
Parecer 629/2023
Texto Completo
PROJETOS DE LEI ORDINÁRIA Nº 441/2023 E 458/2023
AUTORIA: DEPUTADA SIMONE SANTANA E DEPUTADO DORIEL BARROS, RESPECTIVAMENTE.
PROPOSIÇÕES QUE DISPÕEM, RESPECTIVAMENTE, SOBRE A Política Estadual de Apoio à Conservação de Sementes Crioulas do Estado de Pernambuco E SOBRE A POLÍTICA ESTADUAL DE SEMENTES CRIOULAS E AGROBIODIVERSIDADE. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE. ART. 24, IX. COMPETÊNCIA COMUM. ART. 23, V, VIII E X. CONSONÂNCIA COM AS DIRETRIZES DA POLÍTICA AGRÍCOLA. ART. 187, III, IV, VI E VIII, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES DESTA CCLJ. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO DESTE COLEGIADO E CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DAS PROPOSIÇÕES PRINCIPAIS.
1. RELATÓRIO
São submetidos a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, os Projetos de Lei Ordinária nº 441/2023, de autoria da Deputada Simone Santana e nº 458/2023, de autoria do Deputado Doriel Barros, que dispõem, respectivamente, sobre a Política Estadual de Apoio à Conservação de Sementes Crioulas do Estado de Pernambuco e sobre a Política Estadual de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade.
Os Projetos em referência tramitam nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
As proposições em análise encontram guarida no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, uma vez que o deputado estadual detém competência para apresentar projetos de lei ordinária.
De partida, registre-se que esta Comissão já firmou entendimento pela viabilidade constitucional de projetos de lei de iniciativa parlamentar que instituam políticas públicas ou estabeleçam diretrizes para estas, desde que não promovam aumento de despesa pública e não interfiram nas atribuições dos órgãos vinculados ao Poder Executivo. As proposições em análise não desbordam das premissas mencionadas.
Desse modo, é de bom tom, em breve definição, destacar que as políticas públicas são tidas como “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.” (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 241).
Nesse contexto, é possível inferir que os projetos em apreciação tratam essencialmente de política pública, a qual deve guardar observância com as demais regras de repartição constitucional de competências e hipóteses de iniciativa reservada ou privativa.
No âmbito das competências administrativas e legislativas dos entes federativos, observa-se que as proposições em análise encontram supedâneo nos seguintes dispositivos da Constituição Federal:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
[...]
VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
[...]
X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
[...]
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
IX – educação, cultura, ensino, desporte, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
No que tange à constitucionalidade material, frise-se que há total consonância com os preceitos constitucionais, conforme art. 187, III, IV, VI, VIII da Carta Magna:
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:
[...]
III – o incentivo à pesquisa e à tecnologia;
IV – assistência técnica e extensão rural;
[...]
VI – o cooperativismo;
[...]
VIII – a habitação para o trabalhador rural.
Observa-se ainda que as proposições são compatíveis com a Constituição Estadual, especialmente com o disposto no inciso VIII-A do parágrafo único do art. 5º, o qual estabelece que é competência comum do Estado e dos Municípios fomentar a agricultura familiar, a produção orgânica e a transição agroecológica dos sistemas de produção.
Reitere-se que as proposições não versam sobre a criação, reestruturação ou extinção de órgãos ou entidades do Poder Executivo, de modo que pudesse caracterizar afronta à iniciativa legislativa do Governador do Estado.
Os Projetos de Lei em análise tão somente relacionam diretrizes, objetivos, princípios e finalidades a serem adotadas por parte do Poder Público em relação às políticas públicas voltadas à conservação de sementes crioulas no Estado de Pernambuco.
A implantação, a coordenação e o acompanhamento da política pública, quando for implementada, ainda ficarão a cargo do órgão competente do Poder Executivo, como não poderia deixar de ser, a quem incumbirá, também, promover concretamente as ações previstas na proposição, mediante conveniência e oportunidades administrativas.
Por ser a Função Legislativa atribuída, de forma típica, ao Poder Legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Governador são taxativas e, enquanto tais, são interpretadas restritivamente. Sobre o tema:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, Pleno, ADI-MC nº 724/RS, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 27.4.2001 (original sem grifos).
“(...) uma interpretação ampliativa da reserva de iniciativa do Poder Executivo, no âmbito estadual, pode resultar no esvaziamento da atividade legislativa autônoma no âmbito das unidades federativas.” (STF - ADI: 2417 SP, Relator: Min. Maurício Corrêa, Data de Julgamento: 03/09/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 05-12-2003)
Desse modo, não estando a matéria no rol das afetas à iniciativa privativa do Governador do Estado, franqueia-se ao parlamentar a legitimidade subjetiva para deflagrar o correspondente processo legislativo. Infere-se, portanto, que não há vício de iniciativa insanável na proposição ora analisada.
Nesse contexto, entende-se que as proposições ora em apreço merecem ser aprovadas.
Entretanto, a fim de promover ajustes na redação das proposições, expurgar dispositivos inconstitucionais e unir, num só texto, os dispositivos compatíveis de ambas (art. 264 do RI), faz-se necessária a apresentação do seguinte Substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº /2023
AOS PROJETOS DE LEI ORDINÁRIA Nº 441/2023 E Nº 458/2023
Altera integralmente a redação dos Projetos de Lei Ordinária nº 441/2023, de autoria da Deputada Simone Santana e nº 458/2023, de autoria do Deputado Doriel Barros.
Artigo Único. Os Projetos de Lei Ordinária nº 441/2023 e nº 458/2023 passam a ter a seguinte redação:
“Dispõe sobre a Política Estadual de Conservação e Utilização Sustentável de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade no Estado de Pernambuco.
Art. 1° Essa Lei dispõe sobre a Política Estadual de Conservação e Utilização Sustentável de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade do Estado do Pernambuco, que poderá ser implementada de forma integrada às políticas e aos programas governamentais que visam assegurar o direito humano à alimentação adequada.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
I - variedade e cultivar local, tradicional ou crioula: a semente, muda, ramas, estacas, bulbos, batatas ou outras formas de propagação vegetal desenvolvida, adaptada ou produzida em condições in situ ou on farm, por agricultores familiares, assentado por programa de reforma agrária, quilombola, indígena ou povos e comunidades tradicionais, que apresente características fenotípicas próprias que a diferencie de variedades e cultivares comerciais, que seja assim reconhecida pela comunidade em que é cultivada e que não seja oriunda de manipulação por engenharia genética nem outros processos de desenvolvimento industrial ou manipulação em laboratório, não contenha transgenes e não envolva processos de hibridação que não estejam sob o domínio das comunidades locais;
II - agrobiodiversidade: termo que inclui todos os componentes da biodiversidade que tem relevância para a agricultura e alimentação; incluindo todos os componentes da biodiversidade;
III - cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas, por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;
IV - híbrido: o resultado de um ou mais cruzamentos, sob condições controladas, entre progenitores de constituição genética distinta, estável e de pureza varietal definida;
V - área de proteção da agrobiodiversidade: área, terreno, região ou território onde há produção de sementes locais, tradicionais ou crioulas, ficando proibido o cultivo de qualquer material genético (sementes transgênicas e híbridas) que venha a ameaçar as características fenotípicas e genotípicas das sementes locais, tradicionais ou crioulas; e
VI - atividades de conservação e utilização sustentável da Agrobiodiversidade, entre outras:
a) resgate e utilização de variedades locais, tradicionais ou crioulas assim como a promoção da expansão do uso de variedade locais, tradicionais ou crioulas;
b) melhoramento participativo descentralizado, realizado em parceria entre as comunidades e instituições públicas de pesquisa; e
c) fortalecimento da pesquisa que promova e conserve a diversidade biológica.
§1º. Pela sua própria natureza e tradição histórica, as cultivares locais, tradicionais ou crioulas, constituem patrimônio sociocultural das comunidades, não sendo aplicável patente, propriedade e nenhuma forma de proteção particular para indivíduos, empresas ou entidades.
§2º As atividades de conservação e utilização sustentável da Agrobiodiversidade no Estado de Pernambuco são consideradas de interesse social e essenciais para as estratégias de desenvolvimento rural sustentável de promoção e segurança alimentar e nutricional e de sustentabilidade ambiental no Estado.
Art. 3° A Política Estadual de Conservação e Utilização Sustentável de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade tem os seguintes objetivos:
I - proteger a agrobiodiversidade e os biomas;
II - incentivar o resgate e a perpetuação de espécies, variedade e cultivares produzidos em unidade familiar ou tradicional, prioritariamente as espécies vegetais para alimentação;
III - respeitar os conhecimentos tradicionais;
IV - fortalecer valores culturais;
V - incentivar o mapeamento da agrobiodiversidade em Pernambuco;
VI - incentivar o respeito, a preservação e manutenção do conhecimento, das inovações e das práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas;
VII - incentivar a organização comunitária com a criação de bancos comunitários de sementes crioulas;
VIII - promover a cooperação institucional técnica e científica visando a conservação dos recursos genéticos, tanto nas propriedades dos agricultores como em bancos comunitários e em instituições públicas de manutenção de germoplasma;
IX - incentivar a pesquisa agroecológica e tecnológica e processos de diagnóstico participativo relacionados à sensibilização e ao resgate da agrobiodiversidade junto aos camponeses;
X - estabelecer parcerias entre organizações sociais com personalidade jurídica, representativa da agricultura familiar, de pescadores artesanais, dos povos e comunidades tradicionais e dos beneficiários da reforma agrária e crédito fundiário e entidades de assistência técnica, a fim de desenvolver habilidades locais nos processos de seleção e armazenamento de sementes crioulas e na implantação e gestão dos bancos de sementes;
XI - promover a articulação entre pesquisa, educação, extensão rural e a assistência técnica às organizações de agricultores;
XII - instituir um sistema de reposição das sementes crioulas; e
XIII - melhorar a qualidade das sementes produzidas e armazenadas por meio do monitoramento da qualidade física das sementes.
Art. 4º São instrumentos da Política Estadual de Conservação e Utilização Sustentável de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade:
I - a política agrícola e os programas de desenvolvimento rural;
II - o fomento com crédito, incentivos fiscais e subsídios;
III - o apoio ao associativismo, o cooperativismo e as redes de cooperação;
IV - as compras governamentais;
V - as feiras de sementes crioulas, agroecológicas e de exposição agropecuária;
VI - a extensão rural e a assistência técnica; e
VII - a capacitação, a educação e a pesquisa agropecuária.
Art. 5º Esta Lei será regulamentada pelo Poder Executivo em todos os aspectos necessários para a sua efetiva implantação.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.”
Feitas as considerações pertinentes, opina-se, nos termos do art. 214, II, do Regimento Interno, pela aprovação do Substitutivo acima apresentado e consequente prejudicialidade das Proposições Principais.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Substitutivo apresentado por este Colegiado e consequente prejudicialidade das Proposições Principais.
Histórico