Publicado em 25/04/2019 - 14:04

O papel do deputado

Deveres e limites na atuação dos parlamentares estaduais

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quefaz_deputado_webIvanna de Castro

Provavelmente você já se confundiu ou conhece alguém que tem dúvidas sobre o que é a Assembleia Legislativa e o que faz um deputado estadual. Diferenciar a função desse mandatário da atividade realizada por um vereador ou por um representante do Congresso Nacional pode ser tarefa complicada para muitos. No entanto, compreender as responsabilidades desses representantes e identificar os canais de participação e fiscalização garantidos à população são essenciais para a efetiva participação na democracia.

Na série Por dentro da Alepe, inaugurada com esta reportagem, vamos esclarecer o papel dos 49 parlamentares eleitos para ocupar um lugar na Alepe, apresentar o caminho que os projetos legais precisam trilhar para se tornarem normas estaduais e, ainda, os canais que o cidadão dispõe para acompanhar e fiscalizar esse trabalho.

“Muitas vezes, quando visitamos nossas bases, muitas pessoas nos questionam, por exemplo, sobre o calçamento de ruas, uma função que não é do deputado estadual”, exemplifica o presidente da Assembleia, deputado Eriberto Medeiros (PP). “Nosso grande desafio à frente da Mesa Diretora é encontrar formas de mostrar melhor à população como funciona a Casa: os trabalhos que realizamos e quais as verdadeiras tarefas desempenhadas pelos deputados, para que eles nos cobrem aquilo que realmente devemos fazer“, emendou. Assista a entrevista na íntegra:

Para começar, é importante esclarecer que os deputados fazem parte do Poder Legislativo, que tem três funções principais estabelecidas pela Constituição Federal: representar as diversas orientações da sociedade, criar leis e fiscalizar as ações do presidente, governador ou prefeito (ver arte).

Os parlamentares estaduais reúnem-se nas Assembleias Legislativas – no caso de Pernambuco, a Alepe. Mas a atuação do deputado estende-se para além da sede física, no Recife, já que é papel desse representante ir até a população para colher as demandas e ser porta-voz delas no Parlamento.

“Segmentos sociais, organizações da sociedade civil, sindicatos ou, até mesmo, grupos privados buscam os deputados para apresentar demandas”, explica o líder do Governo, deputado Isaltino Nascimento (PSB). “Muitas vezes, essas sugestões são acolhidas e viram emendas, ou seja, alterações aos projetos de lei que votamos”, acrescentou.

As solicitações também pautam debates, que ocorrem em diferentes oportunidades. Uma delas é a audiência pública, momento em que a população é convocada a acompanhar, questionar e apresentar considerações sobre um tema específico. Por sua vez, durante as Reuniões Plenárias, os parlamentares usam a tribuna para discursar sobre qualquer assunto que julgar necessário dar visibilidade, como a oferta de medicamentos, conservação de rodovias ou o uso do orçamento estadual.

PARTICIPAÇÃO - Nas audiências públicas, população é convocada a acompanhar, questionar e apresentar considerações sobre um tema específico. Foto: Roberto Soares

PARTICIPAÇÃO – Nas audiências públicas, população pode acompanhar, questionar e apresentar considerações sobre um tema específico. Foto: Roberto Soares

Já a função de legislar é feita seguindo um rito formal próprio. Cada proposta legal – sugerida por um deputado ou enviada à Casa pelos outros poderes – precisa ser analisada pelas comissões técnicas, como as de Justiça, Finanças e Educação. Neste processo, grupos menores de parlamentares discutem as matérias a fim de aprimorá-las – ou, se for o caso, extingui-las. Em seguida, estas proposições seguem para discussão e votação nas Reuniões Plenárias, expediente em que os 49 deputados podem opinar e votar.

Cabe ao Poder Legislativo, ainda, fiscalizar como os recursos públicos são utilizados pelo governador, trabalho feito com auxílio do Tribunal de Contas do Estado. Para isso, os parlamentares utilizam algumas estratégias: acompanhamento das publicações do Diário Oficial e do Portal da Transparência; requerimento de informações aos secretários estaduais ou convocação de autoridades para prestar esclarecimentos sobre um tema.

“Quando a gente fala em fiscalizar não remete somente à corrupção ou mau uso do dinheiro público. Os deputados precisam acompanhar a execução orçamentária, a qualidade dos serviços públicos entregues à população e o cumprimento do plano de governo que o governador apresentou aos eleitores”, explicou a deputada da bancada de Oposição, Priscila Krause (DEM). Confira a entrevista na íntegra:

 

Funções atípicas

Além das três atividades principais, o Legislativo tem outras atribuições. Os deputados podem, por exemplo, determinar como uma parte do orçamento será investido pelo governador, graças às emendas parlamentares impositivas. “A maior parte das funções parlamentares são um tanto abstratas para a população. Já os resultados das emendas são bastante concretos: é uma obra de saneamento realizada, ou uma escola e um posto de saúde construídos”, explica o primeiro-secretário da Assembleia, deputado Clodoaldo Magalhães (PSB).

Os deputados estaduais têm poder, ainda, para instalar Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), que têm poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. A última CPI que funcionou na Alepe, em 2016, tratou da oferta de cursos de graduação oferecidos por faculdades irregulares. Ao final, o colegiado recomendou aos Ministérios Públicos Federal e Estadual o indiciamento de 14 instituições e de 19 pessoas.

A Constituição Estadual indica, por fim, outras atribuições aos deputados da Alepe, como convocar plebiscitos, autorizar operações financeiras do Estado e aprovar intervenções nos municípios.

CPI - Prerrogativa do Legislativo, Comissões Parlamentares de Inquérito têm poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. A última funcionou na Alepe em 2016. Foto: Jarbas Araújo

INVESTIGAÇÃO – Prerrogativa do Legislativo, CPIs têm poderes próprios de autoridades judiciais. A última funcionou na Alepe em 2016. Foto: Jarbas Araújo

 

Entender para fiscalizar

“O papel do Legislativo é frequentemente incompreendido, ou mesmo distorcido. Uma parcela da população vê o parlamentar apenas como o caminho facilitado a um benefício público ou a uma demanda legítima, mas que não é de responsabilidade do legislador”, analisa Diego Calegari, fundador do Politize – organização civil que visa fortalecer a cidadania e os valores democráticos por meio da educação.

“O despreparo para a democracia é o que temos de mais democrático no Brasil.”

Diego Calegari, fundador do Politize

A deputada Priscila Krause diz experimentar essa percepção na prática. “Quando chego em uma escola e vejo crianças lanchando no chão do refeitório, me dá uma indignação muito grande, mas eu não tenho o poder de usar recursos e comprar mesas, por exemplo. Meu papel, nesse caso, é fiscalizar, cobrar a gestão e debater políticas públicas que sanem as dificuldades”, explica. “Como a população não diferencia a atuação de cada Poder, ela espera que o parlamentar resolva todos os problemas que ela enfrenta. Esta expectativa grande vem seguida, no entanto, de uma enorme decepção”, acrescenta.

Calegari observa que o desconhecimento é algo compartilhado. “O despreparo para a democracia é o que temos de mais democrático no Brasil. Não importa o recorte de gênero, cor, classe social e nem mesmo de escolaridade. A gente vê jovens formados nas melhores universidades tão mal preparados para exercer sua cidadania quanto aqueles que não tiveram oportunidade de concluir a educação básica”, observa. “Isso tem na origem um abandono que fizemos com relação a este tema na nossa agenda pública de educação e de debates”, opina.

Ele acredita que a sociedade civil organizada e as instituições públicas têm capacidade de, juntas, transformar esta realidade. Para isso, devem investir, principalmente, no envolvimento da população com a política. “A gente pode melhorar nosso sistema eleitoral e os mecanismos de acompanhamento, ações essenciais. No entanto, nada disso vai adiantar se a gente não tiver uma população minimamente informada e interessada em preservar os valores democráticos”, analisa. “A gente precisa alimentar a crença das pessoas na política como o caminho de diálogo e de solução dos conflitos”, conclui.

Para saber mais

O site da Câmara Federal reúne ferramentas importantes para o cidadão entender melhor o funcionamento do Poder Legislativo, como vídeo, curso gratuito de oito horas de duração e até um jogo online.

 

*Fotos em destaque: Roberto Soares (home) e Jarbas Araújo (Notícias Especiais)