
Parecer 194/2023
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 106/2023
AUTORIA: DEPUTADA DELEGADA GLEIDE ÂNGELO
PROPOSIÇÃO QUE ALTERAA LEI Nº 12.045, DE 17 DE JULHO DE 2001, QUE CONCEDE GRATUIDADE NOS TRANSPORTES COLETIVOS INTERMUNICIPAIS ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA FÍSICA, SENSORIAL E MENTAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS, ORIGINADA DE PROJETO DE LEI DE INICIATIVA DO DEPUTADO JOÃO PAULO, A FIM DE VEDAR A EXIGÊNCIA DE NOVOS LAUDOS COMO CONDIÇÃO PARA A RENOVAÇÃO DO BENEFÍCIO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA IRREVERSÍVEL. COMPETÊNCIA COMUM PARA “PROTEÇÃO E GARANTIA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA” (ART. 23, II, DA CF). COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ESTADOS PARA LEGISLAR SOBRE “PROTEÇÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL DAS PESSSOAS COM DEFICIÊNCIA” (ART. 24, XIV, CF/88). PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III, DA CF). CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E METROPOLITANO DE PASSAGEIROS. COMPETÊNCIA ESTADUAL. PELA APROVAÇÃO.
1. RELATÓRIO
Submete-se a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 106/2023, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, que altera a Lei nº 12.045, de 17 de julho de 2001, que concede gratuidade nos transportes coletivos intermunicipais às pessoas portadoras de deficiência física, sensorial e mental e dá outras providências, originada de Projeto de Lei de iniciativa do Deputado João Paulo, a fim de vedar a exigência de novos atestados médicos como condição para a renovação do benefício às pessoas com deficiência irreversível.
A proposição em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo Regime Ordinário (art. 253, III, Regimento Interno).
É o Relatório.
2. PARECER DO RELATOR
Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 99, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas a sua apreciação.
De início, a proposição em análise encontra guarida no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de matérias afetas à iniciativa privativa do Governador do Estado. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, sua constitucionalidade formal subjetiva.
Quanto à constitucionalidade formal orgânica, o Projeto de Lei encontra-se inserto na competência administrativa comum (art. 23, II, CF/88) e legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, XII e XIV, CF/88), in verbis:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
É inconteste que a competência da União para legislar sobre normas gerais de proteção e integração social das pessoas com deficiência não afasta a competência dos Estados-membros.
Cabe à lei estadual legislar sobre assunto da competência concorrente, desde que, no exercício de tal atividade, o Estado-membro venha a acrescentar, de maneira constitucional, legal e jurídica, disposições complementares a par das normas gerais já existentes. É a denominada competência suplementar-complementar dos Estados-membros.
Ademais, do ponto de vista material, a iniciativa mostra-se plena e materialmente compatível com o corpo constitucional, notadamente com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e com os princípios estabelecidos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mais conhecida por Convenção de Nova Iorque, tratado internacional com força constitucional, vez que aprovado segundo o rito previsto no art. 5º, §2º, CF/88.
De acordo com a referida Convenção, devem os países signatários “assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural” (artigo 1º).
Em relação à regulamentação do serviço público de transporte intermunicipal e metropolitano de passageiros, repousa incontroversa a competência do Estado-membro, com base na competência remanescente (art. 25, §1º, CF/88).
Conforme dispõe o art. 30, inciso V, da Constituição, cabe aos Municípios a exploração dos serviços de transporte que se limitam ao território local, tendo em vista a predominância do interesse envolvido. A Carta Magna ainda reserva à competência da União os serviços de transporte interestadual ou internacional de passageiros (art. 21, inciso XII, “e”).
Por consequência, com fundamento na competência remanescente (art. 25, § 1º, da Constituição), a doutrina aponta a competência dos Estados para legislar sobre o serviço público de transporte intermunicipal e metropolitano de passageiros.
Sobre o tema, transcreve-se a lição de Rodrigo César Neiva Borges:
Analisando a competência para disciplinar o trânsito e o transporte intermunicipal, Moraes (1999, p. 272) destaca que a Constituição atribui à União a competência para explorar os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (art. 21, XII, “e”), enquanto o transporte municipal é remetido explicitamente à competência do Município (art. 30, V). Nesse contexto, conclui o autor que “não compete à União, tampouco aos municípios, legislarem sobre normas de trânsito e transporte intermunicipal, sob pena de invasão da esfera de atuação do Estado-membro”. Por fim, Moraes ainda ressalta que “no exercício da competência de legislar sobre transporte intermunicipal, o Estado não poderá impor limitações ao tráfego de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos intermunicipais”. (BORGES, Rodrigo César Neiva. Limites da Competência Municipal: Estudo de Caso sobre a Regulação dos Serviços de Moto-táxi. Brasília: Universidade do Legislativo Brasileiro – Unilegis, 2008).
No mesmo sentido é a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF):
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 2º DO ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. TRANSPORTE COLETIVO INTERMUNICIPAL. TRANSPORTE COLETIVO URBANO. ARTIGO 30, V DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. TRANSPORTE GRATUITO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. POLICIAIS CIVIS. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. 1. Os Estados-membros são competentes para explorar e regulamentar a prestação de serviços de transporte intermunicipal. 2. Servidores públicos não têm direito adquirido a regime jurídico. Precedentes. 3. A prestação de transporte urbano, consubstanciando serviço público de interesse local, é matéria albergada pela competência legislativa dos Municípios, não cabendo aos Estados-membros dispor a seu respeito. 4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado parcialmente procedente. (ADI 2349, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2005, DJ 14-10-2005) – grifos acrescidos
Com a presente medida, por conseguinte, busca-se fortalecer o arcabouço normativo em proteção e defesa das pessoas com deficiência, facilitando o acesso desta parcela da população à gratuidade no transporte público intermunicipal e metropolitano, para que possam exercer plenamente os direitos a que fazem jus.
Feitas essas considerações, o parecer do Relator é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 106/2023, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Diante do exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 106/2023, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo.
Histórico