
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 328/2023
Institui a reserva de vagas nos cursos de graduação e pós-graduação nas instituições públicas de ensino superior do Estado de Pernambuco.
Texto Completo
Art. 1º As instituições públicas de ensino superior do Estado de Pernambuco ficam obrigadas a instituir reserva de 50% (cinquenta por cento) das vagas oferecidas nos cursos de graduação, por curso e turno, aos estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput, 50% (cinquenta por cento), no mínimo, deverão ser reservadas aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 (um e meio) salário-mínimo per capita.
Art. 2º As vagas previstas no art. 1º serão distribuídas equitativamente aos estudantes que se autodeclararem, no ato da inscrição, enquanto pretos, pardos, indígenas ou pessoas com deficiência nos termos da legislação, observada a proporção respectiva de tais grupos na população do Estado de Pernambuco, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Art. 3º As instituições de que tratam o caput também deverão instituir reserva de 50% (cinquenta por cento) das vagas oferecidas nos cursos de pós-graduação stricto sensu para os estudantes que se autodeclararem, no ato da inscrição, pretos, pardos, indígenas ou pessoas com deficiência, nos termos da legislação, observada a proporção respectiva de tais grupos na população do Estado de Pernambuco, segundo o último censo do IBGE.
Art. 4º Para efeitos desta Lei, considera-se pessoa com deficiência aquela que apresenta impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, nos termos da Lei Federal nº 13.146, de 6 de julho de 2015.
Art. 5º Consideram-se equiparados aos autodeclarados pretos, pardos, ou indígenas, para o preenchimento das vagas reservadas nos termos do art. 2º, os comprovadamente pertencentes aos povos ou comunidades tradicionais, nos termos do Decreto Federal nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.
Parágrafo único. São definidos como pertencentes a povos ou comunidades tradicionais para efeito desta Lei, os grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição, tais como:
I - os Quilombolas, mediante comprovação de pertencimento a comunidade certificada de acordo com os termos do Decreto Federal nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento das comunidades dos quilombos; e
II - os povos Ciganos, mediante certidão de reconhecimento emitido pela Secretaria de Governo Estadual responsável pelas políticas das comunidades tradicionais, ou através de entidade representativa da comunidade cigana por ela designada.
Art. 6º Para verificação da veracidade da autodeclaração deverá ser constituída uma comissão de avaliação, sob a responsabilidade da instituição de ensino realizadora do certame, cujos membros deverão ser distribuídos, preferencialmente, por gênero, raça, cor e naturalidade.
§ 1º As formas e critérios de verificação de autenticidade da autodeclaração das pessoas que se autodeclararem pretos, pardos, conforme o quesito cor ou raça, utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE deverão considerar, tão somente, os aspectos fenotípicos, os quais serão verificados obrigatoriamente com a presença do candidato.
§ 2º A verificação de autenticidade da autodeclaração das pessoas que se autodeclararem pertencentes às comunidades ou povos tradicionais, ocorrerá com a entrega da documentação de comprovação, independente de aspectos fenotípicos.
§ 3º Para comprovação da deficiência, as instituições de ensino de que trata o art. 1º poderão constituir comissão composta por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
Art. 7º Sem prejuízo das sanções penais e civis cabíveis, se for constatada, a qualquer tempo, falsidade da condição a que se referem os arts. 2º e 3º, sujeitar-se-á o infrator:
I - à anulação da inscrição no certame e de todos os atos dela decorrentes, se candidato a uma das vagas reservadas; ou
II - à anulação da matrícula, com efeitos retroativos, se já matriculado na instituição de ensino a qual concorreu.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas respeitando o direito ao contraditório e à ampla defesa, que deverá ser oferecido pelas instituições de ensino a que se refere o art. 1º, conforme procedimento interno a ser regulamentado por estas.
Art. 8º No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos nesta Lei, as vagas remanescentes deverão ser preenchidas pelos demais estudantes aprovados na ampla concorrência.
Art. 9º As disposições desta Lei não se aplicam àquelas seleções cujos editais de abertura foram publicados anteriormente à sua vigência.
Art. 10. Caberá ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários à sua efetiva aplicação.
Art. 11. Esta Lei entra em vigor em 90 (noventa) dias a conta da data de sua publicação.
Justificativa
O presente projeto de lei visa instituir reserva de vagas nos cursos de graduação e pós-graduação das instituições de ensino superior do Estado de Pernambuco, adotando critérios raciais, sociais e econômicos, a fim de incentivar o ingresso no ensino superior de grupos vulnerabilizados e historicamente desfavorecidos.
Trata-se de ação afirmativa com o fito de diminuir as disparidades econômicas, sociais e educacionais entre pessoas de diferentes classes, etnias e raças, sendo uma medida concreta no combate à desigualdade produzida por um sistema que privilegia um grupo racial e social em detrimento de outros. As cotas nas instituições de ensino superior são uma dentre várias formas de subverter a lógica injusta que orienta a sociedade a se organizar de maneira a privilegiar determinados grupos específicos, pois garantem, materialmente, mais oportunidades a setores marginalizados pelas estruturas sociais discriminatórias.
Tem-se que as desigualdades no Brasil abrangem o âmbito econômico, social, de gênero, racial, entre outros, e produzem um reflexo direto sobre as diferenças de oportunidades, seja na educação, seja no mercado de trabalho, bem como em diversos outros aspectos da vida cotidiana. Neste sentido, as opressões estruturantes do país cerceiam as oportunidades de ingresso e estadia de determinados setores sociais em instituições de ensino superior, entre outras questões, retroalimentando, ainda mais, o ciclo destas mesmas desigualdades. Constata-se, portanto, que esta estrutura é organizada de forma a facilitar a manutenção destas diferenças.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os negros e as negras representam 56,1% (cinquenta e seis vírgula um porcento) de toda a população brasileira mas, mesmo sendo maioria numérica, ainda assim são um grupo minoritário em espaços considerados importantes e de relevância social.
Em 2020, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou um estudo sobre ações afirmativas e população negra no ensino superior, o qual ajuda a compreender a desigualdade no acesso à educação no país. Conforme o estudo, 18% (dezoito porcento) dos jovens e das jovens negras de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos estão cursando uma universidade, ao passo em que os jovens e as jovens brancas da mesma faixa etária representam 36% (trinta e seis porcento).
Na mesma esteira, os dados revelam que a diferença no nível de escolaridade se reflete também na renda. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada em agosto de 2022 pelo IBGE, revelou que pessoas negras ganham, em média, menos do que pessoas brancas a cada hora trabalhada. Entre abril e julho de 2022, o trabalho de uma pessoa negra valeu, financeiramente, 40,2% (quarenta vírgula dois porcento) menos que o de uma pessoa branca. No caso de pessoas pardas, o valor foi 38,4% (trinta e oito vírgula quatro porcento) menor em relação à remuneração percebida por pessoas brancas, pelos mesmos serviços.
Percebe-se, portanto, que as desigualdades raciais e sociais, conquanto sejam diferentes, estão imbricadas uma na outra em diversos aspectos, revelando o novelo embaraçado que concebe o racismo estruturante historicamente constituído no país desde os tempos da colonização. Neste sentido, tem-se que o estabelecimento de política de cotas sociais e raciais nas instituições de ensino superior do estado de Pernambuco é um passo fundamental na luta contra o racismo e na discriminação por classe social, aumentando materialmente as oportunidades para setores historicamente vulnerabilizados da nossa sociedade.
Já sob o aspecto jurídico material, a ação afirmativa ora proposta revela-se compatível com o princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal), uma vez que garante a igualdade de oportunidades em favor de considerável parcela da população, muitas vezes alijadas do acesso à educação de qualidade e ao ingresso no mercado de trabalho.
Ademais, medidas análogas às que estão previstas neste Projeto de Lei gozam de amplo e robusto respaldo jurídico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido: RE 597285, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2012, DJe de 18/03/2014; ADPF 186, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2012, DJe de 20/10/2014).
Nesse contexto merece transcrição a ementa do julgamento da ADPF 186:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente. (STF, ADPF 186, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 20.10.2014)
Por fim, registre-se que a proposição tem amparo na competência dos Estados-membros para legislar sobre educação, bem como na sua autonomia para fixar regras aplicáveis a instituições vinculadas ao sistema de ensino estadual (arts. 23, inciso V, e 24, inciso IX, da Constituição Federal c/c art. 17, inciso I, da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996). Igualmente, não existe impedimento para a deflagração do processo legislativo pela via parlamentar uma vez que a hipótese não se sujeita às regras de iniciativa privativa do Governador previstas no art. 19, § 1º, da Constituição Estadual.
Ante todo o exposto, solicitamos o apoio dos Nobres Pares para a aprovação do presente Projeto de Lei.
Histórico
Dani Portela
Deputada
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | PUBLICADO |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 08/03/2023 | D.P.L.: | 11 |
1ª Inserção na O.D.: |