
Parecer 537/2019
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 53/2019
AUTORIA: DEPUTADA DELEGADA GLEIDE ÂNGELO
PROPOSIÇÃO QUE ESTABELECE RESERVA MÍNIMA PARA AS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA NAS UNIDADES HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA REMANESCENTE DOS ESTADOS MEMBROS, NOS TERMOS DO ART. 25, §1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EFETIVIDADE AO COMANDO CONSTITUCIONAL (ASSITÊNCIA À MULHER, ART. 226, § 8º, CF/88) E AO PRECEITO GARANTIDOR DA LEI FEDERAL Nº 13.340/2006 - MARIA DA PENHA (ART. 3º). PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART 1º, III, CF/88), DA PROMOÇÃO DO BEM DE TODOS (ART. 3º, IV, CF/88) E DO DIREITO À VIDA, À LIBERDADE, E À SEGURANÇA (ART. 5º, CAPUT, CF/88). SUBSTITUTIVO PARA GARANTIA DA ISONOMIA. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO PELO RELATOR.
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RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 53/2019, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, que reserva 5% (cinco por cento) das unidades residenciais dos programas habitacionais do Estado de Pernambuco às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
O Projeto de Lei tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário, conforme inciso III do art. 223 do Regimento Interno.
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PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no artigo 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, I, do Regimento Interno desta Casa Legislativa.
A proposição em análise encontra guarida no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de matérias afetas à iniciativa privativa do Governador do Estado. A proposição não cria atribuições a órgãos ou entidades do Poder Executivo, mas tão somente promove política pública de proteção e defesa das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, sua constitucionalidade formal subjetiva.
A matéria objeto da proposição se encontra dentro da competência remanescente dos Estados-membros, com fulcro no art. 25, §1º, da Constituição Federal, e no art.5º, da Constituição do Estado de Pernambuco. Segundo leciona José Afonso da Silva:
“Quanto à forma (ou o processo de sua distribuição), a competência será: (a) enumerada, ou expressa, quando estabelecida de modo explícito, direto, pela Constituição para determinada entidade (arts. 21 e 22, p. ex.); (b) reservada ou remanescente e residual, a que compreende toda matéria não expressamente incluída numa enumeração, reputando-se sinônimas as expressões reservada e remanescente com o significado de competência que sobra a uma entidade após a enumeração da competência da outra (art.25, §1º: cabem aos Estados as competências não vedadas pela Constituição)” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 38ª ed., 2015, p.484).
A proposição representa, ademais, um importante reforço ao arcabouço normativo existente em defesa e proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, coadunando-se com os princípios estabelecidos na Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006).
Em complemento, compete ao Estado, por meio de seus entes federativos, assegurar, com absoluta prioridade, “a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, nos termos do art. 226, § 8º, da Constituição da República.
Para fins de cumprimento deste relevante papel, o art. 3º, da Lei Maria da Penha – Lei Federal nº 13.340/2006, estabeleceu que serão “asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. Mais na frente, o mesmo dispositivo reza em seu § 2º, o importante papel do Estado ao determinar que cabe “à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput”.
A Proposição em análise também ressalta os princípios constitucionais da “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), da “promoção do bem de todos” (art. 3º, IV) e do “direito à vida, à liberdade, à saúde e à segurança” (art. 5º, caput, CF/88).
Não obstante essas considerações, o projeto trata, notoriamente, de um caso de discriminação positiva. A discriminação positiva é instituto jurídico que busca, através da adequada tipificação (imposição legal, como no caso em apreço), trazer equilíbrio social por meio do tratamento diferenciado de determinado segmento da sociedade, reputado vulnerável e desprestigiado por razões históricas e/ou sociológicas. Ocorre que há uma linha tênue entre o reforço da igualdade material – e a consequente inclusão social – e a fragilização de outros princípios constitucionais, a exemplo do princípio da impessoalidade.
Nesse sentido, vale ressaltar a imprescindibilidade das comissões respectivas analisarem se a cota em programas habitacionais, ora instituída, está sendo implementada com um justo discrímen, notadamente devido às medidas protetivas de urgência já contidas na Lei Federal nº 13.340/2006. Em outros termos, faz-se necessário justificar, com dados e estatísticas, a premência da discriminação positiva aventada na proposição sob análise, inclusive no percentual fixado, qual seja, 5% (cinco por cento).
Apesar de todo o exposto, garantir a reserva de percentual nos imóveis habitacionais apenas pelo critério de ser a beneficiária mulher e vítima de violência sexual acabaria por, potencialmente, macular o princípio da isonomia, haja vista ser necessário conjugar este critério com outros, como comprovação de vunlerabilidade econômica, como não ter sido a mulher beneficiária de outros programas habitacionais no Estado, não ser proprietária de imóvel, garantindo, pois, que a benesse será conferida àquelas mulheres que efetivamente não tem condições materiais de pagar por uma moradia. Desta forma, garante-se que a reserva está a atingir aquelas pessoas que de fato mais necessitam desta política pública, tendo em conta, entre outros, o princípio da reserva do possível.
Amparando este raciocínio, temos na própria Constituição Estadual o preceito de que a ação do Governo do Estado de Pernambuco na política habitacional deve ser orientada para beneficiar a população que não tem acesso ao sistema convencional de construção, financiamente e venda de unidade habitacionais, ou seja, as ações devem ser voltadas para a população de baixa renda, conforme expressamente determinado no art. 144, § 2º, “g” e no art. 149, § 1º, da Constituição Estadual, in verbis:
“Art. 144. A Política de desenvolvimento urbano será formulada e executada pelo Estado e Municípios, de acordo com as diretrizes fixadas em lei, visando a atender à função social do solo urbano, ao crescimento ordenado e harmônico das cidades e ao bem-estar dos seus habitantes.
(...)
§ 2º No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano o Estado e os Municípios deverão assegurar:
(...)
g) a promoção de programas habitacionais para a população que não tem acesso ao sistema convencional de construção, financiamento e venda de unidades habitacionais;”
“Art. 149. Compete ao Estado e aos Municípios promover e executar programas de construção de moradias populares e de melhoria das condições de habitação e de saneamento básicos dos conjuntos habitacionais já construídos, garantida, em ambas as hipóteses, sua integração aos serviços de infra-estrutura e de lazer oferecidos pela cidade.
§ 1º O Estado promoverá e financiará a construção de habitações populares, especialmente para a população de classe média de baixa renda, da área urbana e rural, assegurado o pagamento pela equivalência salarial”
Neste diapasão, imprescindível a apresentação de Substitutivo ao Projeto sub examine a fim de evitar qualquer afronta ao Princípio da Isonomia, garantindo que as mulheres contempladas pela norma atendam tanto ao requisito de terem sido vítimas de violência doméstica quanto outros critérios, como a comprovação de baixa renda e de não terem sido beneficiárias de outros programas habitacionais no âmbito do Estado. Tem-se, portanto, o presente Substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº /2019 AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 53/2019
Ementa: Altera integralmente o Projeto de Lei Ordinária nº 53/2019.
Artigo único O Projeto de Lei Ordinária nº 53/2019 passa a ter a seguinte redação:
“Ementa: Determina regras para a reserva de unidades residenciais dos programas habitacionais do Estado de Pernambuco às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, e dá outras providências.
Art. 1º Ficam reservadas 5% (cinco por cento) das unidades residenciais dos programas habitacionais do Estado de Pernambuco às mulheres de baixa renda vítimas de violência doméstica e familiar, que estiverem sob a guarida de medida protetiva de urgência estabelecida pela Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.
Parágrafo único. A reserva estabelecida no caput estende-se aos programas habitacionais que receberem subvenção, benefício, incentivo fiscal ou creditício de entidade ou órgãos da Administração Pública do Estado de Pernambuco.
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.
Art. 3º O benefício de que trata esta Lei será concedido mediante a apresentação dos seguintes documentos:
I – declaração de acompanhamento psicossocial em unidade da rede estadual ou municipal de proteção e atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar;
II - cópia do Boletim de Ocorrência emitido por órgão competente, preferencialmente, pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher; e
III - termo de concessão de Medida Protetiva expedida pelo Juiz da Comarca.
Art. 4º Para fazer jus à reserva percentual estabelecida nesta Lei, a mulher vítima de violência doméstica e familiar deverá preencher os seguintes requisitos:
I - não ser proprietária, cessionária ou promitente compradora de imóvel urbano ou rural;
II - não ter sido beneficiada em outros programas habitacionais do Estado de Pernambuco ou de organismos municipais; e
III – possuir renda mensal não superior a 1 (um) salário mínimo vigente.
Parágrafo único. Quaisquer dados ou documentos referentes à mulher deverão ser mantidos em total sigilo, podendo ser divulgados apenas por ordem judicial.
Art. 5º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial.”
Diante do exposto, opino pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 53/2019, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, nos termos do substitutivo.
É o Parecer do Relator.
CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 53/2019, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, nos termos do substitutivo apresentado.
Histórico