
Parecer 33/2023
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 48/2023
AUTORIA: DEPUTADO JOÃO PAULO COSTA
PROPOSIÇÃO QUE ESTABELECE, PARA AS CONCESSIONÁRIAS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA, A OBRIGATORIEDADE DE VEICULAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE A QUANTIDADE DE NITRATO PRESENTE NA ÁGUA. viabilidade da iniciativa parlamentar. matéria inserta na competência MATERIAL E LEGISLATIVA dos ESTADOS-MEMBROS para DISPOR sobre proteção e defesa da saúde (artS. 23, INCISO ii, E 24, inciso xii, da Constituição Federal) e produção e consumo (art. 24, V, CF/88). medida que não configura ingerência nas condições previstas em contratos de concessão de serviços públicos. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. inexistência de vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade. PELA APROVAÇÃO DO SUBSTITUTIVO DESTE COLEGIADO E CONSEQUENTE PREJUDICIALIDADE DO PROJETO DA PROPOSIÇÃO PRINCIPAL.
1. RELATÓRIO
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 48/2023, de autoria do Deputado João Paulo Costa, que dispõe sobre a obrigatoriedade de transparência acerca da quantidade de Nitrato presente na água potável ofertada no Estado de Pernambuco.
A proposição, nos termos da justificativa, tem claro objetivo de proteger a saúde da população, conforme se observa:
[...]
O Nitrato (NO3) é a composição de Nitrogênio e Oxigênio, sendo que a alta concentração na água potável é perigosa para a saúde, uma vez que a substância pode ser considerada como um fator de risco para o desenvolvimento de alguns tipos de câncer.
Além disso, outros efeitos negativos têm sido relacionados com este composto, como o comprometimento do controle de pressão e fluxo sanguíneo, problemas na manutenção do tônus em vasos sanguíneos, inibição de adesão e agregação plaquetária, e alterações na modulação da atividade mitocondrial.
De acordo com a Portaria nº 2.914, de Dezembro de 2011, expedida pelo Ministério da Saúde, o nível máximo permitido para este contaminante na água potável é de 10 mg/l.
Assim, considerando a necessidade de controle sobre a quantidade de Nitrato presente na água potável, é imprescindível que as empresas, autarquias e demais prestadoras do serviço de tratamento e abastecimento sejam obrigadas a dar publicidade os valores medidos, a fim de possibilitar aos consumidores ter conhecimento sobre a qualidade da água que está sendo ofertada.
A longo prazo, o consumo de água contaminada com níveis de Nitrato acima do permitido pode gerar prejuízos sérios à saúde, fazendo-se indispensável a devida publicidade sobre a presença do composto.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 253, inciso III, do Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 223, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
Sob o aspecto da constitucionalidade formal, verifica-se que a matéria versada no Projeto de Lei nº 48/2023 não se encontra no rol de assuntos reservados à iniciativa do Governador do Estado ou de outros órgãos/autoridades estaduais (arts. 19, § 1º; 20; 45; 68, parágrafo único, e 73-A, todos da Constituição Estadual). Logo, revela-se viável a deflagração do processo legislativo pela via parlamentar.
No que tange à possibilidade de exercício da competência legislativa em âmbito estadual, depreende-se que a proposta está voltada para proteção da saúde da população, de modo que a medida tem amparo nos arts. 23, inciso II, e 24, inciso XII, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
Registre-se, ainda, que a matéria em tela também está inserida na competência legislativa estadual para dispor concorrentemente sobre produção e consumo, consoante o inciso V, do artigo 24, da Constituição Federal; e, igualmente, conforme o inciso VIII, do mesmo artigo acima referido, cabe aos Estados legislar sobre assuntos referentes à responsabilidade por danos causados ao consumidor. Através da dicção do art. 170 tem-se, ainda, que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados o princípio da defesa do consumidor.
Ademais, o art. 143 da Constituição Estadual preceitua que cabe ao Estado promover a defesa do consumidor, mediante: política governamental de acesso ao consumo e de promoção dos interesses e direitos dos consumidores, legislação suplementar específica sobre produção e consumo, entre outras formas.
O Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), instrumento normativo que protege a dignidade, a saúde, a segurança dos consumidores, dispõe sobre os direitos básicos destes em seu art. 6º, como o direito “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem.” Por sua vez, o art. 31 do CDC estabelece que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.
Cumpre destacar que a obrigação em apreço, ainda que destinada a concessionárias que atuam no abastecimento de água, não caracteriza ingerência nas condições estipuladas pelos Municípios nos respectivos contratos de concessão de serviços públicos. Com efeito, trata-se de norma que, de forma suplementar, impõe um dever de divulgação de ações de interesse público, sem se imiscuir em aspectos relacionados ao núcleo de obrigações contratualmente assumidas e sem interferir no equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.
Acerca do tema, a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal - STF passou a reconhecer maior autonomia aos Estados-membros para a edição de leis que, embora relacionadas à concessão de serviços públicos de titularidade de outros entes federativos, visam precipuamente à proteção do consumidor. Nesse sentido:
"EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.244/2017 do Estado de Tocantins (art. 1º). Fixação de datas e horários para a suspensão do fornecimento de energia elétrica e água tratada por falta de pagamento. Ilegitimidade ativa da autora (Abradee) quanto à prestação dos serviços de água. Usurpação da competência privativa da união para legislar sobre serviços de energia elétrica (CF, arts. 21, XII, b, 22, IV, 24, VIII, 37, XXI, e 175, caput e parágrafo único, I e II). Violação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Indevida intervenção legislativa estadual em aspectos dos serviços de energia elétrica regulados, de modo exauriente, nas normas regulamentares da Aneel. Precedentes. 1. A missão institucional da ABRADEE restringe-se à tutela dos interesses das empresas atuantes no setor de energia elétrica, motivo pelo qual não configurado o necessário vínculo de pertinência temática entre os objetivos estatutários da entidade associativa autora e o conteúdo da norma impugnada na parte referente ao fornecimento de serviços de água à população local. 2. As normas regulamentadoras da prestação dos serviços de energia elétrica expedidas pela ANEEL já disciplinam, de maneira expressa e exauriente, a mesma matéria objeto da lei estadual impugnada, definindo os dias e horários apropriados à realização da suspensão do serviço ao usuário inadimplente (apenas nos dias úteis, das 08h às 18h), além de assegurarem amplo rol de garantias ao consumidor não previstas na legislação do Estado de Tocantins, circunstancia apta a afastar a atuação suplementar dos Estados-membros no matéria. Precedentes. 3. Segundo a jurisprudência reiterada desta Suprema Corte, revela-se inconstitucional, por invadir a competência privativa da União para definir o regime tarifário da exploração do serviço público de energia elétrica, a lei estadual cujos efeitos não se esgotam na relação entre o consumidor-usuário e o fornecedor-prestador, interferindo na relação jurídica existente entre esses dois atores e o Poder Concedente, titular do serviço (arts. 21, XI, 22, IV, e 175, parágrafo único, da Constituição da República). Precedentes. 4. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, nessa parte, pedido julgado procedente. (ADI 5798, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Julgamento: 04/11/2021,Publicação: 17/11/2021)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 7.574/2017 DO RIO DE JANEIRO. OBRIGAÇÃO IMPOSTA A EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE TELEFONIA E INTERNET. OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADES DECORRENTES DO SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES. RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE. ARTIGO 24, V e VIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. Repartir competências compreende compatibilizar interesses para reforçar o federalismo em uma dimensão realmente cooperativa e difusa, rechaçando-se a centralização em um ou outro ente e corroborando para que o funcionamento harmônico das competências legislativas e executivas otimizem os fundamentos (art. 1º) e objetivos (art. 3º) da Constituição da República. 2. Legislação que impõe obrigação de informar o consumidor acerca da identidade de funcionários que prestarão serviços de telecomunicações e internet, em sua residência ou sede, constitui norma reguladora de obrigações e responsabilidades referentes a relação de consumo, inserindo-se na competência concorrente do artigo 24, V e VIII, da Constituição da República. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
(ADI 5745, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 07/02/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 13-09-2019 PUBLIC 16-09-2019)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI ESTADUAL 7.620/2017 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA NO ATENDIMENTO EM LOJA DE OPERADORA DE TELEFONIA. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. FORTALECIMENTO DO FEDERALISMO CENTRÍFUGO. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ESTADOS (CF, ART. 24, V). IMPROCEDÊNCIA. 1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 3. Entendimento recente desta SUPREMA CORTE no sentido de conferir uma maior ênfase na competência legislativa concorrente dos Estados quando o assunto gira em torno da defesa do consumidor. Cite-se, por exemplo, a ADI 5.745 (Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Red. p/ acórdão: Min. EDSON FACHIN, julgado em 7/2/2019). 4. A Lei estadual 7.620/2017, ao estabelecer tempo máximo de espera para atendimento de consumidor em loja de operadora de telefonia, não tratou diretamente de legislar sobre telecomunicações, mas sim de direito do consumidor. Isso porque o fato de regulamentar o tempo de espera para atendimento não diz respeito à matéria específica de contrato de telecomunicação, tendo em vista que tal serviço não se enquadra em nenhuma atividade de telecomunicações definida pelas Leis 4.117/1962 e 9.472/1997. 5. Trata-se, portanto, de norma sobre direito do consumidor que admite regulamentação concorrente pelos Estados-Membros, nos termos do art. 24, V, da Constituição Federal. 6. Ação Direta julgada improcedente.
(ADI 5833, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 06-09-2019 PUBLIC 09-09-2019)
De acordo com os precedentes transcritos, é possível concluir que a interpretação adotada por aquela Corte defere maior espaço ao exercício da competência concorrente pelos Estados, valorizando o chamado federalismo cooperativo. Nesse contexto, embora o assunto contido no Projeto de Lei nº 48/2023 não se qualifique como matéria típica de tutela do consumidor – na linha da recente jurisprudência do STF –, entende-se viável transpor o referido entendimento para outras hipóteses de atuação legislativa previstas no art. 24 da Constituição Federal.
Isto posto, considerando a inexistência de intervenção na prestação do serviço público propriamente dito, e com fundamento no art. 24, inciso XII, da Constituição Federal, não se cogita de inconstitucionalidade formal orgânica no caso da proposição ora examinada.
Portanto, inexistem vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que possam comprometer a validade de proposição ora examinada.
No entanto, são necessárias algumas modificações no texto do Projeto de Lei com o intuito de adequá-lo às regras de técnica legislativa. Dessa forma, propõe-se a aprovação do seguinte substitutivo:
SUBSTITUTIVO Nº ___/2023
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 48/2023
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 48/2023.
Artigo Único. O Projeto de Lei Ordinária nº 48/2023 passa a ter a seguinte redação:
“Obriga as concessionárias de serviço público de abastecimento de água potável a divulgarem informações sobre a quantidade de Nitrato presente na água potável, no âmbito do Estado de Pernambuco.
Art. 1º As concessionárias dos serviços públicos de abastecimento de água potável ficam obrigadas a divulgar a quantidade de Nitrato presente na água potável disponibilizada aos consumidores, no âmbito do Estado de Pernambuco.
Parágrafo único. A divulgação da quantidade de Nitrato presente na água potável deverá ocorrer mensalmente pela internet, no site da concessionária do serviço público de abastecimento de água potável.
Art. 2º O descumprimento ao disposto nesta Lei sujeitará a concessionária às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras previstas na legislação vigente:
I - advertência, quando da primeira autuação de infração; ou
II - multa, a ser fixada entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), considerados o porte do empreendimento e as circunstâncias da infração, a partir da primeira reincidência.
§ 1º Em caso de reincidência, o valor da penalidade de multa será aplicado em dobro.
§ 2º A multa prevista no inciso II será atualizada anualmente pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo-IPCA, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, acumulada no exercício anterior, sendo que, no caso de extinção deste índice, será adotado outro índice criado por legislação federal e que reflita a perda do poder aquisitivo da moeda.
Art. 3º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial.”
Feitas essas considerações, opina-se, nos termos do art. 214, II, (R.I.), pela aprovação do Substitutivo apresentado pelo relator e pela prejudicialidade da proposição principal.
É o Parecer do Relator.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Diante do exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, é pela aprovação do Substitutivo apresentado pelo relator e pela prejudicialidade da proposição principal.
Histórico