
Parecer 1046/2023
Texto Completo
TRAMITAÇÃO EM CONJUNTO DO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 97/2023, DE AUTORIA DO DEPUTADO ROMERO SALES FILHO E DO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 577/2023, DE AUTORIA DA DEPUTADA DÉBORA ALMEIDA
PROPOSIÇÕES QUE DISPÕEM SOBRE A VEDAÇÃO DE NOMEAÇÃO OU CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS QUE TENHAM EM SEUS QUADROS FUNCIONAIS PESSOAS CONDENADAS POR CRIMES DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E ABUSO CONTRA CRIANÇAS, ADOLESCENTES E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. MATÉRIA INSERTA NA AUTONOMIA POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DOS ESTADOS-MEMBROS (ARTS. 18 E 25 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). VIABILIDADE DA INICIATIVA PARLAMENTAR, CONFORME ENTENDIMENTO ADOTADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COMPATIBILIDADE MATERIAL COM O PRINCÍPIO DA MORALIDADE (ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). VEDAÇÃO À CONTRATAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS: IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL PELOS TIPOS PREVISTOS NA LEI MARIA DA PENHA. EMPREGADOS DE EMPRESAS TERCEIRIZADAS: FINALIDADE DA PROPOSTA CONTEMPLADA PELO ART. 4º-A DA LEI Nº 13.462, DE 9 DE JUNHO DE 2008. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO, COM A CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DAS PROPOSIÇÕES PRINCIPAIS.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 97/2023, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, e o Projeto de Lei Ordinária nº 577/2023, de autoria da Deputada Débora Almeida.
Em síntese, o Projeto de Lei Ordinária nº 97/2023 proíbe a contratação de pessoas condenadas por crimes de violência e abuso contra crianças, adolescentes e pessoas com deficiência para cargos de natureza terceirizada, temporária, comissionada ou função de confiança da Administração direta, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, até o cumprimento integral da pena. Além disso, a proposta prevê sua inaplicabilidade aos crimes culposos, aos definidos como de menor potencial ofensivo e aos crimes de ação penal privada.
Por sua vez, o Projeto de Lei Ordinária nº 577/2023 veda a nomeação para cargos efetivos e em comissão, no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta do Estado de pessoas que tenham sido condenadas nos tipos penais previstos na Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Ademais, a proposição estabelece que a vedação se inicia com o trânsito em julgado da condenação ou com a decisão proferida por órgão judicial colegiado, permanecendo até o cumprimento da pena.
Tratando-se de proposições que regulam matérias análogas, a tramitação será conjunta, nos termos dos arts. 262, II, “b”, e 264 do Regimento Interno desta Casa Legislativa.
Ambos os projetos tramitam nesta Assembleia Legislativa sob o regime ordinário, previsto no art. 253, III, do Regimento Interno.
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
No que tange à possibilidade de exercício da competência legislativa, verifica-se que a matéria vertida nos projetos de lei tem fundamento na autonomia dos Estados-membros para dispor sobre critérios de seleção e investidura de seus agentes públicos, nos termos dos arts 18 e 25 da Constituição Federal:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
Além disso, a iniciativa por membro do Poder Legislativo é viável, uma vez que o teor da proposta não se enquadra nas regras que exigem a deflagração do processo legislativo pelo Governador do Estado (art. 19, § 1º, da Constituição do Estado de Pernambuco).
Cumpre destacar que as propostas não se qualificam como assunto voltado ao regime jurídico de servidores, cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo. Com efeito, em decisões monocráticas do Min. Edson Fachin, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade formal subjetiva de leis municipais, de origem parlamentar, que proibiam a investidura em cargos públicos de pessoas condenadas por determinados crimes, sob o argumento de que a exigência decorreria da aplicação dos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade (ARE nº 1.388.687/GO, DJ de 16.08.2022; RE nº 1.308.883/SP, DJ de 13.04.2021).
Mais recentemente, a matéria foi objeto de apreciação colegiada no âmbito da Segunda Turma do STF, em acórdão assim ementado:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REGRAS DE MORALIDADE ADMINISTRATIVA PARA INVESTIDURA DE AGENTES PÚBLICOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. TEMA 917 DA REPERCUSSÃO GERAL. INAPLICÁVEL. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Lei que impõe regras gerais de moralidade administrativa para investidura dos agentes públicos no âmbito da Administração direta e indireta do município limita-se a dar concretude aos princípios elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal, cuja aplicabilidade é imediata. 2. Não há falar em vício de iniciativa de lei que impõe obrigação que deriva automaticamente da própria Constituição da República. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 1273372 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 15/05/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 31-05-2023 PUBLIC 01-06-2023)
Logo, não se vislumbram vícios inconstitucionalidade que possam comprometer a validade das proposições em apreço.
No entanto, a proibição de contratação de pessoas jurídicas que tenham incorrido em nos tipos penais da Lei Maria da Penha (art. 2º do Projeto de Lei Ordinária nº 577/2023) não tem aplicação prática, tendo em vista que a responsabilização de pessoa jurídica como sujeito ativo de crime possui aplicação restrita aos delitos ambientais e contra a ordem econômica e a economia popular (arts. 225, § 3º, e 173, § 5º, da Constituição Federal).
Por sua vez, a vedação de contratação de pessoas jurídicas que tenham em seus quadros pessoas condenadas por crimes de violência contra a mulher ou de abuso contra crianças, adolescentes e pessoas com deficiência já possui tratamento normativo adequado pelo ordenamento jurídico estadual. De fato, a Lei nº 13.462, de 9 de junho de 2008, proíbe as empresas de serviços terceirizados contratadas pelo Poder Público de disponibilizar trabalhadores condenados definitivamente por esses crimes:
Art. 4º-A. As empresas de que trata o art. 1º não deverão utilizar mão de obra em que haja trabalhadores com condenação penal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, relativa a crimes decorrentes: (Acrescido pelo art. 1° da Lei n° 16.936, de 25 de junho de 2020.)
I - da Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha; (Acrescido pelo art. 1° da Lei n° 16.936, de 25 de junho de 2020.)
II - da Lei Federal nº 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente; (Acrescido pelo art. 1° da Lei n° 16.936, de 25 de junho de 2020.)
III - da Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso; ,(Redação arterada pelo art. 1° da Lei n° 17.261, de 10 de maio de 2021.)
IV - de crimes praticados contra pessoas com deficiência física ou mental; e, (Redação alterada pelo art. 1° da Lei n° 17.261, de 10 de maio de 2021.)
V - da Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. (Acrescido pelo art. 1° da Lei n° 17.261, de 10 de maio de 2021.)
Ademais, também pode ser citada a seguinte decisão do Plenário do STF:
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PROIBIÇÃO DE CONTRATAR – EMPRESA – QUADRO – CRIME OU CONTRAVENÇÃO – ATOS DISCRIMINATÓRIOS – CONDENADO. Surge inconstitucional vedação, à Administração Pública, de contratação de empresa cujo quadro seja integrado por pessoa condenada ante a prática de crime ou contravenção envolvendo atos discriminatórios, considerada a inobservância ao princípio da intransmissibilidade da pena e ao artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
(ADI 3092, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 14-08-2020 PUBLIC 17-08-2020)
Isto posto, com o intuito de realizar as modificações acima mencionadas e promover ajustes atinentes à técnica legislativa, propõe-se a aprovação do seguinte substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº ______/2023
AOS PROJETOS DE LEI ORDINÁRIA Nº 97/2023 E 577/2023
Altera integralmente a redação dos Projetos de Lei Ordinária nº 97/2023 e 577/2023.
Artigo único. Os Projetos de Lei Ordinária nº 97/2023 e 577/2023 passam a ter a seguinte redação:
“Proíbe os órgãos e entidades da Administração Pública do Estado de Pernambuco de nomear ou designar para cargos públicos e funções de confiança as pessoas condenadas pela prática dos crimes que especifica.
Art. 1º Os órgãos e entidades da Administração Pública do Estado de Pernambuco ficam proibidos de nomear ou designar para cargos públicos, de provimento efetivo e em comissão, ou para o exercício de funções de confiança as pessoas que tenham sido condenadas, em decisão judicial transitada em julgado, por crimes:
I - imprescritíveis ou insuscetíveis de graça ou anistia;
II - previstos na Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006);
III - previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 31 de julho de 1990);
IV - previstos no Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003); e
V - contra a Administração Pública, previstos nos arts. 312 a 359-H do Código Penal.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, entende-se por órgãos e entidades da Administração Pública do Estado de Pernambuco todos os entes que integram os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.
Art. 2º A proibição de que trata o art. 1º é aplicável enquanto perdurarem os efeitos da condenação criminal, não abrangendo os crimes culposos, de menor potencial ofensivo ou sujeitos à ação penal privada.
Art. 3º Os atos de investidura praticados em desobediência ao previsto nesta Lei são considerados nulos.
Art. 4º Cabe a cada órgão e entidade da Administração Pública do Estado de Pernambuco, no âmbito de sua competência, fiscalizar os atos de nomeação ou designação, com a possibilidade de requerer aos demais órgãos públicos informações e documentos necessários para o cumprimento das exigências legais.
Art. 5º No prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública do Estado de Pernambuco devem promover a exoneração dos atuais ocupantes de cargos e funções que se encontrem nas situações previstas no art. 1º.
Parágrafo único. Os atos de exoneração produzirão efeitos a contar de suas respectivas publicações.
Art. 6º Qualquer pessoa poderá comunicar às autoridades públicas competentes do Estado de Pernambuco o conhecimento de casos que se enquadrem nos arts. 1º a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis.
Art. 7º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Diante do exposto, opina-se pela aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei Ordinária nº 97/2023, do Deputado Romero Sales Filho, e ao Projeto de Lei Ordinária nº 577/2023, de autoria da Deputada Débora Almeida, com a consequente prejudicialidade das proposições principais.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei Ordinária nº 97/2023, do Deputado Romero Sales Filho, e ao Projeto de Lei Ordinária nº 577/2023, de autoria da Deputada Débora Almeida, com a consequente prejudicialidade das proposições principais.
Histórico