PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 402/2023
Proíbe a utilização de tecnologia de reconhecimento facial automatizado no âmbito dos sistemas de segurança pública do Estado de Pernambuco e dá outras providências.
Texto Completo
Art. 1º Fica proibido o uso de tecnologias de reconhecimento facial pelo Poder Público no Estado de Pernambuco.
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:
I - reconhecimento facial: processamento automatizado ou semiautomatizado de imagens que contenham faces de indivíduos, com o objetivo de identificar, verificar ou categorizar esses indivíduos;
II - tecnologia de reconhecimento facial: qualquer programa de computador que realize o reconhecimento facial;
III - controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais, conforme disposto na Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD); e
IV - titular dos dados: pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento, conforme disposto na Lei Federal nº 13.709, de 2018.
Art. 3º Fica vedado, nos termos desta Lei:
I - obter, adquirir, reter, vender, possuir, receber, solicitar, acessar, desenvolver, aprimorar ou utilizar tecnologias de reconhecimento facial ou informações derivadas de uma tecnologia de reconhecimento facial;
II - celebrar qualquer tipo de contrato com terceiro, público ou privado, com a finalidade ou objetivo de obter, adquirir, reter, vender, possuir, receber, solicitar, acessar, desenvolver, aprimorar ou utilizar tecnologias de reconhecimento facial, informações derivadas de uma tecnologia de reconhecimento facial ou manter acesso à tecnologia de reconhecimento facial;
III - auxiliar terceiro no desenvolvimento, melhoria ou expansão das capacidades da tecnologia de reconhecimento facial, celebrando ou não contrato para tal fim;
IV - instruir pessoa jurídica de direito público ou privado a adquirir ou usar tecnologias de reconhecimento facial em seu nome; e
V - implantar ou operacionalizar tecnologias de reconhecimento facial nos espaços públicos e privados do território pernambucano.
Parágrafo único. A vedação prevista no caput aplica-se a tecnologias de reconhecimento facial adquiridas por qualquer meio, seja de forma gratuita ou onerosa.
Art. 4º Quando o Estado, por provocação ou de ofício, tomar ciência da aquisição ou do uso inadvertido ou não intencional de tecnologias de reconhecimento facial ou de informações delas derivadas, deverá determinar a descontinuidade do uso dessas tecnologias e/ou informações no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas a contar da descoberta do fato, devendo os softwares e dados envolvidos serem excluídos no prazo de até 10 (dez) dias, contados também a partir da data de descoberta do fato, sob as penas previstas nos termos da Lei.
Parágrafo único. O controlador deverá registrar o recebimento, acesso ou uso de tais informações e deve identificar as medidas tomadas pelo Estado para evitar a transmissão ou uso de quaisquer informações obtidas inadvertidamente ou não intencionalmente através do uso da tecnologia de reconhecimento facial.
Art. 5º Após a entrada em vigor desta Lei, as tecnologias de reconhecimento facial previamente implementadas e informações derivadas dessas tecnologias não deverão ser mais utilizadas, devendo os softwares e dados serem excluídos no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias da descoberta do uso.
Parágrafo único. O controlador deverá registrar o recebimento, acesso ou uso de tais informações e deve identificar as medidas tomadas pelo Poder Público para a exclusão dessas tecnologias e informações.
Art. 6º Esta Lei não se aplica a dispositivos eletrônicos pessoais, tais como telefone celular ou tablet, de propriedade do Estado ou de propriedade particular, a serviço do poder público ou não, que realizam reconhecimento facial com o único propósito de autenticação do usuário pertencente a seu quadro de servidores ou do usuário particular.
Art. 7º As vedações de que trata esta Lei não se aplicam ao uso da tecnologia de reconhecimento facial exclusivamente utilizada para pesquisas científicas realizadas por institutos, centros de pesquisa ou universidades.
Art. 8º O descumprimento dos dispositivos desta Lei pelas entidades públicas ensejará a responsabilização administrativa de seus dirigentes, em conformidade com a legislação aplicável.
Art. 9º Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação.
Art. 10. Esta Lei entra em vigor após 60 (sessenta) dias da data de sua publicação.
Justificativa
Nosso projeto tem como objetivo proibir a utilização de tecnologia de reconhecimento facial automatizado no âmbito dos sistemas de segurança pública do Estado de Pernambuco. Sua construção se originou como base o PLO nº 249/22, da Câmara Municipal do Recife de autoria de Dani Portela e Ivan Moraes.
O Projeto de Lei em questão, por sua vez, tem como origem iniciativa legislativa de escala nacional sobre o tema do reconhecimento facial reunindo mais de 50 (cinquenta) parlamentares atuando em legislativos municipais e estaduais de 13 estados, tendo sido denominada a iniciativa “Sai da Minha Cara” (1). A campanha expressou uma preocupação ao revelar que a tecnologia é falha, com baixa eficiência em suas intenções de combater o crime ao apresentar dados e resultados discriminatórios. A utilização de tecnologias de reconhecimento facial para a segurança pública é uma questão que suscita preocupação em relação à proteção dos direitos fundamentais e à discriminação racial. É importante destacar que esses sistemas não são infalíveis e podem gerar resultados imprecisos ou discriminatórios.
Por exemplo, um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT)(2) concluiu que as tecnologias de reconhecimento facial tendem a ter maior dificuldade em identificar corretamente pessoas com pele mais escura, mulheres e idosos. Essa imprecisão pode levar à detenção ou acusação indevida de indivíduos inocentes, bem como à falta de investigação de crimes perpetrados por pessoas cujos rostos não foram reconhecidos. A grande possibilidade de erros, principalmente para a população negra, custa na restrição de direitos de muitas pessoas, como aconteceu no Rio de Janeiro, quando uma mulher foi detida no segundo dia de uso dessa tecnologia.
Os sistemas presentes no mercado possuem uma precisão que varia entre 75,8% e 87,5% quando aplicadas em população não-branca, o que tem resultados em diversos erros com consequências graves. Um estudo produzido pela Rede de Observatórios da Segurança que levantou 151 casos de prisões com o uso de reconhecimento facial em que 90% dos casos eram de pessoas negras, presas por crimes com baixo potencial ofensivo como tráfico de pequenas quantidades de drogas e furtos(3). Outra pesquisa mais recente, feita por uma das maiores empresas de reconhecimento facial, a francesa Idemia, afirma que a tecnologia possuía maior probabilidade de identificar de forma incorreta mulheres negras em relação às mulheres brancas ou homens brancos em relação a homens negros.
Entre mulheres brancas a taxa de erro foi de 1 para cada 10 mil, no de mulheres negras, a taxa foi de 1 para 1 mil, ou seja, 10 vezes mais chance de erro. Na cidade de São Francisco (coração do Vale do Silício nos Estados Unidos), o uso da tecnologia de reconhecimento facial nos espaços públicos foi banido em razão do alto potencial de uso abusivo e de instauração de um estado de vigilância opressiva e massiva. A tendência de banimento, considerando que tecnologias podem criar ou perpetuar opressões já existentes na sociedade e que as tecnologias de reconhecimento facial têm mostrado pouca acurácia na identificação de pessoas negras e mulheres, foi também seguida nas cidades de Portland, Mineápolis, Cambridge, Oakland, Nova Orleans e dezenas de outros municípios norte-americanos.
Na Europa, entidades do poder público, como a Comissão Europeia, o Conselho da Europa e Autoridades de Proteção de Dados, têm exigido uma aplicação imediata do princípio da precaução e recomendam uma proibição geral de qualquer utilização de tecnologias de reconhecimento facial em espaços acessíveis ao público, em qualquer contexto. Em março de 2021, a Autoridade Europeia de Proteção de Dados emitiu um parecer pedindo o banimento de tecnologias de reconhecimento facial em todo o bloco europeu. Ainda no contexto europeu, a nova coalizão que compõe o governo alemão pediu por um banimento amplo do uso de tecnologias de biometria facial no continente e, mais recentemente, a Itália proibiu o uso de reconhecimento facial em espaços públicos e abertos ao público.
A IBM, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, anunciou que deixaria de investir em tecnologias de reconhecimento facial, já que, segundo a empresa, esse instrumento estaria sendo utilizado para controle social e opressão pelas forças policiais. Em junho de 2020, a Amazon também proibiu que utilizem tecnologias de reconhecimento facial da empresa para finalidades policiais. Seguindo esse posicionamento, a Microsoft tornou-se a terceira empresa de tecnologia a indicar que não venderá suas soluções em tecnologias de reconhecimento facial para a polícia estadunidense. Em 2021, foi a vez do Facebook anunciar o fim de sua ferramenta de reconhecimento facial que identificava automaticamente os usuários em fotos e vídeos. Mark Zuckerberg se comprometeu ainda a deletar todos os registros feitos até agora em sua plataforma.
Diversas organizações ao redor do mundo já se posicionaram pelo impedimento de utilização desse tipo de tecnologia, como o manifesto capitaneado pela Access Now, Anistia Internacional, European Digital Rights (EDRi), Human Rights Watch, Internet Freedom Foundation (IFF) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) que reuniu organizações de todo mundo, incluindo do Brasil, que se posicionaram pelo banimento de tecnologias biométricas em espaços públicos. Além disso, a utilização de tecnologias de reconhecimento facial pode ampliar a vigilância e a coleta de dados pessoais sem o consentimento dos indivíduos, o que representa uma ameaça à privacidade e à liberdade individual. Isso pode gerar um clima de desconfiança e insegurança entre a população, prejudicando o relacionamento entre a polícia e a comunidade.
Por essas razões, é importante que as autoridades vedem o uso de tecnologias de reconhecimento facial para a segurança pública, com o objetivo de garantir a proteção dos direitos fundamentais, a precisão dos resultados e a equidade no tratamento das pessoas. Uma lei que proíba o uso indiscriminado dessas tecnologias e estabeleça critérios claros para a sua utilização pode ser um instrumento importante nesse sentido.
Em face do exposto, solicita-se a colaboração de todos os membros desta nobre Casa para aprovação da presente proposição legislativa, dada a sua relevância e interesse público.
Referências:
(1) https://idec.org.br/release/parlamentares-de-todas-regioes-do-brasil-apresentam-projet os-de-lei-pelo-banimento-do
(2) https://news.mit.edu/2018/study-finds-gender-skin-type-bias-artificial-intelligence-sys tems-0212
(3) https://cesecseguranca.com.br/artigo/levantamento-revela-que-905-dos-presos-por-mo nitoramento-facial-no-brasil-sao-negros/
Histórico
Dani Portela
Deputada
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | PUBLICADO |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 22/03/2023 | D.P.L.: | 8 |
1ª Inserção na O.D.: |