
Parecer 1177/2023
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 449/2023
AUTORIA: DEPUTADO JOEL DA HARPA
PROPOSIÇÃO QUE GARANTE AOS POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES CONVOCADOS PARA AUDIÊNCIAS JUDICIAIS NA CONDIÇÃO DE TESTEMUNHAS A INCLUSÃO AUTOMÁTICA NO PROGRAMA DE JORNADA EXTRA DE SEGURANÇA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. GRATIFICAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. REGIME JURÍDICO ESPECÍFICO. LEI ESTADUAL Nº 16.783, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2019. VÍCIO DE INICIATIVA (ART. 19, § 1º, IV, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL). INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL SUBJETIVA. PELA REJEIÇÃO.
1. RELATÓRIO
É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 449/2023, de autoria do Deputado Joel da Harpa, que intenta garantir, aos policiais e bombeiros militares convocados para audiências judiciais na condição de testemunhas, a inclusão automática no Programa de Jornada Extra de Segurança e dá outras providências.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário, conforme estabelece o art. 253, inciso III, do Regimento Interno.
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
Primeiramente, impende salientar que a relação institucional entre os servidores e a administração é disciplinada em normas específicas, geralmente denominadas de estatutos, os quais disciplinam o regime jurídico dos servidores.
Nesse contexto, relevante especificar o que é regime jurídico dos servidores públicos. Carvalho Filho ensina que “é o conjunto de regras que regulam a relação jurídica funcional entre o servidor público estatutário e o Estado” (CARVALHO FILHO, 2014) . Em outras palavras, regime jurídico dos servidores públicos pode ser entendido como o conjunto de regras e princípios que estabelecem direitos, deveres e normas de conduta que regem a relação ente o servidor e o Poder Público.
Assim, apesar de apresentar louvável desígnio, o projeto de lei em epígrafe acaba por incorrer em vício de inconstitucionalidade. Com efeito, a inciativa legislativa em cotejo versa sobre matéria inerente ao regime jurídico dos servidores públicos e, nos termos do art. 19, §1º, inciso IV, da Constituição Estadual, está submetida à competência privativa do Governador do Estado, senão vejamos:
Art. 19. (...)
§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:
[...]
IV – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos públicos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis, reforma e transferência de integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar para a inatividade;
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é, inclusive, sólida ao rechaçar leis que não observam a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre regime jurídico dos servidores, o que abarca, naturalmente, os critérios para concessão de gratificação. Nesse sentido:
PROCESSO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. DESCABIMENTO DE ADITAMENTO. II – PROCESSO LEGISLATIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. EMENDA À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL QUE PREVÊ AFASTAMENTO DE MEMBROS DA ALTA ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. I – Não conhecimento da ação quanto à pretendida declaração de inconstitucionalidade do art. 111, §§ 1º e 2º, da Carta Estadual de Roraima, por não indicação dos fundamentos jurídicos do pedido (Lei nº 9.868/1999, art. 3º, I). II – Não conhecimento do aditamento à inicial quanto à nova redação do inciso XVIII do art. 33 da Constituição Estadual, dada pela EC nº 30/2012, haja vista que o dispositivo original está em debate na ADI 2.167 e não foi impugnado na inicial. III – Procedência do pedido quanto aos incisos XXXI e XXXII do art. 33 da Constituição Estadual, por tratarem de regime jurídico de servidores públicos sem observar a iniciativa privativa do Chefe do Executivo. IV – Ação conhecida em parte, e, na parte conhecida, julgada procedente. (ADI 4284, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 113 DIVULG 12-06-2015)
Referendo de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 1º da Lei nº 10.011, de 17 de dezembro de 2013, do Estado do Mato Grosso. Aceite de títulos obtidos nos países integrantes do MERCOSUL para progressão funcional de servidor público no referido Estado. Vício formal de iniciativa. Disciplina diversa da legislação federal. Referendo da decisão liminar. 1. O art. 1º da Lei estadual nº 10.011/2013, oriunda de projeto de lei de iniciativa parlamentar, dispõe sobre critério de progressão funcional de servidores do Estado do Mato Grosso, matéria atinente ao regime jurídico dos servidores públicos do Estado. Partindo do entendimento de que as regras básicas do processo legislativo da União são de observância obrigatória pelos Estados, o Supremo Tribunal tem afirmado a inconstitucionalidade, por vício de iniciativa, de leis estaduais provenientes de projetos de iniciativa parlamentar que, a exemplo da norma impugnada na presente ação direta, tratam do regime jurídico dos servidores, matéria cuja iniciativa é reservada ao chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, inciso II, c, da CF). Precedentes. Ademais, o preceito impugnado possibilita o aumento da remuneração dos agentes públicos contemplados pela norma, revelando, novamente, violação da iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo estadual, dessa vez com base na alínea a do art. 61, § 1º, II, da Carta Maior. 2. A norma questionada disciplinou o aproveitamento de diplomas obtidos em universidades estrangeiras de forma diversa da do regramento federal. Nos termos do art. 48, § 3º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE), “[o]s diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior.” 3. Medida cautelar referendada. (ADI 5091 MC-Ref, Relator: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe-041 DIVULG 03-03-2015)
Sobreleva-se, assim, o vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, por ingerência no regime jurídico dos servidores públicos estaduais.
Frise-se, ainda, que, em âmbito estadual, o Programa Jornada Extra de Segurança (PJES) é regido pela Lei nº 16.783, de 23 de dezembro de 2019, de iniciativa do Poder Executivo, nos seguintes termos:
Art. 1º A operacionalização do Programa Jornada Extra de Segurança - PJES, instituído pelo Poder Executivo Estadual por meio do Decreto 21.858, de 25 de novembro de 1999, é competência da Secretaria de Defesa Social, devendo as regras de participação de servidores públicos e militares de Estado ser definidas mediante Decreto do Poder Executivo Estadual.
Parágrafo único. A participação de que trata o caput não será autorizada nas situações abaixo relacionadas, a partir da vigência desta Lei, durante jornadas regulares, além das descritas no art. 3º do Decreto nº 30.866, de 9 de outubro de 2007:
I - supervisão e fiscalização, de desenvolvimento ou fortalecimento de projetos, de coordenação de tecnologia da informação e de centros de atendimento ao cidadão;
II - incremento da produtividade nos diversos Centros de Atividades Técnicas - CAT; e
III - melhoria das condições de trabalho operacional nos Postos Avançados de Bombeiros Militares - PAB localizados no interior do Estado.
Desse modo, haja vista que a Polícia e os Bombeiros Militares integram a administração pública estadual, nos termos do art. 102, da Constituição do Estado, compete privativamente ao Governador do Estado deflagrar projeto de lei que conceda gratificação aos seus servidores.
Posta a questão nestes termos, o parecer do Relator é pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 449/2023, de autoria do Deputado Joel da Harpa, por vício de inconstitucionalidade formal subjetiva.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Diante do exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo Relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 449/2023, de autoria do Deputado Joel da Harpa, por vício de inconstitucionalidade.
Histórico