
Parecer 162/2019
Texto Completo
PARECER
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 30/2019
AUTORIA: DEPUTADA ALESSANDRA VIEIRA
PROPOSIÇÃO QUE DETERMINA A PRIORIDADE NO ATENDIMENTO E A GRATUIDADE NA EMISSÃO DOS DOCUMENTOS QUE INDICA PARA AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE RISCO, DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, DE VIOLÊNCIA FAMILIAR E OCORRÊNCIAS SEMELHANTES. GRATUIDADE DE TAXA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO GOVERNADOR. AFRONTA AO ART. 19, §1º, I, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. PRIORIDADE DE ATENDIMENTO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA REMANESCENTE DOS ESTADOS MEMBROS (ART. 25, §1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). EFETIVIDADE AO COMANDO CONSTITUCIONAL (ASSISTÊNCIA À MULHER, ART. 226, § 8º, CF/88) E AO PRECEITO GARANTIDOR DA LEI FEDERAL 13.340/2006 - MARIA DA PENHA (ART. 3º). PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO DESTE COLEGIADO.
1. RELATÓRIO
É submetido à apreciação desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça o Projeto de Lei Ordinária nº 30/2019, de autoria da Deputada Alessandra Vieira, que assegura a gratuidade e a prioridade no atendimento para fins de emissão de carteira de identidade, carteira de trabalho, documentos de identificação, cadastros oficiais, PIS ou PASEP para mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
O Projeto de Lei em referência tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (Art. 223, III, Regimento Interno).
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
De início, no que tange à concessão de gratuidade para emissão de documentos para as mulheres vítimas de violência doméstica, impende salientar que os serviços de emissão de segunda via de documentos prestados pelo estado, em virtude de suas características e peculiaridades, se encaixam perfeitamente na noção de fato gerador estabelecido pelo Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) para o tributo da espécie taxa, in verbis:
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Da leitura do dispositivo, é possível depreender que os valores objeto da isenção pretendida configuram uma taxa de prestação de serviço, de natureza tributária, portanto.
Atualmente, aliás, a cobrança das taxas para emissão de segunda via de Carteira de Identidade, de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV), por exemplo, está prevista no Anexo da Lei Estadual nº 7.550, de 20 de dezembro de 1977, que regula a TFUSP – Taxa de Fiscalização e Utilização de Serviços Públicos no Estado de Pernambuco:
TAXAS DE FISCALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS (TFUSP) DE COMPETÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL E DA POLÍCIA CIENTÍFICA DA SECRETARIA DE DEFESA SOCIAL
Códigos/Fato Gerador
2.1/INSTITUTO DE IDENTIFICAÇÃO TAVARES BURIL - IITB:
2.1.1/2ª via da Carteira de Identidade...................................................14,10
TABELA DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS – TFUSP/COMPETÊNCIA DETRAN/PE ANO 2016
6.1.2.31 Segunda via da permissão ou CNH ....................................... 82,84
6.1.1.26 Segunda via do CRLV ............................................................ 57,66
Inclusive, a Lei Estadual em referência especifica, em seu art. 3º, e de modo taxativo, os casos em que é cabível a concessão de isenção do pagamento da TFUSP, estando prevista a hipótese de emissão gratuita de segunda via da carteira de identidade apenas quando emitida pelo Tribunal de Justiça, através do Programa Balcão do Judiciário.
Seguindo essa linha de intelecção, haja vista que o projeto de lei detém natureza tributária, na medida em que estabelece uma nova hipótese de isenção para a TFUSP, nota-se clara afronta ao inciso I, do §1º, do art. 19, da Constituição Estadual:
Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça, ao Defensor Público-Geral do Estado e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.
§ 1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:
I - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento e matéria tributária;
Consoante se observa, é da competência privativa do Governador a iniciativa de projetos de lei que disponham sobre matéria tributária. Sendo assim, a parte da proposição que trata da concessão de gratuidade da taxa para emissão de documentos não deve prosperar, pois carrega vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, por ofensa às regras de iniciativa.
No que concerne à concessão de prioridade de atendimento, a proposição encontra fundamento no art. 19, caput, da Constituição do Estado, e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Casa, uma vez que o Deputado Estadual detém competência legislativa para apresentar projetos de leis ordinárias quando não constar do rol de matérias afetas à iniciativa privativa do Governador.
A matéria se insere na competência legislativa dos estados-membros, conforme art. 25, § 1º, da Constituição da República:
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
Competência remanescente significa tudo que sobra, o restante. É aquela em que a Constituição Federal ficou silente, não atribuiu a ninguém. Assim, quando não atribuída a outros entes e não contraria a própria Carta Magna a competência de determinado assunto, esta competência deve ser exercida pelo ESTADO.
Neste sentido, nos ensina o constitucionalista José Afonso da Silva:
“Quanto à forma (ou o processo de sua distribuição), a competência será: (b) (...); (b) reservada ou remanescente e residual, a que compreende toda matéria não expressamente incluída numa enumeração, reputando-se sinônimas as expressões reservada e remanescente com o significado de competência que sobra a uma entidade após a enumeração da competência da outra (art.25, §1º: cabem aos Estados às competências não vedadas pela Constituição)”. (Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 38ª ed., 2015, p.484).
Assim, uma vez que o conteúdo exposto na proposição não se encontra no rol de competências da União ou dos Municípios, forçoso considerá-la inserta na competência remanescente dos Estados, nos termos art. 25, §1º, da Constituição Federal.
Por sua vez, é cediço que compete ao Estado, com absoluta prioridade, assegurar “a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, nos termos do art. 226, § 8º, da Constituição da República.
Para fins de cumprimento deste relevante papel, o art. 3º, da Lei Maria da Penha – 13.340/2006, estabeleceu que serão “asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. Mais na frente, o mesmo dispositivo ressalta, em seu § 2º, o importante papel do Estado ao determinar que cabe “à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput”.
Com efeito, apresenta-se o Projeto de Lei como futura norma suplementar à Legislação Federal nº 13.240/2006 (Lei Maria da Penha), que incentiva celeridade quando da emissão da carteira de identidade e da CTPS, documentos fundamentais para o efetivo exercício dos direitos, tais como: segurança, educação, moradia, acesso à justiça e ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Por outro lado, os documentos também são úteis em caso de necessidade de deslocamento para outra cidade ou Estado, muitas vezes necessário para deixar a mulher a salvo de nova violência doméstica ou familiar.
Entretanto, a emissão de alguns dos documentos elencados no PLO são de responsabilidade de órgãos ligados à União, a exemplo do CPF que é emitido pela Receita Federal, vinculada ao Ministério da Fazenda; do PASEP, cuja administração compete ao Banco do Brasil e do PIS que é administrado pela Caixa Econômica Federal. Desse modo, não cabe aos estados membros legislar sobre normas referentes ao procedimento de atendimento para emissão de tais documentos, sob pena de afronta à autonomia dos entes federativos.
Diante de tais considerações, mostra-se necessária a modificação do PLO em apreço, visando adequá-lo ao ordenamento jurídico pátrio, através da aprovação de Substitutivo, nos seguintes termos:
SUBSTITUTIVO N° /2019
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 30/2019
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 30/2019, de autoria da Deputada Alessandra Vieira.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 30/2019 passa a ter a seguinte redação:
“Assegura, nos órgãos estaduais, no âmbito do Estado de Pernambuco, a prioridade de atendimento para emissão de Carteira de Identidade e Carteira de Trabalho (CTPS) às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
Art. 1º É assegurada, nos órgãos estaduais, no âmbito do Estado de Pernambuco, a prioridade de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar para fins de emissão de Carteira de Identidade e Carteira de Trabalho (CTPS), independente de marcação prévia.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, bem como dano moral ou patrimonial.
Art. 2º A prioridade de atendimento se dará mediante a apresentação de um dos seguintes documentos:
I - termo de encaminhamento de unidade da rede estadual de proteção e atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar;
II - cópia do Boletim de Ocorrência emitido por órgão competente, preferencialmente, pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher; ou
III - termo de Medida Protetiva expedida pelo Juiz da Comarca.
Art. 3º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 4º Esta Lei estra em vigor na data de sua publicação.”
Feitas essas considerações, opina o relator no sentido da aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 30/2019, de autoria da Deputada Alessandra Vieira, nos termos nos Substitutivo acima apresentado.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 30/2019, de autoria da Deputada Alessandra Vieira, nos termos do Substitutivo deste Colegiado.
Histórico