
Parecer 1322/2023
Texto Completo
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 16/2023
AUTORIA: MESA DIRETORA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO
PROPOSIÇÃO QUE ACRESCENTA O § 9º AO ART. 131 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, A FIM DE DEFINIR A REPARTIÇÃO DO LIMITE DA DESPESA DE PESSOAL ESTABELECIDO POR LEI COMPLEMENTAR FEDERAL AO PODER LEGISLATIVO ESTADUAL. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO FINANCEIRO (CF, ART. 24, I). VIABILIDADE DE FIXAÇÃO EM ATO NORMATIVO LOCAL DE NOVOS PERCENTUAIS DE DESPESAS COM PESSOAL NA DISTRIBUIÇÃO INTERNA ENTRE ASSEMBLEIA LEGISLATIVA E TCE. OBRIGATORIEDADE DE INTEGRAL OBSERVÂNCIA E RESPEITO AO LIMITE DE GASTOS TOTAIS COM PESSOAL ESTABELECIDO PELA LRF AO PODER LEGISLATIVO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PELA APROVAÇÃO.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, a Proposta de Emenda à Constituição nº 16/2023, de autoria da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, que altera a Constituição do Estado de Pernambuco, a fim de definir a repartição do limite da despesa de pessoal estabelecido por lei complementar federal ao Poder Legislativo estadual.
Em síntese, a proposição acrescenta o § 9º ao art. 131 da Constituição estadual para determinar a forma de repartição do limite de despesa total com pessoal do Poder Legislativo no âmbito do Estado de Pernambuco. Em sua justificativa, assim argumenta a Mesa Diretora da ALEPE:
“Esta proposição tem o intuito de definir a repartição do limite de despesa de pessoal do Poder Legislativo, compartilhado entre a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE/PE), conforme estabelecido pela alínea “a” do inciso II do artigo 20 da Lei Complementar Federal nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Atualmente, do limite de 3% fixado ao Poder Legislativo estadual pela norma federal, a maior parte (1,56%) é atribuída ao TCE/PE, ficando a Alepe com o restante (1,44%).
Esse limite aplicado à Alepe vem se mostrando insuficiente ao atendimento das suas necessidades institucionais, representando, assim, uma grande restrição aos trabalhos desenvolvidos por esta Casa legislativa em benefício do povo pernambucano.
Ademais, o atual percentual reservado à Alepe é o menor entre as assembleias legislativas do país, considerados aqueles estados sem tribunais de contas dos municípios, que possuem limite maior.
Daí a necessidade de sua repartição por meio de norma constitucional, como forma de garantir o equilíbrio entre as instituições que compõem o Poder Legislativo estadual”
A Proposta de Emenda à Constituição em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime especial previsto no art. 290 e ss. do Regimento Interno.
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 17, inciso I, da Constituição Estadual e no art. 210, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Inicialmente, sob o aspecto formal, verifica-se que, ao ser subscrita pelos 49 parlamentares que integram este Poder Legislativo, a PEC nº 4/2023 observou o quorum mínimo necessário para a deflagração do processo legislativo, previsto no art. 17, inciso I, da Constituição Estadual e no art. 220, inciso I, do Regimento Interno. Ademais, cabe apontar que não se encontram em vigor quaisquer das limitações circunstanciais ao poder de reforma constitucional referidas no art. 17, § 4º, da Constituição Estadual e no art. 220, § 3º, do Regimento Interno.
Do ponto de vista material, a matéria está inserida na competência concorrente da União e dos Estados para legislarem sobre direito financeiro. Assim prevê a Constituião Federal:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;”
Com efeito, no tema das finanças públicas a Constituição Federal reservou à União grande protagonismo, quando, em seu artigo 169, assim dispôs:
“Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo e pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar.”
Justamente no exercício de tal mister, a União editou a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Na referida lei, a União concretiza tanto o comando contido no artigo 163 da Constituição Federal (de editar lei complementar para versar sobre finanças públicas, dívida externa, dentre outros assuntos), quanto o comando do artigo 169, supracitado.
Na fixação dos limites para despesa com pessoal ativo, inativo e pensionistas no âmbito dos entes federados, a LRF assim previu:
“Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
[...]
II - Estados: 60% (sessenta por cento);
[...]
Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:
[...]
II - na esfera estadual:
a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado;
§ 1o Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar.
[...]
§ 2o Para efeito deste artigo entende-se como órgão:
[...]
II - no Poder Legislativo:
[...]
b) Estadual, a Assembléia Legislativa e os Tribunais de Contas;”
Estabelecido o pano de fundo da discussão, resta saber se é possível que o Estado-Membro, por meio de instrumento normativo local – neste caso, por meio de PEC, norma da mais alta hierarquia no ordenamento local-, defina a forma de repartição interna dos percentuais de despesa total do Poder Legislativo do próprio ente federado. O assunto, recentemente, chegou ao Supremo Tribunal Federal, que entendeu cabível que o Estado realize alteração na divisão dos percentuais de limite de despesa total de pessoal entre a Assembleia Legislativa e Tribunal de Contas, desde que observado o limite total de 3% fixado pela LRF. Vejamos, inicialmente, a Ementa do paradigmático julgado do Pretório Excelso:
CONSTITUCIONAL E FINANCEIRO. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LC 101/2000). INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO AO ART. 20, II, “A”, E § 1º. HIPÓTESE EXCEPCIONAL DE COMPROVADA NECESSIDADE ORÇAMENTÁRIA PARA REGULAR FUNCIONAMENTO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. VIABILIDADE DE FIXAÇÃO NA LEI ORÇAMENTÁRIA DE NOVOS PERCENTUAIS DE DESPESAS COM PESSOAL NA DISTRIBUIÇÃO INTERNA ENTRE ASSEMBLEIA LEGISLATIVA E TCE. OBRIGATORIEDADE DE INTEGRAL OBSERVÂNCIA E RESPEITO AO LIMITE DE GASTOS TOTAIS COM PESSOAL ESTABELECIDO PELA LRF AO PODER LEGISLATIVO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. Os poderes de Estado devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional e afastando as práticas de guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes públicos. Precedentes. 2. Impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, de modo a fixar, por ato próprio, os percentuais de distribuição interna do limites de gastos totais com pessoal pretendidos. 3. Embora a repartição proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, seja o critério padrão, a ser observado na maioria dos casos, o art. 20, II, “a”, e § 1º, da LRF, deve ser interpretado em consonância com a conjuntura pretérita e atual dos entes federativos que, recém-criados pela Constituição Federal de 1988, ainda não dispunham de um aparato administrativo consolidado para concretizar suas atribuições quando da edição da Lei Complementar 101/2000. 4. Em situações excepcionais, em que comprovada a efetiva necessidade decorrente da dificuldade de gastos com pessoal para o desempenho de suas atribuições, afigura-se possível o remanejamento dos limites internos impostos aos órgãos do Poder Legislativo Estadual. 5. Viabilidade, em tese, do remanejamento proporcional da distribuição interna do limite global da receita corrente líquida para as despesas com pessoal entre a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas do Estado de Roraima, desde que observado, em absoluto, o percentual máximo estabelecido pela LRF e as reais necessidades orçamentárias dos órgãos envolvidos. 6. Ação Direta de Inconstitucionalidade parcialmente conhecida e julgada parcialmente procedente, concedendo interpretação conforme à Constituição ao art. 20, II, “a” e § 1º, da Lei Complementar 101/2000, para permitir, em tese, o remanejamento proporcional da distribuição interna do limite global da receita corrente líquida para as despesas com pessoal entre a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas do Estado, desde que comprovada a efetiva necessidade decorrente da dificuldade de gastos com pessoal do órgão para o desempenho de suas atribuições , e observados o percentual máximo estabelecido pela LRF e as necessidades orçamentárias dos órgãos envolvidos.
(ADI 6533, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 26-04-2021 PUBLIC 27-04-2021)
Pela didática das explicações, colacionaremos, também, excertos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, relator da ADIN supracitada. Vejamos:
“Estabelecida essa delimitação, o mérito da controvérsia consiste em avaliar se, considerada a referida impossibilidade material, decorrente da alegada desproporcionalidade dos limites internos de gastos entre a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas do Estado de Roraima, mostra-se constitucionalmente viável o remanejamento, em tese, de tais limites. [...]
Dentro do complexo normativo de contenções inaugurado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, estruturou-se uma cadeia de limites em cuja concretização se engendra a controvérsia desta demanda: nos Estados, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração, não poderá exceder 60% (sessenta por cento) da receita corrente líquida (art. 19, II, da LRF), limite do qual se destaca 3% como subteto aplicável ao Poder legislativo estadual, incluído o Tribunal de Contas do Estado (art. 20, II, “a”, da LRF), a ser repartido de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação da Lei Complementar 101/2000.
Nada obstante a relevância a priori desse marco regulatório das finanças públicas, não se pode perder de perspectiva que a fórmula preconizada pela Lei Complementar 101/2000 deve ser interpretada em consonância com a conjuntura pretérita e atual apresentada pelos entes federativos [...]
Diante de um quadro peculiar como o descrito acima, verifico que a subsunção irrestrita da fórmula inicial de repartição dos limites globais de despesas com pessoal, com a consequente projeção inflexível dos percentuais referentes à repartição dos 3% cabíveis ao Poder Legislativo dos Estados, mostra-se desproporcional e potencialmente danosa à própria coerência fiscal almejada pela Lei Complementar 101/2000. Como bem ressaltado pela Advocacia-Geral da União, essa foi, inclusive, a conclusão a que chegou o Tribunal de Contas da União quando, instado a se manifestar a respeito de controvérsias semelhantes, afastou-se da literalidade da norma impugnada, sem, contudo, abdicar do limite global de despesas com pessoal, para permitir o remanejamento dos percentuais internos até então distribuídos com base no triênio anterior à publicação da LRF [...]
Da referida consulta nº TC 040.872/2018-1, transcrevo, por absoluta pertinência, os seguintes excertos do voto condutor da decisão:
[...]
15. Contudo, o critério para a repartição decorrente do percentual taxativo de 3% dado pela referida lei, que estabelece como fórmula, a média das despesas relativas em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, deve ser visto como “ponto de partida”, sendo indesejável, a meu ver e por este motivo, que tal critério somente possa ser revisto, por meio de outra Lei Complementar.
16. Isso porque, ao se analisar tal metodologia de repartição inicial, não se pode desconsiderar as sensíveis alterações na realidade fática que não foram previstas no texto legal, após o transcurso de quase 19 anos da entrada em vigor da LRF. Além disso, deve se observar que o referido critério olhou para a realidade passada conhecida (exercícios de 1997, 1998 e 1999) para projetar um valor de “referência” para o futuro incerto, passível de modificações. […]
29. Nessa senda, diante de um quadro de expressivas mudanças, não me parece que a intenção do legislador, naquele ano de 2000, por ocasião da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, foi a de fixar, de forma taxativa e inflexível, os percentuais futuros referentes à repartição dos 3% (três por cento) previstos no art. 20, inciso I, alínea “c”, mas sim, a de estabelecer metodologia inicial de repartição. Colocando de outra maneira, entendo que não havendo proibição expressa na norma, não é razoável que um “parâmetro referencial” contido na lei, suscetível de alterações decorrentes das mudanças ocorridas na sociedade no futuro, seja feito com base em informações do passado sem possibilitar ajustes capazes de manter a coerência inicialmente buscada pela norma.
[…]
45. Dito, entendo que o preceito normativo em discussão comporta interpretação no sentido de que é possível, por meio de Decreto Presidencial, alterar-se a distribuição do percentual de 3%, fixado no art. 20, inciso, I, alínea “c” da Lei Complementar 101/2000, adequando-se a norma à realidade atual, sem necessidade de nova Lei Complementar para tratar da referida redistribuição. Creio que tal medida é desejável e eficaz.”
Por fim, conclui o Ministro Alexandre de Moraes:
“Portanto, muito embora a repartição proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação da Lei Complementar 101/2000, seja o critério padrão, a ser observado na maioria dos casos, concluo que, em situações excepcionais, em que comprovada a efetiva necessidade decorrente da dificuldade de gastos de pessoal do órgão para o desempenho de suas atribuições constitucionais, e desde que observado, em absoluto, o limite de 3% previsto no referido artigo, afigura-se possível o remanejamento dos limites internos impostos aos órgãos do Poder Legislativo Estadual.”
Considerando, pois, que a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco tem o menor limite total de despesa de pessoal entre todas as Assembleias Legislativas de todo o Brasil (considerando os Estados que não tem Tribunal de Contas dos Municípios), que o percentual estabelecido aplicando o total de gasto do triênio anterior à edição da LRF não se mostra condizente com a realidade atual e que o limite atualmente aplicado à ALEPE é flagrantemente insuficiente para o atendimento das necessidades institucionais do Legislativo estadual, entendo que estão postas as condições estabelecidas pelo STF na ADI 6533/2021, de forma a permitir o remanejamento dos limites de despesa total de pessoal no âmbito do Poder Legislativo do Estado de Pernambuco, mediante a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição sub examine.
Diante do exposto, o parecer do Relator é pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 16/2023, de autoria da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 16/2023, de autoria da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco.
Histórico