
Parecer 1121/2023
Texto Completo
TRAMITAÇÃO EM CONJUNTO DO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 661/2023, DE AUTORIA DO DEPUTADO GILMAR JUNIOR, E DO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 802/2023, DE MESMA AUTORIA.
PROPOSIÇÕES QUE ALTERAM A LEI Nº 13.032, DE 14 DE JUNHO DE 2006, A FIM DE ESTIPULAR PRAZO MÁXIMO PARA DEMOLIÇÃO DO IMÓVEL QUE OFEREÇA RISCOS DE DESABAMENTO TOTAL OU PARCIAL E INSERIR DISPOSITIVOS QUE GARANTAM CELERIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA NOS IMÓVEIS QUE ESTEJAM CONDENADOS A INTERDIÇÃO, DESOCUPAÇÃO E/OU DEMOLIÇÃO. VIABILIDADE DA INICIATIVA PARLAMENTAR. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO URBANÍSTICO, CONSUMO E PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE E À SAÚDE (ART. 24, I, V, VI, VIII E XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). VALORES DE ALUGUÉIS E RESPONSABILIDADE PELA DESOCUPAÇÃO: VIOLAÇÃO À COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO CIVIL E POLÍTICA DE SEGUROS (ART. 22, I E VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA À AUTONOMIA MUNICIPAL (ART. 30, VIII, E 182 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO, COM A CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DAS PROPOSIÇÕES PRINCIPAIS.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, os Projetos de Lei Ordinária nº 661/2023 e nº 802/2023, de autoria do Deputado Gilmar Junior.
Em síntese, o Projeto de Lei Ordinária nº 661/2023 altera a Lei nº 13.032/2006 para prever que, em caso de laudo técnico proibir o uso ou permanência de imóvel, o ente designado pela justiça deverá realizar a demolição do imóvel em até 120 dias. Além disso, a proposição impõe aos serviços sociais das prefeituras, Estado ou da União o dever de cadastrar moradores que ocupavam o empreendimento interditado. Por fim, a medida estabelece penalidades administrativas (advertência e multa) aplicáveis a pessoas físicas que comercializem imóveis condenados e sob risco de desmoronamento.
Por sua vez, o Projeto de Lei Ordinária nº 802/2023 modifica a Lei nº 13.032/2006 a fim de: a) determinar ao CREA-PE o envio de cópia do laudo pericial ao órgão judicial responsável por eventuais ações referentes a vícios construtivos do imóvel; b) a observar valor compatível com o mercado em caso de determinação administrativa ou judicial para o pagamento de aluguel aos proprietários de imóveis condenados; c) fixar o prazo de 60 dias para que a seguradora ou ente responsável pela construção, comercialização ou incorporação do imóvel adote providências para instalação do proprietário e de sua família em outro local; d) impor ao responsável pelo empreendimento imobiliário o dever de arcar com as despesas de retirada de móveis e utensílios ou a respectiva compra, em prazo não superior a 30 dias, em caso de impossibilidade de retirada.
Tratando-se de proposições que regulam matérias análogas, a tramitação será conjunta, nos termos dos arts. 262, II, “b”, e 264 do Regimento Interno desta Casa Legislativa.
Ambos os projetos tramitam nesta Assembleia Legislativa sob o regime ordinário, previsto no art. 253, III, do Regimento Interno.
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
Inicialmente, no que tange à viabilidade da iniciativa parlamentar, a matéria versada nos Projetos de Lei Ordinária nº 661/2023 e 802/2023 não se enquadra nas regras que exigem a deflagração do processo legislativo pelo Governador do Estado ou por outros órgãos/autoridades estaduais (arts. 19, § 1º; 20; 45; 68, parágrafo único, e 73-A, todos da Constituição Estadual). Logo, não se cogita de vício de inconstitucionalidade formal subjetiva (vício de iniciativa).
Por outro lado, em relação à possibilidade de exercício da competência legislativa, verifica-se que a disciplina relacionada à segurança de edificações, de um modo geral, tem amparo no poder conferido aos Estados-membros para dispor sobre direito urbanístico, responsabilidade por danos ao meio ambiente (sob o prisma do meio ambiente artificial) e proteção à saúde, nos termos do art. 24, I, VIII e XII, da Constituição Federal. Do mesmo modo, a vedação à comercialização de imóveis ou prédios condenados ou em risco de desabamento encontra fundamento na competência concorrente estadual para dispor sobre proteção ao consumidor (art. 24, V, da Constituição Federal).
No entanto, o art. 8º-C (inserido pelo art. 2º do Projeto de Lei Ordinária nº 802/2023), com a ressalva de seu caput e seu § 1º, incorre em vício de inconstitucionalidade ao versar sobre questões atinentes a seguro e afins. Com efeito, tais questões são inerentes à competência privativa da União para legislar sobre direito civil e política de seguros, visto que traduzem ingerência em contratos de natureza privada e na responsabilidade de construtoras, incorporadoras e seguradoras por vícios construtivos. Por sua vez, o caput e o § 1º apenas fixam diretriz para a autoridade administrativa ou judicial uma vez que uma destas já tenha definido que o pagamento do aluguel seja devido. Contudo, em relação aos outros dispositivos citados, entendemos que estes estão em descompasso com os entendimentos fixados pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a competência privativa da União para legislar sobre relações contratuais privadas:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONVERSÃO DO JULGAMENTO DA MEDIDA CAUTELAR EM DEFINITIVO DE MÉRITO. LEI N. 9.438, DE 21.10.2021, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL: COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR PRIVATIVAMENTE SOBRE DIREITO CIVIL E POLÍTICA DE SEGUROS. PRECEDENTES. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. 1. Instruído o processo nos termos do art. 10 da Lei n. 9.868/1999, é de cumprir-se o princípio constitucional da razoável duração do processo, com o conhecimento e julgamento definitivo de mérito da presente ação direta por este Supremo Tribunal, ausente a necessidade de novas informações. Precedentes. 2. A União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde - Unidas é legitimada ativa para ajuizar a presente ação, atendendo os requisitos da pertinência temática entre as normas impugnadas e o disposto no seu estatuto social e sua natureza de entidade de alcance nacional com homogeneidade na categoria dos seus integrantes. Precedentes. 3. É formalmente inconstitucional a Lei n. 9.438, de 21.10.2021, do Estado do Rio de Janeiro, pela qual se estabelecem obrigações referentes a serviço de assistência médico-hospitalar que interferem nas relações contratuais estabelecidas entre as operadoras de planos de saúde e seus usuários: matéria de direito civil e concernente à política de seguros, de competência legislativa privativa da União (incs. I e VII do art. 22 da Constituição da República). Precedentes. 4. Conversão do exame da medida cautelar em julgamento de mérito. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei n. 9.438, de 21.10.2021, do Estado do Rio de Janeiro. (ADI 7172, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 18/10/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 26-10-2022 PUBLIC 27-10-2022)
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.182/2018 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FEDERALISMO. REGRAS DE COMPETÊNCIA. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA DISPOR SOBRE DIREITO CIVIL E SEGUROS (CF, ART. 22, I E VII). PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I - É característica do Estado Federal a repartição de competências entre os entes políticos que o compõem, de modo a preservar a diversidade sem prejuízo da unidade da associação II - A norma impugnada padece de vício de inconstitucionalidade pois invadiu a atribuição do Congresso Nacional para legislar sobre Direito Civil e Seguros, prevista no art. 22, I e VII, da Constituição. III – Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei 8.182/2018 do Estado do Rio de Janeiro. (ADI 6153, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 14-02-2022 PUBLIC 15-02-2022)
Isto posto, ressalvado o preceito contido no art. 8º-C, não existem vícios formais que possam comprometer a validade dos projetos de lei ora examinados.
Por fim, sob o aspecto material, o teor das proposições demanda análise mais detida, notadamente em relação à fixação de prazo para a demolição de imóveis sob o risco de desabamento.
De fato, os municípios têm a prerrogativa para a elaboração e execução de políticas de ordenamento territorial e desenvolvimento urbano, conforme preconizam os arts. 30, VIII, e 182 da Constituição Federal e o Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001).
Segundo leciona Hely Lopes Meirelles:
“O controle da construção pelo Município tem o duplo objetivo de garantir a estrutura e a forma da edificação e de harmonizá-la no agregado urbano, para maior funcionalidade, segurança, salubridade, conforto e estética da cidade. Daí as exigências estruturais da obra e as de sua localização e função, diante do zoneamento e das normas de ocupação do solo urbano ou urbanizável, consignadas na regulamentação edilícia.
[...]
Todo esse controle administrativo da construção urbana compete institucionalmente ao Município, mas, se ele não o faz, ensejando obras contrárias às suas próprias leis e regulamentos, estende-se a faculdade de coibi-las aos vizinhos prejudicados, que podem embargá-las e obter a demolição por via judicial, pela substantivação das normas edilícias convertidas em direito individual de vizinhança.
Esse ordenamento da construção urbana se faz por imposições de ordem pública, de natureza administrativa e de caráter urbanístíco, por meios e instrumentos de que dispõe a Prefeitura para acompanhar a edificação individual desde a sua origem até a sua conclusão e utilização, e tais são: os planos urbanísticos, o Código de Obras, a aprovação do projeto, o alvará de construção e de ocupação, o embargo e a demolição da obra irregular ou clandestina.” (em “Direito de Construir, 9º ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 207-208)
Nesse contexto, as construções submetem-se, a priori, ao controle administrativo realizado pelos municípios, sem prejuízo de eventuais ações judiciais que tenham por objeto direitos sobre os respectivos imóveis. Especificamente em relação aos prédios em ruínas ou com risco de desabamento, cabe ao Código de Obras de cada ente municipal definir as ações e prazos para regularização, conforme as circunstâncias do caso concreto e a gravidade da situação.
Logo, a imposição legal de prazo genérico de 120 dias para a demolição de imóveis não se coaduna com o princípio federativo e com a autonomia municipal (arts. 18 e 34, VII, da Constituição Federal), uma vez que se imiscui em atribuições dos órgãos fiscalizadores dos municípios. Além disso, tal prazo também interfere na atuação jurisdicional em nos casos em que a controvérsia seja objeto de questionamento judicial.
Firmadas essas premissas, vislumbra-se a possibilidade de aprovação das proposições mediante: 1) exclusão dos dispositivos que versam sobre assuntos sujeitos à competência da União; e 2) observância da autonomia municipal no tocante à segurança de edificações. Na oportunidade, também se faz necessária a realização de modificações na redação dos projetos para adaptá-los às regras de técnica legislativa.
Assim, propõe-se a aprovação do seguinte Substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº ______/2023
AOS PROJETOS DE LEI ORDINÁRIA Nº 661/2023 E 802/2023
Altera integralmente a redação dos Projetos de Lei Ordinária nº 661/2023 e 802/2023.
Artigo único. Os Projetos de Lei Ordinária nº 661/2023 e 802/2023 passam a ter a seguinte redação:
“Altera a Lei nº 13.032, de 14 de junho de 2006, que dispõe sobre a obrigatoriedade de vistorias periciais e manutenções periódicas, em edifícios de apartamentos e salas comerciais, no âmbito do Estado de Pernambuco, originada de projeto de lei de autoria do Deputado Augusto Coutinho, a fim de estabelecer medidas aplicáveis a edificações que apresentem risco iminente de ruína ou desabamento.
Art. 1º A ementa da Lei nº 13.032, de 14 de junho de 2006, passa a ter a seguinte redação:
‘Dispõe sobre a obrigatoriedade de vistorias periciais e manutenções periódicas em edifícios ou prédios residenciais, comerciais, industriais, de serviços e de logística no âmbito do Estado de Pernambuco. e dá outras providências.’ (NR)
Art. 2º A Lei nº 13.032, de 2006, passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a realização de vistorias periciais e manutenções periódicas em edifícios ou prédios residenciais, comerciais, industriais, de serviços e de logística, de natureza pública ou privada, e estabelece regras para segurança preventiva e corretiva de edificações, em complementação ao sistema de alerta e defesa civil de que trata o § 2º do art. 146 da Constituição do Estado de Pernambuco. (NR)
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Art. 5º ......................................................................................
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§ 4º Na hipótese de existirem ações judiciais referentes aos vícios construtivos nos imóveis vistoriados no âmbito desta Lei, o CREA-PE deverá encaminhar a cópia do laudo pericial ao órgão judicial competente para o processamento e julgamento da referida ação. (AC)
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Art. 8º-B. Caso a edificação apresente risco iminente de ruína ou desabamento, comprovada em vistoria ou laudo técnico, o proprietário ou responsável pela obra deverá providenciar a demolição no prazo designado pelo órgão municipal competente. (AC)
§ 1º Transcorrido o prazo sem a adoção de providências pelo proprietário ou responsável pela obra, o município poderá realizar a demolição, diretamente ou por meio de terceiros, ressarcindo-se do custo dos serviços, acrescido, se for o caso, de taxa de administração. (AC)
§ 2º Em se tratando de edificação ou prédio uso residencial, os órgãos e entidades de assistência social ficam obrigados a prestar auxílio aos moradores e famílias que ocupavam os locais de risco. (AC)
Art. 8º-C. Nos casos em que exista determinação administrativa e/ou judicial para o pagamento de aluguel aos proprietários de imóveis que estejam condenados a interdição, desocupação e/ou demolição, o valor do aluguel deverá ter valor compatível com o que é praticado por imóvel do mesmo tipo.
Parágrafo único. No caso em que os móveis, eletrodomésticos e bens pessoais avariados ou perdidos não sejam ressarcidos pelas seguradoras, bancos, incorporadoras e/ou construtoras, o Poder Público poderá apoiar os proprietários lesados na busca ao Poder Judiciário.
Art. 8º-D. É vedada a comercialização de imóveis cuja edificação apresente risco de ruína ou desabamento ou esteja sujeita à ordem de demolição, sem o conhecimento do comprador quanto à situação do bem.
§ 1º O descumprimento do disposto no caput sujeitará o infrator à penalidade de multa, a ser fixada entre R$ 10.000,00 (dez mil reais) e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por unidade comercializada.
§ 2º A multa prevista no § 1º será fixada conforme o porte econômico do infrator e as circunstâncias da infração, tendo seu valor atualizado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo-IPCA, ou outro índice que venha substituí-lo.’ (AC)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei Ordinária nº 661/2023 e ao Projeto de Lei Ordinária nº 802/2023, ambos de autoria do Deputado Gilmar Junior, com a consequente prejudicialidade das proposições principais.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei Ordinária nº 661/2023 e ao Projeto de Lei Ordinária nº 802/2023, ambos de autoria do Deputado Gilmar Junior, com a consequente prejudicialidade das proposições principais.
Histórico