
Parecer 10935/2023
Texto Completo
Emenda Modificativa nº 06/2023, de autoria do Deputado Pastor Cleiton Collins, ao Projeto de Lei Ordinária nº 3841/2023, de autoria da Governadora do Estado.
PROPOSIÇÃO PRINCIPAL QUE DISPÕE SOBRE A ESTRUTURA E O FUNCIONAMENTO DO PODER EXECUTIVO DO ESTADO DE PERNAMBUCO. PROPOSIÇÃO ACESSÓRIA QUE ALTERA INCISO DO PROJETO DE LEI ORIGINAL, COM A FINALIDADE DE CRIAR NOVAS ATRIBUIÇÕES E REORGANIZAR A ESTRUTURA DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE CRIAÇÃO DE DESPESAS COMO LIMITE AO PODER DE EMENDAS PARLAMENTARES A PROJETOS DE LEI DE INICIATIVA PRIVATIVA DOS OUTROS PODERES. RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO. PROPOSIÇÕES ACESSÓRIAS QUE INOBSERVAM TAIS RESERVAS. EMENDA 06 QUE CONTRARIA O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL. VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE. PELA REJEIÇÃO.
1. Relatório
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, a Emenda Modificativa nº 06/2023, de autoria do Deputado Pastor Cleiton Collins, visando alterar o Projeto de Lei Ordinária nº 3841/2023, de autoria da Governadora do Estado, que visa dispor sobre a estrutura e o funcionamento do Poder Executivo do Estado de Pernambuco.
Uma vez que o projeto de lei principal tramita em regime de urgência, a emenda deve acompanhar o mesmo rito de tramitação, nos termos do artigo 223, parágrafo único do RIALEPE.
2. Parecer do Relator
A proposição vem arrimada no art. 204 do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
A Emenda ora analisada pretende alterar o texto do PLO 3841/2023, de autoria da Governadora do Estado, que pretende, por sua vez, realizar um novo desenho institucional da Administração Pública pernambucana, construindo os meios necessários para executar as ações por ela almejadas. Quanto à iniciativa da proposição principal, não resta dúvida que se trata de iniciativa privativa da chefe do Poder Executivo, nos termos da Constituição Federal:
“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
[...]
II - disponham sobre:
[...]
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;
...............................................................................................................................
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VI - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”
Tais preceitos, por simetria, são aplicados ao âmbito dos Estados e Municípios. Ademais, a própria Constituição Estadual trata o tema da seguinte maneira:
“Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça, ao Defensor Público-Geral do Estado e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.
§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:
[...]
II - criação e extinção de cargos, funções, empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional, ou aumento de despesa pública, no âmbito do Poder Executivo;
[...]
VI - criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado, de órgãos e de entidades da administração pública.”
Desta forma, cumpre analisar se há possibilidade de, em projetos de iniciativa reservada a outro Poder, os parlamentares apresentarem emendas e demais proposições acessórias. De acordo com o STF tal possibilidade existe, devendo, no entanto, observar alguns requisitos. São eles:
“As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações:
a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e
b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do presidente da República, ressalvado o disposto no § 3º e no § 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). [ADI 3.114, rel. min. Ayres Britto, j. 24-8-2005, P, DJ de 7-4-2006.] = ADI 2.583, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º-8-2011, P, DJE de 26-8-2011
O poder de emendar – que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis – qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em numerus clausus, pela CF. A CF de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 – RTJ 33/107 – RTJ 34/6 – RTJ 40/348), que suprimiria, caso ainda prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar – que é inerente à atividade legislativa –, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência ("afinidade lógica") com o objeto da proposição legislativa. [ADI 2.681 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 11-9-2002, P, DJE de 25-10-2013.]”
Neste diapasão, uma vez identificados os limites impostos ao exercício do direito dos parlamentares de emendar projetos de iniciativa reservada aos outros poderes, devemos passar, agora, à análise da compatibilidade, ou não, da Emenda sob exame com os limites impostos pelo texto constitucional e pela jurisprudência do STF.
Em relação à Emenda 06 é fácil de se identificar a criação de novas atribuições a órgãos do Governo do Estado, de forma que entendemos inegável a criação de novas despesas. Ora, é sabido que qualquer nova atribuição ou direito previsto em lei demanda prévia dotação orçamentária para sua execução. Desta forma, há nítido óbice à aprovação de tais emendas, tendo em vista os precedentes do STF supracitados.
Outrossim, além de incorrer no vício citado acima, já que cria nova Secretaria com previsão de atribuições a serem por ela exercidas, também incorre em flagrante inconstitucionalidade material, já que suprime a menção à comunidade LGBTQIAP+ dentre os grupos com atenção especial no combate à vulnerabilidade social. Tal supressão encontra óbice nos seguintes dispositivos constitucionais:
“3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
[...]
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Ademais, também pode ser citado, no caso, o Princípio da Proibição ao Retrocesso, já reconhecido pelo STF e STJ e que assim dispõe:
“Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso , que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica )
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais, impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos, degradados ou suprimidos. Lapidar , sob todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição , a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/321, item n. 3, 1998, Almedina): “O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social . A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. (ADI 2.096/DF, Julgada em 13/10/2020, Plenário do STF, Relator Ministro Celso de Mello)
Dessa forma, considerando todo o exposto, opino no sentido de que o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça seja pela rejeição da Emenda Modificativa nº 06/2023, de autoria do Deputado Pastor Cleiton Collins, ao Projeto de Lei Ordinária nº 3841/2023, de autoria da Governadora do Estado.
3. Conclusão da Comissão
Ante o exposto, tendo em vistas as considerações expendidas pelo relator, opinamos pela rejeição da Emenda Modificativa nº 06/2023, de autoria do Deputado Pastor Cleiton Collins, ao Projeto de Lei Ordinária nº 3841/2023, de autoria da Governadora do Estado.
Histórico