípios que regem os direitos humanos;
III – igualdade de direitos, sem discriminação de raça, orientação sexual, identidade de gênero, crença ou qualquer outro tipo de preconceito;
IV – completude institucional e intersetorialidade;
V- participação do usuário durante todas as fases do processo de acolhimento;
VI- garantia do acesso à informação e aos meios de comunicação, incluindo-se acesso à internet, telefone, correspondência e visitas semanais; e
VII – participação da família ou pessoa por ele indicada no processo de acompanhamento do usuário;
Art. 5º São obrigações das comunidades terapêuticas:
I – informar aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde e de Políticas sobre Drogas, bem como aos órgãos responsáveis pela política sobre drogas no âmbito do Governo Estadual e das Prefeituras, o início e o término do funcionamento da instituição;
II - possuir programa de acolhimento, de acordo com a Lei Estadual nº 14561/2011;
III – elaborar e manter atualizado o Plano de Atendimento Singular - PAS de cada usuário acolhido;
IV – comunicar ao usuário e a sua família ou pessoa por ele indicada os parâmetros, normas e rotinas do serviço de acolhimento, enfatizando os critérios para admissão, permanência e desligamento, devendo o mesmo declarar por escrito que está ciente dos termos informados;
V – desenvolver atividades que permitam e contribuam para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários;
VI – garantir infraestrutura e funcionamento de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – RDC Nº 29/2011.
VII – articular com a rede local o atendimento e inserção dos usuários nos serviços, principalmente aqueles de Assistência Social, Saúde, Educação, Emprego e Renda, e de acesso à documentação formal;
VIII – manter equipe multidisciplinar com formação adequada aos objetivos do serviço prestado, coordenada por profissional de nível superior tecnicamente habilitado para este fim, com, no mínimo, um profissional de nível superior e dois de nível técnico para cada 15 acolhidos, a semelhança da Portaria nº 131/12 do Ministério da Saúde;
IX – promover a formação continuada para os profissionais da instituição, bem como garantir a participação dos mesmos em atividades formativas promovidas por outros órgãos;
X – comunicar a família ou pessoa indicada pelo usuário, bem como aos órgãos competentes, em até 24h, intercorrências graves ou falecimento; e
XI – fornecer anualmente ao Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas – CEPAD, ao Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e ao Conselho municipal de Políticas sobre Drogas, no Município que assim tiver, informações atualizadas sobre o funcionamento do serviço, número de acolhimentos realizados, numero de vagas e perfil das pessoas acolhidas nos últimos 6 meses.
Art. 6º São direitos do usuário do serviço:
I – definir sobre a interrupção da sua permanência no acolhimento a qualquer tempo;
II – ter assegurada convivência familiar e/ou comunitária, bem como as condições necessárias para sua efetivação;
III – ter a privacidade, integridade, identidade e histórias de vida preservadas;
IV – ter assegurado espaços de escuta para expressar suas demandas;
V – ser acolhido em espaço com padrões de qualidade no que tange à alimentação, higiene, segurança, conforto e habitabilidade;
VI – ter acesso a informações sobre o serviço, bem como sobre as regras de convivência;
VII – ter acesso aos serviços ofertados pelas políticas públicas;
VIII – ter assegurado o sigilo, segundo normas legais, cabendo a divulgação de informação, imagem ou outra forma exposição do usuário do serviço mediante prévia autorização por escrito;
IX – participar, em conjunto com a família ou pessoa por ele indicada, da elaboração do Plano de Atendimento Singular – PAS; e
X – participar de atividades em consonância com suas demandas, interesses e potencialidades.
XI – ter liberdade de culto e crença;
XII – ter assegurado o direito a recursar-se de participar e estar presente em cultos religiosos que porventura venham ocorrer na Comunidade Terapêutica, sem prejuízo ao seu Plano de Atendimento Singular – PAS;
XIII – ter, no mínimo, uma visita semanal durante seu acolhimento.
Parágrafo único. A prestação de informações administrativas aos órgãos de gestão e de controle, bem como aos conselhos municipais e nacional não fere o sigilo de que trata o inciso VIII deste artigo.
Art. 7º Para o funcionamento e atendimento prestado pelas comunidades terapêuticas serão observadas as normas de âmbito municipal, estadual e nacional que disciplinam essas instituições.
Art. 8º As Comunidades Terapêuticas Acolhedoras poderão ser contempladas com formas de financiamento das políticas sobre drogas, de acordo com as normas vigentes.
Art. 9º. Caberá à Comunidade Terapêutica adotar as providências necessárias para se adequar a presente lei.
Art. 10. As Comunidades Terapêuticas Acolhedoras submetem-se às normas de controle, fiscalização e punição que regem sua atividade.
Parágrafo único. As Comunidades Terapêuticas Acolhedoras que recebam subvenção, recurso, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público submetem-se às sanções previstas na Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992.
Art. 11. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.
Diante do exposto, opino no sentido de que o Parecer seja pela aprovação, nos termos do Substitutivo proposto.
Diante das considerações do relator, a Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular opina pela rejeição do Substitutivo 01, de autoria da CCLJ e pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária Desarquivado nº. 1940/2018, de autoria do Deputado Pastor Cleiton Collins, nos termos do Substitutivo proposto.
Histórico