
Parecer 154/2023
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 272/2023
AUTORIA: DEPUTADO ROMERO SALES FILHO
PROPOSIÇÃO QUE ALTERA A LEI Nº 11.206, DE 31 DE MARÇO DE 1995, QUE DISPÕE SOBRE A POLÍTICA FLORESTAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS, A FIM DE DISPOR SOBRE DIRETRIZES PARA PROTEÇÃO DOS ECOSSISTEMAS DE MANGUEZAIS. VIABILIDADE DA INICIATIVA PARLAMENTAR. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA MATERIAL E LEGISLATIVA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA DISPOR SOBRE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE (ARTS. 23, INCISOS VI E VII, E 24, INCISOS VI e VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PENAL (ART. 22, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). COMPATIBILIDADE MATERIAL COM O DISPOSTO NO ART. 225, INCISOS I, III E VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE OU DE ILEGALIDADE. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO E CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DA PROPOSIÇÃO PRINCIPAL.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 272/2023, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, que altera a Lei nº 11.206, de 31 de março de 1995, que dispõe sobre política florestal do Estado de Pernambuco, e dá outras providências, a fim de dispor sobre diretrizes para proteção dos ecossistemas de manguezais.
Em síntese, a proposição institui a proteção ao ecossistema de manguezais mediante a proibição de lançamento de efluentes, deposição de resíduos sólidos, lançamento ou deposição de substâncias tóxicas, exploração da fauna sem autorização de órgão competente e derramamento de óleos ou substâncias que possam prejudicar o manguezal. Além disso, o projeto de lei prevê que os responsáveis por danos aos manguezais responderão por crimes ambientais, de acordo com a Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Por fim, a proposta permite a exploração das áreas dos manguezais com o fim de: promover e apoiar pesquisas científicas; incentivar atividades de turismo ecológico; promover atividades de educação ambiental; proteger remanescentes com área suficiente para manutenção de unidades ecológicas e populações viáveis da flora e da fauna e promover o manejo adequado dos recursos naturais.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, inciso III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição em análise encontra guarida no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de assuntos cuja deflagração do processo legislativo compete privativamente ao Governador do Estado. Infere-se, portanto, quanto à iniciativa, sua constitucionalidade formal subjetiva.
Ademais, a matéria versada no Projeto de Lei Ordinária nº 272/2023 insere-se, a priori, no âmbito da competência material e legislativa dos Estados-membros e do Distrito Federal para estabelecer normas relativas à proteção da natureza e preservação da fauna, conforme dispõem os arts. 23, incisos VI e VII, e 24, incisos VI e VIII, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
[...]
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
A propósito, cumpre destacar que, em sede de concorrência legislativa, o exercício da atividade legislativa estadual é possível desde que não afronte eventuais normas gerais editadas pela União e tenha por finalidade a complementação ou suplementação de lacunas, sem corresponder à generalidade (ADI nº 2396, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 26/09/2001, publicado no DJ de 14.12.2001, p. 23).
Firmadas essas premissas, verifica-se que o conteúdo da proposta em apreço confere, em alguns aspectos, tratamento distinto das normas contidas no chamado “Novo Código Florestal” (Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012). Por conseguinte, o texto da proposição ora analisada deve ser modificado com a finalidade de: 1) adequar os conceitos de manguezal e de apicum ao constante no art. 3º, incisos XIII e XV, da Lei Federal nº 12.651/2012; 2) deixar expressa a possibilidade de intervenção, ocupação ou exploração das áreas de manguezais e apicuns na forma autorizada pelos arts. 8º e 11-A da Lei Federal nº 12.651/2012.
Por outro lado, o projeto de lei também se diferencia da legislação federal ao promover uma tutela ambiental mais ampla e efetiva em favor dos ecossistemas dos manguezais. Ocorre que, em se tratando de normais mais protetivas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a legitimidade de exercício do poder legiferante pelos entes subnacionais em matéria ambiental. Nesse sentido:
Ementa: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI ESTADUAL 289/2015 DO ESTADO DO AMAZONAS. PROIBIÇÃO DO USO DE ANIMAIS PARA O DESENVOLVIMENTO, EXPERIMENTOS E TESTES DE PRODUTOS COSMÉTICOS, DE HIGIENE PESSOAL, PERFUMES E SEUS COMPONENTES. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DO ESTADO EM MATÉRIA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (ART. 24, VI, CF). NORMA ESTADUAL AMBIENTAL MAIS PROTETIVA, SE COMPARADA COM A LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE A MATÉRIA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 3. A Lei 289/2015 do Estado do Amazonas, ao proibir a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e seus componentes, não invade a competência da União para legislar sobre normas gerais em relação à proteção da fauna. Competência legislativa concorrente dos Estados (art. 24, VI, da CF). 4. A sobreposição de opções políticas por graus variáveis de proteção ambiental constitui circunstância própria do estabelecimento de competência concorrente sobre a matéria. Em linha de princípio, admite-se que os Estados editem normas mais protetivas ao meio ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu interesse, conforme o caso. Precedentes. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada improcedente.
(ADI 5996, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 29-04-2020 PUBLIC 30-04-2020)
Logo, de uma forma geral, resta afirmada a constitucionalidade formal do Projeto de Lei Ordinária nº 272/2023.
Nada obstante, especificamente quanto à previsão de responsabilidade criminal por danos aos manguezais (art. 10-C acrescido), entende-se que o referido dispositivo institui novos tipos penais no ordenamento jurídico. Assim, neste particular, configura-se a usurpação à competência privativa da União para legislar sobre direito penal (art. 22, inciso I, da Constituição Federal).
Por fim, sob o aspecto material, a presente proposta revela-se compatível com preceitos consagrados na Constituição Federal de 1988, em especial com o dever imposto ao Poder Público de efetivar a proteção do meio ambiente, conforme preconiza o art. 225, § 1º, incisos I, III e VII, da Constituição:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
[...]
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
[...]
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Com efeito, consoante já afirmado, a medida legislativa amplia a proteção ao ecossistema de manguezais, suprindo lacunas existentes na legislação ambiental federal. De acordo com ALBUQUERQUE et al. (2015), embora integrem o mesmo ecossistema, a Lei Federal nº 12.651/2012 distingue o tratamento do mangue propriamente dito – considerado área de preservação permanente em toda sua extensão – daquele conferido aos salgados e apicuns – onde é permitido o de uso ecologicamente sustentável:
Embora os manguezais e suas feições correlatas e interdependentes se caracterizem pela dinâmica intensa e pelo estreito inter-relacionamento, a atual legislação ambiental brasileira no âmbito federal parece não entender ou desconsiderar a relevância de tais características.
A Lei Federal nº 12.651/2012 – Código Florestal Brasileiro vigente (BRASIL, 2012a) – em seu art. 4º, inciso VI, apresenta como Áreas de Preservação Permanente (APPs) as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de manguezais, em que se entende que há a proteção da vegetação associada, mas sem a proteção explícita das demais feições naturais ocorrentes no ecossistema manguezal.
Todavia, no inciso seguinte do referido artigo, considera-se como APPs “os manguezais, em toda a sua extensão”. Conceitualmente, a referida Lei apresenta o manguezal como uma feição separada dos salgados e apicuns, inclusive, propondo em um capítulo acrescentado posteriormente à sua promulgação pela Medida Provisória nº 571, de 25/5/2012, e estabelecido pela Lei Federal nº 12.727/2012 (BRASIL, 2012b), capítulo este, denominado de Uso ecologicamente sustentável dos apicuns e salgados em atividades de carcinicultura e salinas.
O apicum, por exemplo, de acordo com sua gênese, é uma das feições do manguezal. E o fato deveria ser considerado na aplicação da legislação, uma vez que, conforme observado acima, em importantes documentos legais já se encontra a expressão “manguezal, em toda a sua extensão”, reconhecendo os diferentes compartimentos como parte do ecossistema (SCHAEFFER-NOVELLI, 2002).
Dessa forma, o atual Código Florestal apresenta o manguezal como uma feição separada dos salgados e apicuns, caracterizando a vegetação de mangue como APP e as demais feições, inclusive, como sendo passíveis de um “uso ecologicamente sustentável”. (ALBUQUERQUE, A. et al. A proteção dos ecossistemas de manguezal pela legislação ambiental brasileira. I: GEOgraphia, Ano 17, nº 33, 2015, p. 126-153)
Logo, as alterações previstas no Projeto de Lei Ordinária nº 272/2023 não apresentam vícios que possam comprometer sua validade, mesmo porque os comandos permissivos e proibitivos nele vertidos coadunam-se com a utilização sustentável dos ecossistemas de manguezais.
Entretanto, é necessária a modificação da proposição principal a fim de adequá-la às regras de técnica legislativa e de ajustá-la às conclusões apresentadas neste parecer. Dessa forma, propõe-se a aprovação do seguinte substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº ___/2023, AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 272/2023
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 272/2023.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 272/2023 passa a ter a seguinte redação:
“Altera a Lei nº 11.206, de 31 de março de 1995, que dispõe sobre a política florestal do Estado de Pernambuco, e dá outras providências, a fim de dispor sobre a proteção dos ecossistemas de manguezais.
Art. 1º A Lei nº 11.206, de 31 de março de 1995, passa a vigorar acrescida do art. 10-A, com a seguinte redação:
‘Art. 10-A. Os ecossistemas de manguezais, constituídos por manguezais, salgados e apicuns, ficam protegidos pelas medidas previstas neste artigo. (AC)
§ 1º Para fins do disposto no caput, entende-se por: (AC)
I - manguezais: ecossistemas litorâneos que ocorrem em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formados por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência fluviomarinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira; (AC)
II - salgados: áreas situadas em regiões com frequências de inundações intermediárias entre marés de sizígias e de quadratura, com solos cuja salinidade varia entre 100 (cem) e 150 (cento e cinquenta) partes por 1.000 (mil), onde pode ocorrer a presença de vegetação herbácea específica; e (AC)
III - apicuns: áreas de solos hipersalinos situadas nas regiões entremarés superiores, inundadas apenas pelas marés de sizígias, que apresentam salinidade superior a 150 (cento e cinquenta) partes por 1.000 (mil), desprovidas de vegetação vascular. (AC)
§ 2º Ficam proibidos nos ecossistemas de manguezais: (AC)
I - o lançamento de efluentes; (AC)
II - a deposição de resíduos sólidos; (AC)
III - o lançamento ou deposição de substâncias tóxicas; (AC)
IV - a exploração da fauna sem autorização de órgão competente;
a) a proibição da exploração da fauna sem autorização dependerá de expedição, pelo órgão competente, de regulamentação que contenha os seguintes aspectos, dentre outros:
- período de proibição;
- espécies proibidas; e
- formas de extração.
V - o derramamento de óleos ou substâncias tóxicas em sistemas hídricos, de água salgada ou doce, que possam atingir e prejudicar o manguezal. (AC)
§ 3º Além do disposto no § 2º do art. 8º e no art. 11-A da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, fica permitida a exploração das áreas estabelecidas no caput, desde que destinada a: (AC)
I - promover e apoiar o desenvolvimento de pesquisas científicas; (AC)
II - incentivar atividades de turismo ecológico; (AC)
III - promover e apoiar atividades de educação ambiental; (AC)
IV - proteger remanescentes com área suficiente para manutenção de unidades ecológicas e populações viáveis de muitas espécies da flora e da fauna; e (AC)
V - promover o manejo adequado dos recursos naturais, com a garantia da qualidade e perpetuação.’ (AC)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Diante do exposto, opino pela aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei Ordinária nº 272/2023, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei Ordinária nº 272/2023, de autoria do Deputado Romero Sales Filho, e consequente prejudicialidade da Proposição Principal.
Histórico