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Parecer 1786/2023

Texto Completo

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 843/2023

 

AUTORIA: DEPUTADA DELEGADA GLEIDE ÂNGELO

 

 

PROJETO DE LEI QUE ALTERA A LEI Nº 12.525, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2003, QUE ESTABELECE NORMAS ESPECIAIS RELATIVAS AOS PROCEDIMENTOS DE LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. PREFERÊNCIA PARA IMÓVEIS NOS QUAIS SEJAM REALIZADOS O USO RACIONAL E O REAPROVEITAMENTO DAS ÁGUAS E UTILIZEM ENERGIA DE MATRIZ SUSTENTÁVEL.  PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DOS ESTADOS MEMBROS. ART. 24, VI, CF/88. REGRA ESPECÍFICA SOBRE LICITAÇÕES. PRECEDENTES DO STF. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE OU ILEGALIDADE. PELA APROVAÇÃO.

 

 

1. RELATÓRIO

 

Trata-se do Projeto de Lei Ordinária nº 843/2023, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, que altera a Lei nº 12.525, de 30 de dezembro de 2003, que estabelece normas especiais relativas aos procedimentos de licitação e contratação na Administração Pública Estadual, altera a Lei nº 11.424, de 7 de janeiro de 1997, e dá outras providências, a fim de estabelecer preferência para locação de imóveis nos quais sejam realizados o uso racional e o reaproveitamento das águas e que utilizem energia de matriz solar, eólica ou de outra matriz sustentável.

O Projeto de Lei em análise tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário, conforme inciso III do art. 253 do Regimento Interno.

É o relatório.

 

2. PARECER DO RELATOR

 

A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.

 

Verifica-se que o objeto da proposição incide sobre dois assuntos principais, quais sejam: conservação e proteção ambiental e licitações públicas.

 

Em relação à proteção ambiental, é cediço que é tema franqueado à atuação do legislador estadual, tendo em vista, dentre outros dispositivos, o art. 24, VI, c/c art. 23, VI, da Constituição de 1988, in verbis:

 

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;”

 

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;”

 

Na mesma linha, entende-se que o projeto em tela contribui para o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos do art. 225, da CF/88:

 

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”

 

No tocante ao tema das licitações e contratações públicas, o projeto de lei, com o cariz apresentado, também não encontra impedimentos para ser aprovado nesta Comissão, pois não afronta as normas gerais estabelecidas pela União, conforme demonstraremos a seguir.

 

Nesse contexto, é oportuno esclarecer que a disciplina normativa sobre licitação também está circunscrita na concepção de condomínio legislativo, pois o art. 22, XXVII, da CF/88, deixa claro que compete à União apenas o estabelecimento de normas gerais, conforme se observa:

 

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”

 

Dessa maneira, é indiscutível a possibilidade de atuação legislativa dos entes subnacionais com a finalidade de editar normas específicas para atender suas peculiaridades. Nesse sentido, a lição doutrinária de Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

 

“Na forma do art. 22, XXVII, da CRFB, compete à União legislar sobre normas gerais de licitações e contratos. É importante frisar que o texto constitucional estabeleceu a competência privativa apenas em relação às normas gerais, razão pela qual é possível concluir que todos os Entes Federados podem legislar sobre normas específicas.

Desta forma, em relação à competência legislativa, é possível estabelecer a seguinte regra:

a) União: competência privativa para elaborar normas gerais (nacionais), aplicáveis a todos os Entes Federados.

b) União, Estados, DF e Municípios: competência autônoma para elaboração de normas específicas (federais, estaduais, distritais e municipais), com o objetivo de atenderem as peculiaridades socioeconômicas, respeitadas as normas gerais.

A dificuldade, no entanto, está justamente na definição das denominadas “normas gerais”, pois se trata de conceito jurídico indeterminado que acarreta dificuldades interpretativas. Isso não afasta, todavia, a importância da definição das normas gerais, em virtude das consequências em relação à competência legislativa.” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos. 4º ed., Rio de Janeiro: Forense).

 

Na perspectiva de indicar os caminhos de atuação do legislador estadual sobre o tema das licitações, o STF, ao julgar a ADI nº 3735/MS, fixou importantes parâmetros, conforme se observa:

 

“EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI 3.041/05, DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES COM O PODER PÚBLICO. DOCUMENTOS EXIGIDOS PARA HABILITAÇÃO. CERTIDÃO NEGATIVA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS DO CONSUMIDOR. DISPOSIÇÃO COM SENTIDO AMPLO, NÃO VINCULADA A QUALQUER ESPECIFICIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL, POR INVASÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA (ART. 22, INCISO XXVII, DA CF). 1.  A igualdade de condições dos concorrentes em licitações, embora seja enaltecida pela Constituição (art. 37, XXI), pode ser relativizada por duas vias: (a) pela lei, mediante o estabelecimento de condições de diferenciação exigíveis em abstrato; e (b) pela autoridade responsável pela condução do processo licitatório, que poderá estabelecer elementos de distinção circunstanciais, de qualificação técnica e econômica, sempre vinculados à garantia de cumprimento de obrigações específicas. 2. Somente a lei federal poderá,  em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os concorrentes e assim restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao direito estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar neste particular se tiver como  objetivo estabelecer condições específicas, nomeadamente  quando relacionadas a uma classe de objetos a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local. 3. Ao inserir a Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor no rol de documentos exigidos para a habilitação, o legislador estadual se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito constitucional de acesso a licitações e criou uma presunção legal, de sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de proteção do consumidor é motivo suficiente para justificar o impedimento de contratar com a Administração local. [...].” [ADI 3.735, rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-9-2016, P, DJE de 1º-8-2017.] (grifos acrescidos)

 

Observa-se, portanto, que o Supremo Tribunal deixou claro que o direito estadual pode criar desigualdades entre os concorrentes com o objetivo de estabelecer condições específicas relacionadas a uma classe de objetos determinada. É nesse terreno que o projeto em tela se posiciona, pois estabelece condições específicas (uso racional, reaproveitamento da água e utilização de energia oriunda de matriz sustentável) para uma determinada classe de objeto, no caso, imóveis para locação pela administração pública estadual. Ou seja, não há qualquer afronta às normas gerais estabelecidas pela União.

 

Além disso, destaca-se que o projeto também não apresenta vício de iniciativa, visto que, o STF também já decidiu que a matéria atinente às licitações e aos contratos administrativos não foi incluída expressamente no rol submetido à iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Por conseguinte, cabe iniciativa parlamentar, inclusive para estabelecer preferências, em licitações, conforme se constata na transcrição a seguir:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. LEI Nº 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUI, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA REGIONAL, PREFERÊNCIA ABSTRATA PELA AQUISIÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. EXERCÍCIO REGULAR DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PELO ESTADO-MEMBRO. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGIFERANTE RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO. LEGISLAÇÃO COMPATÍVEL COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DA IMPESSOALIDADE, DA EFICIÊNCIA E DA ECONOMICIDADE. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. A competência legislativa do Estado-membro para dispor sobre licitações e contratos administrativos respalda a fixação por lei de preferência para a aquisição de softwares livres pela Administração Pública regional, sem que se configure usurpação da competência legislativa da União para fixar normas gerais sobre o tema (CRFB, art. 22, XXVII). 2. A matéria atinente às licitações e aos contratos administrativos não foi expressamente incluída no rol submetido à iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo (CRFB, art. 61, §1º, II), sendo, portanto, plenamente suscetível de regramento por lei oriunda de projeto iniciado por qualquer dos membros do Poder Legislativo. 3. A Lei nº 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul não engessou a Administração Pública regional, revelando-se compatível com o princípio da Separação dos Poderes (CRFB, art. 2º), uma vez que a regra de precedência abstrata em favor dos softwares livres pode ser afastada sempre que presentes razões tecnicamente justificadas. 4. A Lei nº 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul não exclui do universo de possíveis contratantes pelo Poder Público nenhum sujeito, sendo certo que todo fabricante de programas de computador poderá participar do certame, independentemente do seu produto, bastando que esteja disposto a celebrar licenciamento amplo desejado pela Administração. 5. Os postulados constitucionais da eficiência e da economicidade (CRFB, arts. 37, caput e 70, caput) justificam a iniciativa do legislador estadual em estabelecer a preferência em favor de softwares livres a serem adquiridos pela Administração Pública. 6. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente.” [ADI 3059, rel. min. Ayres Britto, j. 9-4-2015, P, DJE de 8-5-2015] (grifos acrescidos)

Pode-se concluir, portanto, que o projeto de lei em análise não apresenta vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 843/2023, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo.

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

 

Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 843/2023, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo.

Histórico

[01/11/2023 02:54:02] PUBLICADO
[31/10/2023 12:06:12] ENVIADA P/ SGMD
[31/10/2023 18:15:09] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[31/10/2023 18:15:28] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO





Informações Complementares






Esta proposição não possui emendas, pareceres ou outros documentos relacionados.