
Parecer 199/2023
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 288/2023
AUTORIA: DEPUTADO ÁLVARO PORTO
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE MECANISMOS E INSTRUMENTOS PARA DETECÇÃO E COMBATE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. MATÉRIA INSERTA NA ESFERA DE COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ESTADOS-MEMBROS (ART. 24, XV, CF/88). COMPETÊNCIA MATERIAL NOS TERMOS DOS ARTS. 226, § 8º E 227, §4º, CF/88. VIABILIDADE DA INICIATIVA PARLAMENTAR. LEI Nº 18.107, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2022. LEI Nº 15.622, DE 19 DE OUTUBRO DE 2015. PRINCÍPIO DA UNICIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 171, DE 29 DE JUNHO DE 2011. DISPOSITIVO MERAMENTE AUTORIZATIVO. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO ORA PROPOSTO E CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DA PROPOSIÇÃO PRINCIPAL.
1. RELATÓRIO
É submetido a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 288/2023, de autoria do Deputado Álvaro Porto, que prevê mecanismos e instrumentos para detecção e combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes, no âmbito do Estado de Pernambuco.
O projeto de lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, inciso III, do Regimento Interno).
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas à sua apreciação.
A proposição tem como base o art. 19, caput, da Constituição Estadual, e o art. 223, I, do Regimento Interno desta Casa, uma vez que o Deputado Estadual detém competência legislativa para apresentar projeto de lei ordinária. Igualmente, não existe óbice para a deflagração do processo legislativo pela via parlamentar, uma vez que o objeto do Projeto de Lei em comento não se enquadra nas hipóteses de iniciativa privativa do Governador do Estado constantes no art. 19, § 1º, da Constituição Estadual.
Sob o prisma formal, a matéria encontra-se inserta na esfera da competência legislativa concorrente dos estados membros para dispor sobre proteção à infância e à juventude, nos termos do art. 24, XV, da Constituição Federal – CF/88.
Por sua vez, é permitido aos estados, por meio da edição de atos legislativos, adotar mecanismos voltados à prevenção de atos de violência familiar, conforme estabelecem os comandos do art. 5º, inciso II, c/c art. 226, § 8º e art. 227, §4º, da CF/88, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
[...]
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
Ademais, a proposição se coaduna com o disposto na Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) e nas Leis Federais nº 13.431, de 4 de abril de 2017 (que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência) e n° 14.344, de 24 de maio de 2022 (cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente).
Portanto, não existem vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que comprometam a validade do presente projeto de lei.
Entretanto, verifica-se que as Leis nº 18.107, de 28 de dezembro de 2022 (institui a Política de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Criança e o Adolescente no âmbito do Estado de Pernambuco); e nº 15.622, de 19 de outubro de 2015 (dispõe sobre a afixação de cartaz informativo em local visível, de escolas e universidades públicas e privadas, com os números de telefone dos serviços de emergência disponíveis ao cidadão) regem a matéria. A primeira norma apresenta basicamente o mesmo conteúdo proposto – estabelece o conceito de ato de violência doméstica e familiar contra criança e adolescente; define as prioridades a serem observadas pelo Poder Executivo; determina a comunicação de maus tratos e/ou violência contra crianças e adolescentes – e, a segunda torna obrigatória a afixação de cartaz informativo na forma do art. 7º da proposição.
A reprodução de leis com conteúdo similar é prática vedada pela Lei Complementar Estadual nº 171, de 29 de junho de 2011, que dispõe sobre a elaboração, a alteração e a consolidação das leis estaduais (art. 3º, IV).
Por sua vez, os arts. 8º e 9º configuram preceitos de natureza meramente autorizativa, tendo por objeto a concessão de uma permissão ao Poder Executivo para executar atos que já estão inseridos em sua competência constitucional. Segundo Fernandes, os projetos de lei autorizativos apresentam vícios de constitucionalidade e de juridicidade, in verbis:
(...), projeto de lei de iniciativa parlamentar que trate de algum assunto mencionado no citado art. 61, §1°, da Carta Magna, será considerado inconstitucional, de plano, sob o ângulo formal, por conter vício de iniciativa. Tal vício não pode ser sanado sequer pela sanção presidencial posterior, eivando de nulidade o diploma legal assim produzido, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
A violação à regra constitucional da iniciativa do processo legislativo representa indevida afronta ao princípio da separação dos poderes. Assim, quando um membro do Congresso Nacional apresenta projeto de lei contrário ao disposto no art. 61, §1°, da Constituição, está, na verdade, tentando usurpar competência deferida privativamente ao Chefe do Poder Executivo pela Carta Magna.
Nesse sentido, a apresentação de projetos de lei autorizativos por parlamentares visa, em regra, contornar tal inconstitucionalidade, fazendo com que seja aprovado comando legal que não obrigue, mas apenas autorize o Poder Executivo a praticar uma determinada ação.
Embora não haja obrigação de cumprimento, é certo que a Constituição não menciona que a iniciativa privativa do Presidente da República restringe-se às leis impositivas. Dessa forma, qualquer projeto que viole o disposto no art. 61, §1°, da Constituição, como os projetos autorizativos, é inconstitucional, obrigando ou não o Poder Executivo.
(...)
Além disso, os projetos de lei autorizativos de iniciativa parlamentar são injurídicos, na medida em que não veiculam norma a ser cumprida por outrem, mas mera faculdade (não solicitada por quem de direito) que pode ou não ser exercida por quem a recebe.
O projeto autorizativo nada acrescenta ao ordenamento jurídico, pois não possui caráter obrigatório para aquele a quem é dirigido. Apenas autoriza o Poder Executivo a fazer aquilo que já lhe compete fazer, mas não atribui dever ao Poder Executivo de usar a autorização, nem atribui direito ao Poder Legislativo de cobrar tal uso.
A lei, portanto, deve conter comando impositivo àquele a quem se dirige, o que não ocorre nos projetos autorizativos, nos quais o eventual descumprimento da autorização concedida não acarretará qualquer sanção ao Poder Executivo, que é o destinatário final desse tipo de norma jurídica.
A autorização em projeto de lei consiste em mera sugestão dirigida a outro Poder, o que não se coaduna com o sentido jurídico de lei, acima exposto. Tal projeto é, portanto, injurídico. Essa injuridicidade independe da matéria veiculada no projeto, e não se prende à iniciativa privativa prevista no art. 61, §1°, da Constituição. (FERNANDES, Márcio Silva. “Inconstitucionalidade de projetos de lei autorizativos”. Disponível em: <http://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1375/inconstitucionalidade_projetos_fernandes.pdf?sequence=4>. Acesso em: 27.03.2020)
Assim, faz-se necessária a apresentação do seguinte Substitutivo, com o fito de promover a adequação da redação originalmente proposta:
SUBSTITUTIVO Nº ____________/2023
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 288/2023
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 288/2023, de autoria do Deputado Álvaro Porto.
Artigo Único. O Projeto de Lei Ordinária nº 288/2023 passa a ter a seguinte redação:
"Altera a Lei 18.107, de 28 de dezembro de 2022, que institui a Política de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Criança e o Adolescente no âmbito do Estado de Pernambuco, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, para instituir novas diretrizes.
Art. 1º A Lei nº 18.107, de 28 de dezembro de 2022, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 4º ......................................................................................................................
....................................................................................................................................
II - capacitação interdisciplinar continuada, preferencialmente conjunta, dos profissionais, para o desenvolvimento das competências necessárias à identificação de evidências, prevenção, diagnóstico e enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente, nos termos da Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e Adolescente); (NR)
III - ............................................................................................................................
....................................................................................................................................
VI - priorização do atendimento em razão deficiência, condição socioeconômica, idade ou de eventual prejuízo ao desenvolvimento psicossocial, garantida a intervenção preventiva; (NR)
VII - monitoramento e avaliação periódica das políticas de atendimento; (NR)
VIII - promoção e a realização de campanhas educativas direcionadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, incluídos os canais de denúncia existentes; e (AC)
IX - celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos, e de outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais, ou entre estes e entidades não governamentais, com o objetivo de implementar programas de erradicação da violência, de tratamento cruel ou degradante. (AC)”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Diante do exposto, opino pela aprovação do Substitutivo acima apresentado e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Substitutivo deste Colegiado e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.
Histórico