Pelo direito a diversão e arte
Demanda por equipamentos e produções culturais acessíveis cresce, motivando mudança de paradigmas no setor

CINEMA – O VerOuvindo – Festival de Filmes com Acessibilidade Comunicacional do Recife é exemplo de evento cultural inclusivo. Foto: Alzio Dias/Divulgação
Edson Alves Jr.
José Diniz nunca admitiu que a deficiência visual o impedisse de curtir a vida, assistir a filmes e a peças de teatro ou jogar futebol. Nem sempre, porém, os equipamentos culturais contribuíram para isso. “A maioria dos teatros e cinemas de Pernambuco não tem uma rotina de acessibilidade. Mas a gente tenta superar”, relata. “Tive a sorte de ter a minha esposa para descrever filmes e peças”, explica ele, que é presidente da Associação Pernambucana de Cegos (Apec).
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Caberia aos estabelecimentos de lazer e cultura, entretanto, dar condições para que todos usufruíssem desses serviços, defende Diniz. Para isso, teatros, shows, cinemas e museus deveriam oferecer mecanismos como a audiodescrição – técnica que traduz em palavras as informações visuais –, a tradução na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a adoção de legendas descritivas – que incluem outros sons, além dos diálogos. Antes de tudo, acrescenta ele, os próprios espaços precisariam ser acessíveis.

DEVERES – Caberia aos estabelecimentos de lazer e cultura, entretanto, dar condições para que todos usufruíssem desses serviços, defende Diniz. Foto: João Bita/Arquivo
“Ainda sofremos com a falta de legendas em filmes em português e de intérpretes de Libras em museus”, reforça René Ribeiro Hutzler, presidente da Associação de Surdos de Pernambuco (Asspe). “Por isso, é importante garantir o ensino de Libras nas escolas. Sem inclusão educacional e no mercado de trabalho, fica complicado para os surdos sequer pensarem no acesso à cultura”, opina.
Essas e outras medidas destinadas a assegurar o ingresso da pessoa com deficiência auditiva a equipamentos culturais e de lazer estão previstas na Lei Estadual nº 15.896/2016, de autoria do deputado Beto Accioly (PSL). Segundo a matéria, teatros e cinemas são obrigados a disponibilizar os meios para que essa parcela da população possa usufruir dos espetáculos.
O parlamentar explica que a norma reforça leis federais sobre o tema e ressalta a importância da causa. “Os deficientes auditivos têm direito de acesso à cultura e ao lazer, o que não é só um acesso físico às salas de exibição, mas também o de poder compreender a obra que está sendo exibida”, observou Accioly na justificativa do projeto que originou a lei.
Um iniciativa que busca transformar esse cenário em realidade é o Projeto Alumiar, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Ao longo deste mês de novembro, o Cinema da Fundação realiza sessões quinzenais com sistemas de audiodescrição, legendas e Libras. Atualmente, são vinte longa-metragens nacionais com acessibilidade promovida por uma equipe especializada.
O resultado também será disponibilizado na TV Escola, do Ministério da Educação. “As sessões na Fundaj vão servir para discutir e avaliar os modelos de acessibilidade aplicados aos filmes, com debates e pesquisas realizadas entre público e especialistas”, diz a coordenadora do projeto, Ana Farache.
Desde 2012, a Associação Pernambucana de Cegos promove capacitações em audiodescrição. De acordo com José Diniz, “90% das pessoas que fizeram esse primeiro curso estão hoje no mercado, pois a demanda aumenta a cada dia”. “A oferta de mão de obra, porém, ainda não acompanha, o que faz com que o serviço custe caro para os produtores culturais”, avalia o presidente da Apec.
“O acesso à cultura, no fim das contas, nunca vai ser melhor do que a acessibilidade geral de uma cidade”, avalia Felipe Gervásio, cadeirante que preside a organização não governamental Deficiente Eficiente. “Não adianta haver esse tipo de mecanismo num local em que o cadeirante tem muita dificuldade de chegar de ônibus”, observa ele, que acaba preferindo assistir a filmes em shopping centers por causa disso. “Se é para respeitar de verdade o princípio da dignidade da pessoa humana, todos os lugares destinados à cultura e ao lazer teriam que ser acessíveis”, conclui.
Para fazer frente a essa questão, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) tem investido na acessibilidade física e comunicacional dos estabelecimentos que estão sob a jurisdição dela. “O Cineteatro Arraial e o Cinema São Luiz, por exemplo, vão ganhar cabines de audiodescrição, que já estão em processo de compra”, afirma André Brasileiro, gerente de Equipamentos Culturais do órgão.
Um dos projetos apoiados pelo Funcultura é o Festival VerOuvindo, que chegou à quarta edição em abril de 2017. O evento promove competição de obras audiovisuais com acessibilidade, além de oficinas e debates. Neste ano, a disputa incluiu curtas-metragens de iniciantes, com o objetivo de incentivar a preocupação dos produtores culturais com o tema.
Além disso, um projeto que tente angariar recursos do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) ganha pontos na avaliação se a acessibilidade do produto cultural fizer parte da proposta. “Observamos que ainda existe algum desconhecimento dos produtores culturais sobre audiodescrição e Libras”, conta o gestor público. “Mas quando começam a promover a acessibilidade, imediatamente percebem a importância disso, e a experiência se torna muito gratificante.”