
Parecer 358/2019
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 000102/2019
AUTORIA: DEPUTADA JUNTAS
PROPOSIÇÃO QUE DISPÕE SOBRE ORIENTAÇÕES DE MEMÓRIA HISTÓRICA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. COMPETÊNCIA RESIDUAL DOS ESTADOS-MEMBROS (ART. 25, §1º, CF/88). PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MORALIDADE (ART. 37, CF/88). PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRÉ-EXISTÊNCIA DA LEI ESTADUAL Nº 15.769/2015. PROÍBE A CONCESSÃO DE HOMENAGENS A PESSOAS CONDENADAS POR IMPROBIDADE ADMINSITRATIVA, CORRUPÇÃO OU QUE TENHAM PRATICADO VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALDIADE, ILEGALIDADE OU ANTIJURIDICIDADE. PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO PELO RELATOR.
1. RELATÓRIO
Trata-se do Projeto de Lei Ordinária nº 000102/2019, de autoria da Deputada Juntas, que dispõe sobre orientações de memória histórica e dá outras providências.
Em sua justificativa, a Exma. Deputada alega que:
“[...] Essa Comissão [Comissão Nacional da Verdade], após longa atuação, emitiu 29 recomendações, dentre elas a de nº 28, qual seja: “preservação da memória das graves violações de direitos humanos”, que determina a mudança na denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que contenham nomes de agentes públicos ou de particulares que notoriamente tenham participado ou praticado graves violações de direitos humanos durante o período da Ditadura Militar no Brasil.”
O projeto de lei em referência tramita sob o regime ordinário.
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de matérias afetas à iniciativa reservada ao Governador do Estado. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, a constitucionalidade formal subjetiva da medida.
A matéria versada no Projeto de Lei ora em análise encontra-se inserta na competência remanescente dos Estados-Membros, nos termos do art. 25, § 1º, da Constituição Federal e no art.5º, da Constituição do Estado de Pernambuco. Segundo leciona José Afonso da Silva:
“Quanto à forma (ou o processo de sua distribuição), a competência será: (a) enumerada, ou expressa, quando estabelecida de modo explícito, direto, pela Constituição para determinada entidade (arts. 21 e 22, p. ex.); (b) reservada ou remanescente e residual, a que compreende toda matéria não expressamente incluída numa enumeração, reputando-se sinônimas as expressões reservada e remanescente com o significado de competência que sobra a uma entidade após a enumeração da competência da outra (art.25, §1º: cabem aos Estados as competências não vedadas pela Constituição), enquanto a competência residual consiste no eventual resíduo que reste após enumerar a competência de todas as unidades, como na matéria tributária, em que a competência residual – a que eventualmente possa surgir apesar da enumeração exaustiva – cabe à União (art. 154,I).” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 38ª ed., 2015, p.484).
Em complemento, vislumbra-se que a matéria da proposição encontra-se dentro da denominada capacidade de auto-organização, autolegislação, autoadministração e autogoverno dos Estados-membros, dentro da lógica federalista estabelecida pela Constituição Federal de 1988.
Ressalta-se que o Projeto de Lei ora em análise buscar dar efetividade ao princípio constitucional da moralidade, insculpido no art. 37 da Constituição Federal e no art. 97 da Constituição do Estado de Pernambuco. Esse princípio estabelece que a Administração Pública deve agir segundo princípios éticos, sendo considerados contrários ao ordenamento jurídico atos que enalteçam violações aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana.
Afinal, se, por um lado, a atribuição de nomes de pessoas a bens públicos – tanto de uso comum quanto de uso especial –, goza de ampla margem de discricionariedade, por outro é igualmente verdadeiro que esta margem, ainda que extensa, não é ilimitada, devendo ser balizada por valores, princípios e fundamentos constitucionais e legais.
Entre tais limites pode-se elencar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), de forma a impossibilitar a homenagem a pessoas que tenham perpetrado graves violações aos direitos da pessoa humana.
Nesse diapasão, destaca-se o disposto na Lei nº 15.769, de 5 de abril de 2016, que proíbe, no âmbito da Administração Pública do Estado de Pernambuco, a concessão de homenagens a pessoas que tenham sido condenadas por atos de improbidade administrativa ou corrupção e dá outras providências. Em seu art. 2º, a referida Lei dispõe:
Art. 1º Fica proibida, no âmbito da Administração Pública do Estado de Pernambuco, a concessão de homenagens a pessoas que tenham sido condenadas, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por improbidade administrativa ou corrupção.
Art. 2º A proibição que dispõe esta Lei se estende a pessoas que tenham praticado atos de lesa-humanidade, tortura, exploração do trabalho escravo ou infantil, violação dos direitos humanos ou maus tratos aos animais.
Assim sendo, verifica-se que, no âmbito do Estado de Pernambuco, já são proibidas homenagens a pessoas que perpetraram violações aos direitos humanos, dentre as quais tortura e atos de lesa-humanidade, inclusive aqueles ocorridos durante a Ditadura Miliar.
Cabe também ressaltar a existência da Lei Estadual nº 15.124, de 11 de outubro de 2013, que fixou os requisitos para denominação de bens públicos no âmbito do Estado de Pernambuco.
Entre as condições, exige-se que: o bem seja de uso comum do povo ou de uso especial; que o homenageado, in memoriam, tenha prestado serviços relevantes dentro do estado ou município onde o bem esteja situado; seja bastante conhecido pela população; e o bem não possua outra nomenclatura já atribuída por Lei.
A presente proposta, por sua vez, estabelece uma nova vedação à nomeação de bens públicos estaduais, qual seja: atribuir a prédios, rodovias, repartições públicas e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta, nome de pessoa que conste no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade de que trata a Lei Federal nº 12.528/2011 como responsável por violações de direitos humanos.
Assim sendo, evidenciada a pertinência temática, o disposto no Projeto de Lei em análise deve ser feito mediante alteração na legislação supracitada (Lei Estadual nº 15.769/2016), de forma a expressamente incluir, entre as proibições, homenagens a pessoas que tenham praticado violações de direitos humanos durante a ditadura miliar.
Essa modificação técnica, inclusive, é consentânea às prescrições do art. 3º, IV, da Lei Complementar Estadual nº 171/2011, que dispõe sobre a elaboração, a alteração e a consolidação das leis estaduais, in verbis:
Art. 3º Na elaboração da lei serão observados os seguintes princípios:
[...]
IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.
Entretanto, diante do disposto no art. 239 da Constituição Estadual, entendo não ser possível a previsão de alteração das atuais denominações de bens públicos, devendo a proibição incidir apenas sobre as homenagens a partir da entrada em vigor da lei.
Assim sendo, com o fim de aperfeiçoar o Projeto de Lei, bem como adequá-lo às prescrições da Lei Complementar Estadual nº171/2011, propõe-se a aprovação de substitutivo nos seguintes termos:
SUBSTITUTIVO N° /2019
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 000102/2019.
Ementa: Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 102/2019, de autoria da Deputada Juntas.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 000102/2019 passa a ter a seguinte redação:
“Ementa: Veda à Administração Pública Estadual fazer qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao Golpe Militar que sofreu o Brasil em 1964 e ao período de ditadura subsequente ao golpe, altera a Lei nº 15.769, de 5 de abril de 2016, que proíbe, no âmbito da Administração Pública do Estado de Pernambuco, a concessão de homenagens a pessoas que tenham sido condenadas por atos de improbidade administrativa ou corrupção e dá outras providências, de autoria do Deputado Beto Accioly, para incluir a proibição de homenagens a pessoas que tenham praticado violações de direitos humanos durante o período da ditadura militar, e dá outras providências.
Art. 1º É vedado à Administração Pública Estadual fazer qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao Golpe Militar que sofreu o Brasil em 1964 e ao período de ditadura subsequente ao golpe.
Parágrafo único. Inclui-se na vedação disposta no caput a atribuição de nome de pessoa que conste no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, de que trata a Lei Federal nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, como responsável por violações de direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições públicas e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta.
Art. 2º Fica vedado o uso de bens ou recursos públicos de qualquer natureza em eventos oficiais ou privados em comemoração ou exaltação ao golpe militar de 1964 e às pessoas que constem no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, de que trata a Lei Federal nº 12.528, de 2011, como responsável por violações de direitos humanos.
Art. 3° A Ementa da Lei nº 15.769, de 5 de abril de 2016, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Proíbe, no âmbito da Administração Pública do Estado de Pernambuco, a concessão de homenagens a pessoas que tenham sido condenadas por atos de improbidade administrativa ou corrupção, ou que tenham praticado atos de lesa-humanidade, tortura, exploração do trabalho escravo ou infantil, violação dos direitos humanos ou maus tratos aos animais, e dá outras providências.” (NR)
Art. 4º O art. 2º da Lei nº 15.769, de 2016, passa a vigorar acrescido do parágrafo único, com a seguinte redação:
“Art. 2º................................................................................
...........................................................................................
Parágrafo único. A proibição referente às pessoas que tenham praticado violação dos direitos humanos aplica-se, inclusive, aos atos ocorridos durante a Ditadura Militar, assim reconhecidos no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade de que trata a Lei Federal nº 12.528, de 18 de novembro de 2011. (AC)”
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Tecidas as considerações pertinentes, o parecer do Relator é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 102/2019, de iniciativa da Deputada Juntas, nos termos do Substitutivo apresentado.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 102/2019, de autoria da Deputada Juntas, conforme Substitutivo deste Colegiado.
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