
Parecer 446/2019
Texto Completo
Projeto de Lei Ordinária nº 273/2019, de autoria do Governador do Estado, e Emenda Aditiva nº 1/2019, de autoria do Deputado William Brígido
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR PERNAMBUCANO EM RELAÇÃO ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS POR PARTE DE PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES. MATÉRIA INSERTA NA ESFERA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DA UNIÃO, ESTADOS E DISTRITO FEDERAL PARA DISPOR SOBRE PRODUÇÃO E CONSUMO E SOBRE RESPONSABILIDADE POR DANO AO CONSUMIDOR (ART. 24, V E VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). INICIATIVA CONCORRENTE. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE OU ILEGALIDADE. EMENDA ADITIVA Nº 01/2019, DE AUTORIA DO DEPUTADO WILLIAM BRÍGIDO, QUE TEM A FINALIDADE DE INCLUIR, NO ROL DE PRÁTICAS ABUSIVAS E LESIVAS AO CONSUMIDOR, A COBRANÇA DA TAXA DE VISITA TÉCNICA AOS CLIENTES. EXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE NA EMENDA ADITIVA Nº 01/2019 – COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO CIVIL (ART. 21, I, CF/88). PELA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 273/2019, DE AUTORIA DO GOVERNADOR DO ESTADO, E PELA REJEIÇÃO DA EMENDA ADITIVA Nº 01/2019, DE AUTORIA DO DEPUTADO WILLIAM BRÍGIDO.
1. RELATÓRIO
Vem à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária n° 273/2019, de autoria do Governador do Estado, que visa criar medidas protetivas ao consumidor ao proibir a oferta e a comercialização de serviços de valor adicionado, digitais, complementares, suplementares ou qualquer outro, independentemente de sua denominação, de forma onerosa ao consumidor, quando agregados a planos de serviços de telecomunicações.
Consoante justificativa anexada à proposição principal, tem-se:
“ Senhor Presidente,
Submeto à apreciação dessa Casa o Projeto de Lei anexo, que tem por objetivo dispor sobre normas de proteção ao consumidor pernambucano, relativamente a práticas abusivas por parte das prestadoras de serviço de comunicação.
A proposição visa proibir a realização de vendas ao consumidor que configurem oferta casada de serviços de telecomunicação com serviços de valor adicionado (digitais, complementares, suplementares ou qualquer outro, independentemente de sua denominação), que muitas vezes sequer são autorizados previamente pelo consumidor.
Tal medida legislativa, caso aprovada, não apenas garantirá a transparência e clareza nas relações de consumo, mas, principalmente, permitirá reduzir o valor dos atuais planos, já que o consumidor terá o direito de excluir serviços indesejados que não tenham sido solicitados.
De destacar-se que a proposição normativa envolve matéria de caráter predominantemente consumerista, que se insere dentro da esfera de competência dos Estados-membros, conforme previsto no art. 24 da Constituição Federal de 1988.
Na certeza de contar com o indispensável apoio para apreciação deste Projeto, aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência e ilustres Deputados protestos de elevado apreço e de distinta consideração.”
Por outro lado, a Emenda Aditiva nº 01/2019, de autoria do Deputado William Brígido, tem a finalidade de incluir no rol de práticas abusivas e lesivas ao consumidor a cobrança da taxa de visita técnica aos clientes.
As proposições em referência tramitam sob o regime ordinário.
2. PARECER DO RELATOR
A Proposição principal vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, II, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
As matérias encontram-se inseridas na competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, conforme estabelece o art. 24, V e VIII da CF/88, in verbis:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
.....................................................................................
V - produção e consumo;
[...]
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;”
Da análise da iniciativa para deflagrar o processo legislativo sobre a matéria, percebe-se que esta também é concorrente, haja vista não tratar-se de matéria que tenha sido reservada a determinado órgão ou autoridade, fundamentando-se no caput do artigo 19 da Constituição Estadual:
“Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.”
Procedendo à análise material da proposição, não se desconhece a tradicional jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que determina, com base nos artigos 21, XI, e 22, IV, da Constituição Federal, que à União compete legislar sobre o tema de telecomunicações, e, sobretudo, criar normas que venham a impactar no contrato de concessão ou permissão do serviço público de telecomunicações, contrato este firmado entre a própria União Federal e a concessionária/permissionária vencedora da licitação para prestar o serviço.
No entanto, não há dúvida de que o Projeto 273/2019 não altera os contratos, não cria nenhum impacto no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de serviços de telecomunicação em vigor. Às concessionárias não está sendo imposta nenhuma obrigação nova, nenhuma nova prestação. Há, tão somente, disposições consumeristas – matéria sobre a qual ao Estado é dado legislar de forma concorrente-, suplementares às regras já constantes da Lei Federal nº 8078, de 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Imprescindível trazer à baila o disposto no artigo 39, I e III, do CDC:
“ Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
[...]
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; ............................................................”
Ora, o que propõe o Projeto sub examine nada mais é que suplementar a supracitada legislação consumerista existente, em completa adequação ao modelo de repartição de competências legislativas proposto pela Carta Magna, pedra de toque da autonomia dos entes federados, que garante a Forma Federativa de Estado, cláusula pétrea consagrada em nossa Carta Política. Veja-se:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.”
Imperioso destacar também as recentes decisões da Suprema Corte, que ao analisarem normas estaduais que versavam sobre relação de consumo, ainda que envolvendo eventuais concessionárias de serviço público de âmbito federal, declararam as referidas normas constitucionais, por entender que tratavam de Direito do Consumidor e não de telecomunicações ou serviços de energia elétrica.
Na ADI 5.961/PR, julgada em 19 de dezembro de 2018, o STF julgou constitucional lei estadual que proíbe que concessionárias de serviço de água e luz realizem cortes de fornecimento por falta de pagamento em certos dias, como feriados e fins de semana, por entender tratar-se, verdadeiramente, de lei que suplementa, tal qual o Projeto em análise, a legislação federal sobre direito do consumidor. Em 02 de fevereiro de 2019, o STF julgou a ADI 5745/RJ, onde foi discutida a constitucionalidade de lei estadual que obriga prestadoras de serviço (inclusive de telecomunicações) a informarem previamente a seus clientes os dados do empregado que realizará o serviço na residência do consumidor. Novamente, apesar de envolver reflexamente concessionárias de serviços de telecomunicações, o entendimento firmado pelo STF no julgamento foi o de que a lei era constitucional por versar sobre matéria consumerista.
Também em 2019, foi novamente instado o STF a se posicionar a respeito de lei estadual que obriga que empresas de telefonia cancelem multa contratual de fidelidade quando o usuário comprovar que perdeu o vínculo empregatício após a adesão do contrato. Mais uma vez, em que pese envolver reflexamente empresas que prestam serviço de telefonia, a decisão da Suprema Corte foi por declarar a lei estadual constitucional, sob fundamento de tratar-se de lei essencialmente consumerista, sem adentrar na política tarifária ou na própria prestação do contrato de concessão firmado entre a União e as empresas. Didaticamente, asseverou a Ministra Rosa Weber em seu voto:
“[...]Sem perder de vista tratar-se da prestação de um serviço público regulado, não se pode negar a dimensão dos serviços de telefonia na qual configuram – mormente quando prestados por empresas particulares – efetiva atividade econômica, comercial, de consumo – e sujeitos, nessa medida aos princípios e normas de proteção dos direitos e interesses do consumidor .
6. Nessa ordem de ideias, para determinar se a norma impugnada invade ou não a competência da União, é necessário examinar se os efeitos da medida se esgotam na relação entre o consumidor-usuário e o fornecedor-prestador do serviço público, ou se, ao contrário, interferem, para além dessa dimensão, na relação jurídica existente entre esses dois atores e o Poder Concedente, titular do serviço. Assim, se norma estadual interferir no conteúdo dos contratos administrativos firmados no âmbito federal para prestação do serviço público, não será possível afirmar que a norma se esgota na tutela de interesses consumeristas
[...]
9. O objeto da norma estadual impugnada em nada interfere no regime de exploração ou na estrutura remuneratória da prestação dos serviço de telefonia – espécie do gênero telecomunicação, cujo regramento compete, nos termos dos arts. 21, XI, e 22, IV, da Carta da República, à União, que disciplina a matéria nos arts. 19, VII, 93, VII, 103 a 109 e 120, III, da Lei 9.472/1997. Visando à proteção do usuário dos serviços de telefonia fixa e celular estritamente na condição de consumidores, cuida isto sim, de relação jurídica tipicamente consumerista, ainda que realizada paralelamente a contrato de prestação de serviço de telefonia.
10. Essa distinção não é alheia à ratio decidendi que emerge dos diversos precedentes dessa Corte. Na ADI 2.832, o objeto da norma estadual então impugnada – e cuja constitucionalidade, no aspecto, esta Corte reconheceu – se esgotava nos aspectos consumeristas da relação que pretende regular. In verbis :
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ADI CONTRA LEI PARANAENSE 13.519, DE 8 DE ABRIL DE 2002, QUE ESTABELECE OBRIGATORIEDADE DE INFORMAÇÃO, CONFORME ESPECIFICA, NOS RÓTULOS DE EMBALAGENS DE CAFÉ COMERCIALIZADO NO PARANÁ. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 22, I e VIII, 170, CAPUT, IV, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 174 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. OFENSA INDIRETA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - Não há usurpação de competência da União para legislar sobre direito comercial e comércio interestadual porque o ato normativo impugnado buscou, tão-somente, assegurar a proteção ao consumidor. II - Precedente deste Tribunal (ADI 1.980, Rel. Min. Sydney Sanches) no sentido de que não invade esfera de competência da União, para legislar sobre normas gerais, lei paranaense que assegura ao consumidor o direito de obter informações sobre produtos combustíveis. III - Afronta ao texto constitucional indireta na medida em que se mostra indispensável o exame de conteúdo de outras normas infraconstitucionais, no caso, o Código do Consumidor. IV - Inocorre delegação de poder de fiscalização a particulares quando se verifica que a norma impugnada estabelece que os selos de qualidade serão emitidos por entidades vinculadas à Administração Pública estadual. V - Ação julgada parcialmente procedente apenas no ponto em que a lei impugnada estende os seus efeitos a outras unidades da Federação.” (ADI 2.832/PR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 19.6.2008) Essa compreensão converge, ainda, com a tese prevalecente neste Plenário quando do recente julgamento, em 07.02.2019, da ADI 5745/RJ (Relator Ministro Alexandre de Moraes, Redator p/ acórdão Ministro Edson Fachin).
11. No caso, implementada norma de proteção do consumidor que, rigorosamente contida nos limites do art. 24, V, da Carta Política, não apresenta interferência na estrutura de prestação do serviço público e nem no equilíbrio dos contratos administrativos, não há falar em usurpação de competência legislativa privativa da União, e, consequentemente em afronta aos arts. 1º, 21, IX, 22, IV, e 175 da Constituição da República . Ressalto, por oportuno, que a iniciativa legiferante estadual tem respaldo, inclusive, no sistema de proteção consagrado no Código de Defesa do Consumidor, cujo art. 6º assegura, como direito básico do consumidor: “V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
12 Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 6.295/2012 do Estado do Rio de Janeiro.
(ADI 4908, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 11/04/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 03-05-2019 PUBLIC 06-05-2019)”
Além das referidas Ações Diretas de Inconstitucionalidade supracitadas, importante mencionar que tramita atualmente no Supremo a ADIN 6.068/SC, pugnando pela declaração de inconstitucionalidade de norma catarinense que dispõe de maneira semelhante à proposição ora analisada. No entanto, não há, ainda, qualquer decisão do Supremo no Processo em comento, nem sequer liminar, de forma que a mera existência da Ação não nos pode levar à rejeição sumária do Projeto.
Neste diapasão, resta claro que o Projeto em análise não altera política tarifária do contrato entre União e concessionárias, não impõe novas obrigações às concessionárias, não desequilibra o contrato, mas, tão somente, veda prática abusiva por parte das empresas de telefonia, na esteira daquilo que está positivado no CDC e seguindo os preceitos da Constituição Federal.
Outrossim, como precedentes desta Comissão, citamos os Pareceres nº 1335/2015 ao PLO 445/2015, 3873/2017 ao PLO desarquivado 913/2012, 428/2015 ao PLO desarquivado 1585/2013, todos pela aprovação e versando sobre matérias semelhantes.
Por outro lado, a Emenda Aditiva nº 01/2019, de autoria do Deputado William Brígido, tem a finalidade de incluir no rol de práticas abusivas e lesivas ao consumidor a cobrança da taxa de visita técnica aos clientes. Todavia, não obstante a proposição designe tal relação como sendo afeta ao âmbito do Direito do Consumidor, a proposição interfere, de forma contundente na relação contratual, de direito civil, portanto. Logo, possui vícios de inconstitucionalidade, já que, nos termos do art. 21, I da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito civil.
Assim, pode-se definir que estará presente a relação de consumo no seguinte caso:
“De maneira geral pode se dizer que pressupõe que o consumidor é hipossuficiente, pois o mesmo, individualmente, não está em condições de fazer valer as suas exigências, carece de meios adequados para se relacionar com as empresas, há uma desproporção muito grande entre a empresa e o consumidor normal, o que impõe dificuldades para este fazer valer o seu direito” (SOUZA, Néri Tadeu Câmara. (24.05.2003) Princípios Gerais da defesa do consumidor.www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/48/11/481/p.shtml).
Portanto, como bem observado, deve haver hipossuficiência e agressão a direitos do consumidor, o que não corresponde ao caso em tela.
Diante do exposto, opino no sentido de que o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça seja pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária n° 273/2019, de autoria do Governador do Estado e pela rejeição, por vícios de inconstitucionalidade, da Emenda Aditiva nº 01/2019, de autoria do Deputado William Brígido.
- CONCLUSÃO
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária n° 273/2019, de autoria do Governador do Estado e pela rejeição, por vícios de inconstitucionalidade, da Emenda Aditiva nº 01/2019, de autoria do Deputado William Brígido.
Histórico