
Parecer 1176/2023
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 99/2023
AUTORIA: DEPUTADO JOÃO PAULO COSTA
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA INSTALAÇÃO DE DISPOSITIVO DE SEGURANÇA “BOTÃO DO PÂNICO” NOS TRANSPORTES COLETIVOS PÚBLICOS DO ESTADO DE PERNAMBUCO. COMPETÊNCIA RESIDUAL DOS ESTADOS-MEMBROS PARA LEGISLAR SOBRE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL (ART. 25, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. INTERFERÊNCIA NO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PELA REJEIÇÃO, POR VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 99/2023, de autoria do Deputado João Paulo Costa, que dispõe sobre a obrigatoriedade da instalação de dispositivo de segurança “botão do pânico” nos transportes públicos coletivos do Estado de Pernambuco.
Em síntese, a proposição determina a instalação de “botão do pânico” nos transportes coletivos públicos, a ser acionado pelos passageiros em casos de roubos violência, assédio contra mulher ou quaisquer outras situações que coloquem em risco passageiros e funcionários. Além disso, o projeto de lei prevê que no interior de cada veículo deverá ser afixado um cartaz informando aos passageiros acerca da existência do mecanismo.
O Projeto de Lei em apreço tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, inciso III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Em relação à possibilidade de exercício da competência legislativa na esfera estadual, cumpre esclarecer que, embora o Projeto de Lei Ordinária nº 99/2023 faça menção genérica a “transportes coletivos públicos”, os comandos nele constantes devem permanecer adstritos ao sistema de transporte público intermunicipal.
Com efeito, ainda que não exista no texto constitucional comando expresso, infere-se que cabe aos Estados-membros a competência para explorar e disciplinar os serviços de transporte intermunicipal em face da chamada competência residual (art. 25, § 1º, da Constituição Federal). No mesmo sentido é a orientação adotada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 2º DO ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. TRANSPORTE COLETIVO INTERMUNICIPAL. TRANSPORTE COLETIVO URBANO. ARTIGO 30, V DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. TRANSPORTE GRATUITO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. POLICIAIS CIVIS. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. 1. Os Estados-membros são competentes para explorar e regulamentar a prestação de serviços de transporte intermunicipal. 2. Servidores públicos não têm direito adquirido a regime jurídico. Precedentes. 3. A prestação de transporte urbano, consubstanciando serviço público de interesse local, é matéria albergada pela competência legislativa dos Municípios, não cabendo aos Estados-membros dispor a seu respeito. 4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado parcialmente procedente. (ADI 2349, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2005, DJ 14-10-2005 PP-00007 EMENT VOL-02209-01 PP-00125 LEXSTF v. 27, n. 323, 2005, p. 46-53)
Por consequência, permanecem fora do seu campo de incidência as concessões de linhas de ônibus que tenham seus trajetos limitados a um mesmo município ou que se relacionem ao transporte interestadual, uma vez que constituem serviços de titularidade dos Municípios e da União, respectivamente (art. 30, inciso V, e art. 21, inciso XII, “e”, da Constituição Federal).
Logo, não se vislumbram óbices quanto à possibilidade de exercício da competência legislativa na forma preconizada nesta proposição, desde que observado o campo de aplicação ao serviço de transporte intermunicipal.
Firmada essa premissa, é necessário perquirir como o serviço de transporte público intermunicipal encontra-se regulamentado no estado de Pernambuco. Basicamente, dois diplomas normativos abordam o assunto.
A Lei nº 13.254, de 21 de junho de 2007, estrutura o Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal de Passageiros do Estado de Pernambuco, autoriza a criação da Empresa Pernambucana de Transporte Intermunicipal – EPTI, e dá outras providências. O Decreto nº 40.559, de 31 de março de 2014, aprova o Regulamento do Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal de Passageiros do Estado de Pernambuco – STCIP/PE.
Por outro lado, especificamente na Grande Recife, a Lei nº 14.474, de 16 de novembro de 2011, dispõe sobre a organização dos serviços do Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife – STPP/RMR e autoriza o Poder Público a delegar sua execução. As especificações técnicas do serviço constam do Regulamento do STPP/RMR e do respectivo Manual de Operação.
Ao examinar essa legislação, constata-se que não há disposição expressa no que tange à exigência de instalação de botão do pânico nos veículos utilizados na prestação do serviço de transporte intermunicipal.
Dessa forma, resta avaliar se o Projeto de Lei ora analisado configura indevida interferência do Poder Legislativo no equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, visto que a obrigatoriedade de instalação de um novo sistema de segurança ensejará, inevitavelmente, um aumento do custo do serviço.
De fato, os valores das tarifas a serem cobradas dos usuários devem custear e suportar, dentre outras despesas, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. O surgimento de novas exigências técnicas, durante a vigência do contrato, pode significar alteração desse equilíbrio e, em razão do ônus imposto ao concessionário, ensejar a revisão do valor das tarifas cobradas dos usuários.
Entretanto, a jurisprudência do STF já assentou entendimento sobre a inviabilidade de iniciativa deste jaez, conforme ementa de julgamento a seguir reproduzido:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.304/02 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. EXCLUSÃO DAS MOTOCICLETAS DA RELAÇÃO DE VEÍCULOS SUJEITOS AO PAGAMENTO DE PEDÁGIO. CONCESSÃO DE DESCONTO, AOS ESTUDANTES, DE CINQUENTA POR CENTO SOBRE O VALOR DO PEDÁGIO. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. AFRONTA.
1. A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra pública, celebrado pela Administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qualquer forma de compensação.
2. Afronta evidente ao princípio da harmonia entre os poderes, harmonia e não separação, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos administrativos celebrados.
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.
(ADI 2733, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2005, DJ 03-02-2006 PP-00011 EMENT VOL-02219-02 PP-00280)
Percebe-se que, conquanto o julgado refira-se à concessão de desconto do valor do pedágio, o ponto nodal da decisão do STF está em asseverar que uma lei de iniciativa parlamentar, alteradora do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão celebrado pela Administração, viola o princípio da harmonia entre os poderes.
Tal orientação é integralmente aplicável à hipótese do Projeto de Lei Ordinária nº 99/2023, pois a proposição de origem parlamentar destoa dos parâmetros já apontados no edital da licitação e firmados em contrato de concessão com a Administração estadual. Desse modo, conclui-se que a proposta está maculada por vício de inconstitucionalidade, na linha da jurisprudência do STF.
Diante do exposto, opina-se pela rejeição do Projeto de Lei Ordinária nº 99/2023, de autoria do Deputado João Paulo Costa, por vício de inconstitucionalidade.
É o parecer do relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, do Projeto de Lei Ordinária nº 99/2023, de autoria do Deputado João Paulo Costa.
Histórico